Mísseis iranianos atingirão New York em “de três a quatro anos”. Um Irã nuclear é igual a “50 Coreias do Norte”.
Pode ser a fala de sociopata doido e perigoso, ou o discurso que o primeiro-ministro de Israel Benjamin “Bibi” Netanyahu fez à Assembleia Geral da ONU. Compare você mesmo: semana passada, o presidente o Irã Hassan Rouhani, lá estava, convocando o mundo a surfar a onda contra a Violência e o Extremismo, no seu projeto WAVE [onda], sigla de World Against Violence and Extremism).
Semana seguinte, lá estava Bibi, na mesma tribuna, denunciando o projeto de Rouhani, que para Bibi não passaria de arapuca “cínica” e “totalmente hipócrita”.
No mundo segundo Netanyahu, “Ahmadinejad era lobo em pele de lobo. Rouhani é lobo em pele de cordeiro.” Rouhani tenta se fazer passar por “pio”, mas sempre esteve envolvido no “estado de terror iraniano”. Não passa de “serial killer que se veste de padre para ir ao tribunal e fazer-se passar por homem ‘ético’ e ‘religioso’.”
Sandices à parte, a verdade é que Bibi mudou de jogo. Agora, nada de cartolinas desenhadas e súplicas, praticamente todas as semanas, para que os EUA bombardeiem o Irã. Agora, é o “programa nuclear militar” do Irã que tem de ser extinto – programa que não existe, segundo toda aquela sopa de letrinhas que são as agências de inteligência dos EUA.
E, isso, depois de Netanyahu ter dito ao presidente Barack Obama dos EUA que esquecesse – para sempre – a resolução n. 242 do Conselho de Segurança da ONU, que ordena a retirada de israelenses de todas as terras ocupadas depois da guerra de 1967.
Que bomba
Assim sendo, deixemos bem claras algumas coisas.
O estado de Israel não tem fronteiras internacionalmente reconhecidas e não tem capital internacionalmente reconhecida. É estado em perpétua expansão.
Israel desrespeitou nada menos que 69 resoluções do Conselho de Segurança da ONU e foi “protegida” de nada menos que outras 29 resoluções, cortesia dos vetos norte-americanos.
Israel ocupa hoje território soberano do Líbano e da Síria, sem dar qualquer bola a qualquer resolução do Conselho de Segurança da ONU.
Israel assinou os Acordos de Oslo pelos quais prometeu para de construir em terra palestina ocupada. Na sequência, construiu 270 novas colônias. É parte do movimento de limpeza étnica em câmara lenta, no qual Israel obra ao longo das últimas seis décadas.
Israel vive a ameaçar semanalmente que bombardeará o Irã, há, no mínimo, três décadas.
Israel é potência nuclear clandestina, com mais de 400 ogivas nucleares; recusa-se a assinar o Tratado de Não Proliferação; impede inspeções de inspetores internacionais; nunca ratificou o Tratado da Convenção das Armas Químicas; usou armas químicas em Gaza; e mantém o maior arsenal de armas químicas de todo o Oriente Médio, não declarado, quer dizer, clandestino.
O Irã, por sua vez, não tem ogivas nucleares. O Irã assinou o Tratado de Não Proliferação e recebe regularmente os inspetores. O Irã não invade nenhum país soberano há, no mínimo, 250 anos. O Iraque de Saddam Hussein invadiu o Irã em 1980, mas o Irã não ocupou território iraquiano.
O lobby de Israel em Washington e o Congresso dos EUA impuseram um bloqueio financeiro ao Irã, o qual, para todas as finalidades práticas, é uma declaração de guerra. Por causa do bloqueio, o rial iraniano sofreu grave depreciação – com consequências drásticas para a vida dos iranianos comuns. Apesar de tudo isso, na reunião com Obama, nessa 2ª-feira em Washington, Netanyahu não exigiu só mais sanções: também disse que Israel atacará unilateralmente o Irã, se as palavras de Rouhani não gerarem “ação”.
