No mundo contemporâneo, você pode observar o grau de desenvolvimento social de uma metrópole pelo número de bicicletas em suas ruas. Amsterdã e Copenhague são duas referências extraordinárias, e o Diário gostaria que São Paulo absorvesse lições de ambas. Mas o caminho é longo, como mostra o texto abaixo, de autoria de nosso colunista-ciclista Jura Passos.
A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), da Prefeitura de São Paulo, a Polícia Militar e a Polícia Rodoviária foram convidadas para dar apoio ao passeio ciclístico da Rota Marcia Prado 2012, entre São Paulo e Santos, no último domingo. A CET compareceu ao ponto de partida, na Estação Vila Olímpia da CPTM, mas nada pode fazer para evitar a aglomeração de milhares de ciclistas para acessar a ciclovia através de uma passarela de pedestres sobre a Marginal Pinheiros.
Nas duas travessias da represa Billings realizadas por balsas da EMAE – Empresa Metropolitana de Águas e Energia – a CET não apareceu para organizar o tráfego de entrada e saída de carros e bicicletas nas balsas. Resultado: congestionamento e confusão.
Quem apareceu no lugar da CET foi a PM, de armas e cacetetes em punho, disposta a dispersar quem ousava, simplesmente, seguir seu caminho em direção ao mar, pacífica e organizadamente, sem poluir o ar, sem pressa e sem tem que pagar as abusivas taxas de pedágio cobradas nas estadas paulistas. Ao perceber isso, retirou seus soldados do “front”, abandonando uma multidão que esperou até 3 horas para uma travessia de 10 minutos.
A Rota Marcia Prado liga a ciclovia da Marginal Pinheiros à estrada de manutenção da rodovia dos Imigrantes. Foi o caminho que os primeiros ciclistas que tentavam descer de bicicleta até Santos encontraram para fazer o percurso, já que todos os caminhos do mar foram proibidos para ciclistas em São Paulo. Inclusive o Caminho do Mar, a estrada velha de Santos, fechada para o trânsito de qualquer veículo. A ciclista Marcia Prado – morta por atropelamento na Avenida Paulista – foi uma das primeiras a percorrer essa rota, que foi batizada em sua homenagem.
Marcia, a ciclista morta e homenageada |
Enquanto a Polícia Militar erguia o braço contra os ciclistas, a Polícia Militar Rodoviária – acostumada a expulsar os ciclistas da Imigrantes com alguma razão, pois é perigoso mesmo – fez o inverso: isolou os acostamentos por onde circulavam os ciclistas do tráfego de automóveis, alertou os motoristas da presença deles e colocou viaturas em pontos estratégicos para orientar os condutores de duas e de quatro rodas. Se falta coordenação de informações dentro da mesma instituição policial, imagine entre as esferas de governo estadual e municipais.
Mais uma vez ficou patente a improvisação com que as ciclovias estão sendo implantadas em São Paulo. Sem planejamento sério e sem coordenação entre os governos locais e estadual e seus órgãos competentes. O acesso de ciclistas à estrada de manutenção da linha da CPTM paralela à Marginal Pinheiros – a chamada “ciclovia” da Marginal – é feito por uma passarela de pedestres improvisada. Na ponte Cidade Universitária foi feita uma abertura no muro em plena calçada, isolada da rua por muro de concreto, por onde passam ciclistas e passageiros de outra estação da mesma linha de trens. Diante da sede da CET – na Praça Ramos de Azevedo – há uma ciclovia pintada no chão, que pedestres, ciclistas e autoridades de trânsito seguem ignorando.
Essa foi a 4ª edição do passeio ciclístico da Rota Marcia Prado. O número de participantes cresceu exponencialmente ano a ano, partindo de algumas centenas até atingir alguns milhares neste ano. Organizado pelo Instituto CicloBR, que promove e defende o uso da bicicleta em SãoPaulo, o passeio se espalhou como vírus pelas redes sociais quando foram abertas as inscrições. Tão rápido que todo mundo aderiu, menos algumas das autoridades responsáveis pelos serviços públicos necessários e imprescindíveis.
Vieram grupos de ciclistas de todo o Estado e até de outros: de Presidente Prudente, Salto de Pirapora, Campinas, Limeira e do sul de Minas. Fretaram ônibus, viajaram a noite toda e na manhã seguinte estavam aglomerados na entrada da estação Vila Olímpia esperando a vez de atravessar a passarela. Prepararam suas bicicletas, estamparam suas camisetas, trouxeram suas ferramentas, alimentos, água e, sobretudo, sua saúde e disposição para enfrentar uma pedalada de 100 km, durante até 12 horas. Providenciaram quase tudo por conta própria, só não imaginaram que a maior dificuldade não seria pedalar e, sim, enfrentar o “trânsito parado”, exatamente o que os ciclistas pretendem evitar.
A Rota Marcia Prado foi criada oficialmente pela lei municipal 15.094, de 4 de janeiro de 2010. O texto da lei é autoexplicativo: ele institui a rota “cicloturística” e diz que ela “deve ser inserida no calendário oficial de eventos turísticos, esportivos e de lazer do município e contribuir para promover e divulgar o desenvolvimento turístico, cultural, ecológico, econômico, social e sustentável da região”. Ao mesmo tempo, todas as condições necessárias à sua implantação foram vetadas pelo prefeito Kassab.
Não se pode acusar a CET de desrespeitar uma lei municipal que ao mesmo tempo institui e impede a implantação da rota. Afinal, até a legislação é improvisada.
Diário do Centro do Mundo
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