quinta-feira, 6 de junho de 2013

Quem diz que ditadura tem o seu lado bom…

Impossível não se emocionar com os relatos de Helio Fernandes sobre aquelas coisas todas que ocorreram durante a ditadura no Brasil.

Meu pai foi perseguido pelo então ministro Delfim Netto, que o afastou do Ministério da Fazenda, sem qualquer motivo, e colocou-o em disponibilidade. Meu pai perdeu seu salário quase todo, em decorrência.

O piauiense Altino Vieira Nunes veio para o Rio de Janeiro órfão de pai e mãe, analfabeto. Estudou, lutou e conseguiu aprovação num concurso para o ministério. Delfim Netto matou meu pai por dentro.

Delfim Netto é um assassino cruel, foi igualmente um torturador. Meu pai escondeu o quanto pode sua real situação de nós; vendeu seu telefone, as joias que mamãe tinha, recorreu a agiotas. Se tivesse sido um ladrão e crápula como Delfim Netto, teria enriquecido, em função do cargo:  “Fiscal da Alfândega”.

O momento em que meu pai lia no Diário Oficial a lista dos afastados pelo ministro Delfim Netto, segundo minha mãe, foi terrível. “Olhe, o fulano está na lista! O beltrano também! Olhe, este meu amigo, homem corretíssimo, o nome dele está aqui na lista dos afastados!!!” Até que…  parou. Olhou para minha mãe e disse, arrasado: ” Merinda, meu nome também está aqui”…

No dia seguinte, saiu no DO que os afastados que fossem descobertos exercendo qualquer outra função, seriam demitidos “a bem do serviço público”. Era a crueldade nua e crua, uma atrocidade que nem podemos adjetivar. Foram três, os colegas do papai que se suicidaram na ocasião.

Quem diz que uma ditadura tem o seu lado bom… tenhamos piedade desta pessoa. Minha família foi atingida da pior maneira possível.

DESABAFO
Mas, um dia, cruzando com o general Aurélio Lyra Tavares, na rua N. Sra. de Copacabana com República do Perú, às vésperas do Natal,  gritei bem dentro da orelha dele: “Viva o Natal! Viva Jesus Cristo! Que morram os assassinos como você, seu filho da puta!” Diante da aproximação de algumas pessoas, saí rapidamente.

Detalhe: meu pai era primo legítimo de Petrônio Portela Nunes, político de poder, na época: havia sido prefeito de Teresina, governador do Piauí, senador, presidente da ARENA, ministro da Justiça no governo João Figueiredo. Insistíamos com papai para que conversasse sobre tudo com Petrônio.

“Não, Petrônio não pode saber de nada. Não quero que ele resolva nada, melhor deixá-lo fora disso. Se meu país me trata desta forma, então é melhor não ter mais nada, mesmo”.

Meu pai voltou à ativa, mas nada recebeu como indenização pelos onze anos em que ficou afastado. E só voltou a trabalhar  graças à uma carta que enviei ao presidente Figueiredo, contando tudo. Figueiredo leu e me fez saber da sua decisão através de uma secretária do ministério da Fazenda. Guardo a carta … e a decisão do Figueiredo.

A carta começa assim: “Senhor João Baptista de Oliveira Figueiredo. Não, não estou escrevendo para o presidente da República do meu país. Estou escrevendo para aquele menino cujo pai Euclides foi perseguido para ser morto pela ditadura de Vargas. Pois o meu pai está sendo perseguido pela ditadura da qual o senhor faz parte. O senhor não pode ficar sem fazer nada” etc.

Quem diz que as ditaduras têm seu lado bom, não sabe mesmo o que está dizendo.

Almério Nunes  Tribuna

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