Para Freixo o PMDB é o inimigo: "Quero enfrentar a lógica do PMDB expressa por figuras como Henrique Alves, Renan Calheiros, e tantos e tantos outros, como Sérgio Cabral e Eduardo Paes." |
Confira abaixo trechos da entrevista do deputado estadual e ex-candidato a prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Freixo (PSOL)
Como o senhor vê a formação da Rede Sustentabilidade, da Marina Silva?
Freixo – A minha relação com a Marina é pequena, nos conhecemos pouco, mas tenho muito respeito pela história dela, belíssima, é uma pessoa importante para a política e acho que tem espaço para um partido que propõe o que a Rede propõe. Não é o que proponho, particularmente não gosto, não me encaixo nesse negócio de dizer que não sou nem de direita, nem de esquerda; nem situação, nem oposição, mas isso não quer dizer que o partido não tenha espaço. O nosso inimigo político não é a Rede.
Quem é esse inimigo político?
Freixo – No debate das cidades, por exemplo, quero gastar energia para enfrentar o que o PMDB representa hoje no Brasil, não com a Rede. Posso não concordar, mas enquanto projeto de país, projeto político, quero enfrentar a lógica do PMDB expressa por figuras como Henrique Alves, Renan Calheiros, e tantos e tantos outros, como Sérgio Cabral e Eduardo Paes. Enfrentar a Rede não faz sentido para a vida real das pessoas e para as bandeiras que a gente sempre defendeu. Enfim, acho que a Rede é bem-vinda, tenho grandes amigos que são simpatizantes, como o Luiz Eduardo Soares, que fez minha campanha. Imagina se eu vou brigar com ele…
O problema que vejo na Rede é que a única coisa que liga todas essas pessoas é a candidatura da Marina, uma candidatura que não será igual ao que foi em 2010, mas que é interessante porque traz temas importantes. Nesse sentido, acho perigoso um projeto nacional partidário que só tenha como liga uma pessoa, uma figura e uma candidatura. Isso não me agrada, mas é por isso que estou no PSOL, que é difícil, tem seus próprios problemas – que não são pequenos –, mas tem a possibilidade de um programa.
O senhor falou da lógica política do PMDB. E o PT, do qual saiu boa parte do PSOL? Há setores do partido que têm o PT como esse principal inimigo, outros são mais próximos… Qual a sua posição?
Freixo – Nunca fui antipetista. É um erro do PSOL se fizer isso. Na minha candidatura à prefeitura, tinha um setor do PT fazendo a campanha, no lançamento tinha bandeiras do partidos. Imagina se isso não é bom? É ótimo.
Conversei com o Lindbergh [Farias] sobre a possível candidatura dele ao governo do Rio, falei pra ele: “Antes de qualquer coisa, você precisa me dizer se vai ser um candidato do Cabral ou contra o Cabral. Isso você ainda não pode me dizer”. Hoje, aparenta ser um candidato contra os interesses do Cabral, mas se ele [Cabral] costurar e conseguir ser vice da Dilma, que é o que ele deseja, pode ser que o Lindbergh seja o candidato do Cabral e reforce esse projeto PT-PMDB que acho que, para o PT, foi a cova.
E o que ele respondeu?
Freixo – Enfim… Deixa pra depois a resposta. Neste momento, as forças do PMDB se movem contra a candidatura do Lindbergh. Mas a gente sabe que há conversas que podem mudar esse cenário.
Nunca me tornei antipetista, e acho que o Psol não pode ter como projeto ser antipetista. Vivemos ali 20 anos ou mais, imaginar que não sobrou nada… Acho que o PT fez uma opção de governabilidade que não foi a nossa, e por isso estamos em outro partido, que se contrapõe a essa lógica política que o PT adotou, representada pelo PMDB, desde os tempos de Sarney pra cá. Se o PT está junto com o PMDB, tem de ser enfrentado, porque representa a mesma política hoje, por exemplo, no Rio de Janeiro. Tanto é que tem muito choque entre o Lindbergh e o Pezão, mas não largaram os cargos. Os arranjos de poder são mais fortes que esses compromissos.
Hoje, o senhor pensa só na prefeitura ou pode sair candidato a governador em 2014?