A verdadeira “comunidade internacional”, como a vasta maioria no mundo em desenvolvimento, incluindo as potências emergentes reunidas no grupo BRICS, conhecem esses dados como a própria palma da mão. Todos esses fatos ajudam a ver com clareza o jogo de Bibi.
Basta examinar o mapa
Para a direita israelense, a mera possibilidade de que haja diálogo entre EUA e Irã é a real “ameaça existencial”. Bibi não aceitará sequer que o Irã enriqueça urânio para propósitos civis, direito que o Irã tem, garantido a ele pelo Tratado de Não Proliferação.
Um acerto entre EUA e Irã é proposta de ganha-ganha para todos: não só para os dois diretamente envolvidos, mas também para os europeus sedentos de energia, para a economia global, para as empresas multinacionais, para tudo e todos. Exceto para Israel.
O pesadelo de Bibi é a República Islâmica do Irã, não apenas como ator independente no Sudoeste da Ásia – o que o Irã já é –, mas, também, como potência regional em ascensão; quanto a isso, a única via possível para o Irã é a via ascendente, se se considera sua vasta população de jovens e bem educados, os massivos recursos de energia, a localização privilegiada e os complexos laços que ligam o Irã à Ásia Central, do Sul e do Leste.
Para a direita israelense, o status quo é ideal. Os fantoches dos EUA, como as petromonarquias do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), e as repúblicas árabes seculares vivem momentos de caos – com graus diferentes de ‘empurrão’ dos israelenses –, como o Iraque e especialmente a Síria.
É fácil para Israel manobrar entre esses atores; os israelenses podem, por exemplo, rejubilar-se com um golpe militar no Egito (porque militares egípcios não são ameaça), e com a parceria com a Arábia Saudita para tentar derrubar Assad na Síria. A balcanização do Oriente Médio dividido por linhas sectárias é, para Israel, doce como mel.
Mas o Irã como potência econômico-política emergente, com relações normalizadas com os EUA e a Europa Ocidental, é assunto muito mais sério, a ameaçar “existencialmente” a suposta hegemonia no Oriente Médio, que depende exclusivamente do músculo militar (além, é claro, da capacidade nuclear clandestina).
Isso explica a obsessão de Netanyahu com a mudança de regime em Teerã – ou, a segunda melhor opção, o total isolamento, bem distante do Ocidente (porque, no que tenha a ver com o Oriente, o Irã está firmando relações com todos os atores chave na Ásia).
O ponto crucial é que apresentar o Irã como “ameaça existencial” foi expediente extremamente útil para a direita israelense, como tática diversionista, que desvia a atenção geral para bem longe do que acontece na vida real: Israel, como estado ocupante militarizado está completamente, literalmente, terrivelmente, varrendo do mapa um povo inteiro – os palestinos. Quem ainda duvide, que examine o mapa.
Eis assim onde estamos. Netanyahu é falcão/abutre de extrema direita que jura pelaEretz Israel – uma Israel “Expandida” com fronteiras móveis, sempre em expansão, e hegemonia incontrastável militar/nuclear no Oriente Médio. Tem aliados poderosos: a extrema direita e os neoconservadores nos EUA; Republicanos ensandecidos que apoiarão qualquer coisa, desde que seja contra Obama; grande parte do Congresso dos EUA manipulado pelos israelenses; vastas fatias do complexo de imprensa-empresa nos EUA e no mundo. Essa gente não parará ante coisa alguma. Farão todo o possível para ver gorar qualquer acordo entre Washington e Teerã.
A tentação, para a verdadeira comunidade internacional, é mandar Netanyahu calar a boca – e ir brincar com suas cartolinas desenhadas. Obama semana passada disse na ONU que suas prioridades, agora, são o Irã e mais esforço para resolver a questão e a tragédia dos palestinos. Quer dizer: a bola está no campo de Obama – não no campo do sociopata.
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