Freixo – Não saio candidato a governador em 2014 porque não podemos dar um passo errado nessa hora, e o projeto não é eleitoral somente, a eleição é um instrumento de um projeto de cidade. Sou um militante de direitos humanos muito antes de ser parlamentar, se deixar de ter mandato, vou voltar a ser militante como sempre fui. Eleição é meio, não é fim. A gente não tem estrutura para fazer essa campanha para o governo e tem uma possibilidade de fazer um debate para 2016, que é muito concreto. Em 2014, temos de consolidar esses comitês, o partido como instrumento dessas lutas. O meu desejo é sair para deputado estadual porque não quero sair da cidade.
Como começou sua militância na área dos direitos humanos, mais especificamente nos direitos dos presos? Essa área está um pouco abandonada, devido, por exemplo, à escolha do Marco Feliciano (PSC) para presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara?
Freixo – É, a infelicidade do Feliciano… Nasci em Niterói, uma cidade vizinha do Rio de Janeiro, e comecei a militar em movimento de moradores da zona norte, Movimento Cultural Comunitário do Fonseca, que era do bairro em que eu morava, um bairro de periferia e que, naquela época não tinha cinema, teatro, nenhum equipamento de cultura. Se você olhar os equipamentos de cultura nas grandes cidades, vai observar que estão concentrados nas áreas mais privilegiadas, e não é diferente no Rio de Janeiro; na zona norte e na zona oeste quase não tem.
Tinha 17 anos, e ali foi minha primeira experiência de militância, na zona norte, com cultura. Sempre fui boleiro, gostava demais de futebol e fazia parte de um time que jogava dentro do presídio, era o único campo de futebol do bairro. A gente alugava o campo e, quando faltava alguém, um preso jogava; o juiz era sempre um preso. Aliás, brinco sempre que lá nós tínhamos o único juiz que ninguém chamava de ladrão por mais que isso pudesse fazer o mínimo de sentido [risos].
Então, presídio sempre fez parte da minha rotina. Aí fiz Economia e, depois, História. Quando fiz História, já estava com muita vontade de dar aula, ser professor, e na faculdade vi um cartaz dizendo que precisavam de professores dentro de um presídio, para estágio. Na hora, falei: “Porra, eu quero”. Meu grande desejo de dar aula pesou, mas mais ainda por ser no presídio, porque remeteu a uma imagem de presídio que não era assustadora, não me trazia medo, e fui, então, dar aula. Ali, foi minha grande aula de militância e direitos humanos. O presídio era o Edgard Costa, onde fiquei anos e depois passei a coordenar um curso de Educação baseado no método Paulo Freire, que foi algo revolucionário na minha vida e na vida de alguns presos, na época.
Depois, fui trabalhar com prevenção à Aids no complexo da Frei Caneca, mas tudo nasceu ali, no Edgard Costa, e passei a ler o sistema prisional como o grande desafio dos direitos humanos no Brasil. O presídio é o espaço da nossa amnésia, das nossas contradições esquecidas. Se você olhar hoje os presídios, é algo impressionante, estive no Edgard Costa e disse para meu assessor: “Olha para o pátio, o que você vê?”, ele me disse: “É, tá cheio.” “Mas tá cheio do quê?”, eu perguntei. Eram jovens, cada vez mais jovens, todos negros ou pardos, pobres e de baixa escolaridade, é a pena de morte social consolidada, são pessoas excluídas há muito mais tempo, supérfluas, como diz o (Zygmunt) Bauman. Sobraram, não são mais “exército de reserva”, pois não servem a esse modelo de sociedade, não servem a essa economia, e tem ali o espaço do esquecimento destinado a eles.
O crescimento da população carcerária no Brasil mostra o quanto caminhamos nessa direção. De 1995 para cá, a população carcerária cresceu 345%, já somos a quarta população carcerária do mundo. É mais fácil olhar para o presídio e pensar o que cada um fez, a culpabilização individual, que é o mito da sociologia americana. O indivíduo erra, vai para um presídio, é consertado, e volta, é o mito da ressocialização, e não é isso que está em jogo ali.
"Há um processo, hoje, de genocídio da população jovem, negra e pobre no Brasil." |
Quanto ao Feliciano…
Freixo – A luta por direitos humanos tem no sistema prisional o maior desafio, mas não só isso. Se pegarmos o número de homicídios no Brasil nos últimos anos, você vai ver que o de brancos diminuiu, e o de negros aumentou, consideravelmente. Então, há um processo, hoje, de genocídio da população jovem, negra e pobre no Brasil. Os números são de genocídio, e esses homicídios têm cor e endereço. A luta dos direitos humanos, hoje, tem de dar conta dessas contradições, é uma agenda que tem de ter as lutas LGBT, o espaço das populações quilombolas, o debate sobre a questão racial, é o espaço em que o Estado deve atuar e onde essas lutas são fundamentais. Elas não são fundamentais apenas para as ditas minorias, são importantes para a afirmação de um espaço democrático no país, fundamentais para um projeto de democracia que envolve quem não é gay, quem não é negro e quem não é pobre, mas que, de forma republicana, pensa no processo democrático.
Por isso, não se pode ter alguém ali [na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara] que negue e reafirme um processo de Estado violento contra essa população. Não podemos ter alguém que diz que a população negra é amaldiçoada porque vem da África, porque isso é muito grave. Não é uma questão de opinião, é você ter o braço do Estado que cuida desse processo democrático negado, ou seja, é o representante de todas as opressões no espaço de resistência a essas opressões. É inaceitável. Ele [Feliciano] é um charlatão, responde por estelionato, aparece lá com cartão de crédito pedindo senha, tem processo de sonegação… Enfim, essa é uma crítica, mas imagino que ele não seja o único que tenha esse tipo de problema no Parlamento brasileiro, o próprio presidente do Senado, há pouco tempo, foi afastado, acusado de favorecer empreiteiras. Mas Feliciano não pode representar a política que ele representa na Comissão de Direitos Humanos, não pode comandar a comissão.
O senhor falou sobre o genocídio da população negra e pobre, que é também uma pauta dos direitos humanos em São Paulo. Há denúncias e algumas prisões que denunciam que grupos de extermínio estejam envolvidos com esses homicídios. E no Rio, quem está matando essa população?
Freixo – No Rio, tem o advento das milícias. Fui o presidente da CPI das Milícias, e sem dúvida ela contribuiu muito para o genocídio dessa população, até porque a milícia se coloca em lugares onde o Estado está leiloado. Não estamos falando do Estado paralelo, não defendo essa tese porque os paralelos não se encontram. São agentes públicos, com interesses privados, com domínio de território e agindo com os instrumentos públicos, ou seja, é um Estado leiloado a determinadas forças, não é paralelo. Tanto grupos de extermínio quanto milícias são braços de um Estado leiloado, mas tem uma tragédia no Rio de Janeiro, que é a guerra das facções, que é pobre matando esfarrapado e jovem negro matando jovem negro.
O grande debate das cidades, hoje, envolve quatro eixos: Estado, território, governança e soberania. Esses são os eixos que temos de juntar. O debate de território é crucial para mim, porque em alguns deles a barbárie é consentida.
Em relação ao que o senhor falou da questão do encarceramento…
Freixo – O Estado penal, né? Para todo Estado mínimo, o Estado penal é necessário. O Estado que não garante direitos e se reduz no seu papel social, por outro lado, tem de ser um penal e policial, é o que vivemos hoje no Brasil. Para os setores supérfluos, dessa sociedade líquida do Bauman, o Estado penal é fundamental. Hoje, somos a quarta população carcerária mundial, só perdendo para os “libertários” americanos, a China e a Rússia.
Mas tem gente que quer fortalecer esse Estado penal, temos várias iniciativas políticas de aumento de pena, mas queria que o senhor comentasse especificamente sobre o projeto de lei do deputado Osmar Terra (PMDB-RS)…
Freixo – Isso é um horror.
Qual a sua avaliação em relação ao projeto? Por que o senhor acha que, quando temos um crime hediondo, ou midiático, aparece sempre alguém para propor aumento de pena?
Freixo – Bom, é isso, o Estado penal é fundamental para sustentar o Estado mínimo, mas todo projeto político precisa de legitimidade, por isso falo da luta político-pedagógica. Ontem, no debate com a juventude, levei uma matéria que dizia assim: “Noite de tiros e explosões na zona sul do Rio.” O subtítulo era: “Vizinhos dos morros não conseguem dormir e ao amanhecer têm medo de sair de casa.” O morro deve ter dormido bem pra cacete, né? Era o título da matéria. Todas as pessoas entrevistadas moravam perto do morro, porque não tem problema no morro, ele é o problema. A eliminação da dignidade do outro é fundamental para o processo de hegemonia e de legitimidade desse Estado penal, e a produção do medo é didaticamente fundamental para legitimá-lo, porque o medo faz com que o supérfluo não precise cometer um crime para ser tratado como criminoso.
A produção do medo é a essência da criminalização da pobreza, porque precisamos criminalizar os territórios pobres para que o Estado possa ser totalitário, para manter essa ordem sem que me incomode internamente. Porque, se não tenho compromisso ético com ele, não sou um deles, ele é o outro. Hannah Arendt disse o seguinte: “Pior do que a rivalidade e a oposição, é indiferença.” A indiferença mata, a rivalidade não; a rivalidade você pode vencer, mas você reconhece o outro; na indiferença, você anula o outro. É esse o processo pedagógico que temos de enfrentar.
A polícia entra na favela e cinco pessoas morrem, isso cria uma grande comoção? Não. Porque, na nossa cabeça, essas pessoas já foram julgadas, julgadas pelo nosso medo. “Polícia entra na USP e mata cinco”. Toda a imprensa vai para lá. Que merda é essa? A dignidade tem endereço, a decência humana tem endereço, é de classe. Por isso, a luta por direitos humanos é a essência da nova luta de classes hoje. Porque não está na relação capital e trabalho, está entre quem é humano e quem não é. Quando um sujeito diz: “Direitos humanos para humanos direitos” é porque ele está dizendo que existe uma categoria que não é humana. Há uma busca de legitimidade do extermínio, seja físico ou moral. A Comissão dos Direitos Humanos é importante por isso, não pode ter alguém que legitima essa hegemonia, que pedagogicamente reforce essa anulação do outro, por isso que é grave. Acho que esqueci de falar algo…
O projeto de lei do Osmar Terra.
Freixo – É a mesma coisa. Hoje, você tem o crack que serve a esse papel, é a demonização das drogas. Trabalha-se na lógica da culpa individual, da responsabilização individual da droga; se você é um drogado, isso é problema seu, muitas vezes espiritual, e aí a cura é espiritual, do tratamento religioso, das OSs [Organização Social] ou dessas casas de reabilitação que, no Rio de Janeiro, fazem parcerias. Vai ver o escândalo que é aquilo.
Qual é o grande problema? O debate sai da área de Saúde, não é mais um debate de saúde pública. A partir do momento em que se trabalha na lógica de culpar o indivíduo, cria-se uma grande comoção, porque fica aquele negócio do “meu filho pode ser um deles”. Ao contrário da morte na favela, o debate da droga leva à conclusão de que isso pode acontecer com o seu filho, “o crack pode consumir o seu filho”. O crack parece uma coisa que anda por aí e pode pegar seu filho. Todo mundo sabe que isso é dramático e ninguém quer ter uma pessoa dependente, seja de álcool ou de droga em casa, isso é um drama, um horror, mas é um problema de saúde pública. Então, não se investe nos consultórios públicos, nos Caps [Centro de Atenção Psicossocial], o Rio de Janeiro tem três Caps AD [Álcool e Drogas], somente três, e isso não entra em nenhuma pauta jornalística. Mas entram as operações para matar “cracudo” na Maré.
Qual é, então, a política pública? E aí o mandato do nosso vereador no Rio de Janeiro, Renato Cinco (PSOL), tem essa prioridade política e está fazendo um trabalho político excelente, pedagógico, essencial. Vá nos abrigos para onde essas pessoas são levadas, de quem é o convênio? Quem está atendendo? Qual é a política de saúde? Quantos deles voltam para as drogas? Então, não se tem responsabilidade. Esse projeto é de um retrocesso brutal no que diz respeito às políticas públicas de saúde, é movido pela vitimização coletiva da sociedade contra as drogas, por isso digo que a luta política é pedagógica. “Ah, mas vocês acham que não tem nada demais a pessoa consumir crack?” Claro que tem, mas o que é mais eficaz? Qual o debate da eficácia da política? O debate da eficácia morre, porque não se tem esclarecimento.
Revista Fórum
Um comentário:
O que me impressiona é essa flexibilização quando se diz setores do PT o apoiou na sua participação eleitoral em 2012 para a prefeitura da cidade do Rio de janeiro, e tambem quando foi dito que a Rede SERA bem vinda porque achou alguns temas interessantes. Pois bem, fica uma pergunta ONDE FICA O MARXISMO, pois tanto a rede quanto setores do PT, não representam o SOCIALISMO hoje e começo a entender que PSOL esta preocupado mais com as ELEIÇÕES do que com as REVOLUÇÕES,no qual é a meta e o sonho de todos SOCIALISTAS LIBERTARIOS.
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