quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O fusca, a surra e o fascismo



Há um exagero evidente quando se afirma que os tais “black blocks” são um agrupamento “fascista”. Fascismo, meus amigos, é outra coisa.
 
Fascismo requer um líder autoritário, que fale em nome da pátria, com um discurso unificador. Os “black blocks” não possuem esse discurso, e aparentemente não há líderes a unificar a ação.

Prefiro ver os “black blocks” de outa forma: são um sintoma de que algo não vai bem na sociedade brasileira. Assim como os rolezinhos nos shopping centers. São dois fenômenos muito diferentes, mas os dois indicam que o sistema político brasileiro vive um impasse e precisa ser reformado. Doze anos de lulismo criaram um novo Brasil (na economia e no consumo). E esse novo país não se reflete na institucionalidade política – carcomida pelo peemedebismo e pelo autoritarismo secular. Os curto-circuitos começam a surgir.

O “black blocks” são fascistas? Mas e
os policiais que encurralaram os manifestantes dentro de um hotel em São Paulo? São representantes do que?

Além do mais, é preciso compreender que os rapazes de preto são apenas parte (a mais barulhenta, talvez) dessa turma que foi pras ruas em 2013 e que agora deu início à temporada de protestos versão 2014: também há o pessoal do PSOL, do PSTU, sem falar na classe média “apartidária” (mas que de apartidária não tem nada) - sobre o tema, confira o excelente texto do professor Wagner Iglecias.

Ainda não surgiu uma liderança construtiva que consiga canalizar essa energia das ruas. Qual o programa dessa turma? Se for apenas o “fora PT!”, esperemos a resposta nas urnas de outubro. Mas parece-me que há mais do que isso. Dilma fez a leitura correta em junho de 2013: propôs a Reforma Política. Bloqueada pelos conservadores do PMDB, preferiu recuar.

O sistema político brasileiro precisa ser reformado. Mas não será alterado por esse movimento amorfo, sem programa, e que parece ser antes um sintoma de mal-estar social do que uma força política efetiva.
O incêndio de um fusquinha em meio às manifestações no dia do aniversário de São Paulo virou símbolo dos impasses desse movimento. O objetivo dos rapazes de preto seria atacar a “ordem”. Ok. Mas a vítima acabou sendo um trabalhador que seguia com a família no fusca. Patético para quem olha de longe. Trágico para o dono do fusquinha.

Não acho que fazemos bem em “demonizar” os jovens vestidos de preto. Antes de gritar “bando de vagabundos”, “baderneiros” (sou de uma geração que sente arrepios ao ver gente de esquerda chamando manifestante de “baderneiro”; isso é vocabulário de milico reacionário), deveríamos prestar atenção a esse recado. No pós-ditadura, o sistema político foi capaz – sim – de incorporar novas forças que surgiram: trabalhadores organizados no campo e nas cidade encontraram caminhos (CUT, MST, sindicatos, partidos etc) para – dentro da ordem institucional democrática – construírem instrumentos de luta, reivindicação e poder.

Os “black blocks” – e essa é apenas uma hipótese – seriam o sintoma de que o sistema político chegou próximo da exaustão. Pior: perdidos, sem bandeiras a não ser a violência, os tais jovens de preto liberam energias regressivas da sociedade. E são claramente instrumentalizados pela extrema-direita, que gostaria de ver o “lulo-petismo” longe do poder.

Neste fim-de-semana,
um desses jovens de preto (aparentemente, ele carregava na mochila objetos que seriam usados em atos de violência) provou do veneno: foi surrado no centro de São Paulo por outros jovens da periferia que tinham ido à Praça da República para assistir a um show. O jovem “black block”, ironia das ironias, foi salvo do linchamento por outros homens de preto: os seguranças do show, representantes da “ordem”, impediram o linchamento.

O fusca queimado, a surra… Se o mal-estar não se transformar num programa, esse movimento corre o risco de se esgotar. Pior: terá apenas ajudado os setores da extrema-direita que pedem cada vez mais “borrachada” e “ordem” a qualquer custo. Nesse caso, os “black blocks” (que não são propriamente fascistas) teriam dado uma grande contribuição para a construção de uma agenda (aí sim) efetivamente fascista.

Nada está decidido. Quero crer que as forças da reforma vão ganhar essa disputa.
 

PSOL Cabo Frio: Reunião Aberta

 
Primeira reunião aberta de 2014!!!
Dia 7 de fevereiro, às 20h na Rua Independência!
Conheça o nosso partido, traga suas propostas para uma Cabo Frio melhor!

 PSOL Cabo Frio

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

MAINARDI – “A besta”


O PLAYBOY estava de ROLEX no pulso praticando vandalismo
Acontecia o movimento grevista dos bancários em setembro de 1979, considerado um dos marcos da categoria pela dimensão da mobilização. Eis que a mídia, obviamente a serviço dos banqueiros e da ditadura com a qual compactuava, para tentar desqualificar o movimento, chamou a greve de “fiasco” e os grevistas de “vândalos”.
 
Um dos “vândalos” era o playboy Diogo Mainardi, filho do publicitário Ênio Mainardi. De relógio Rolex em pulso, ninguém sabe ao certo o que ele foi fazer no meio dos manifestantes. Curiosamente, a cena saiu em destaque na revista Veja (edição nº 576 de 19 de set. de 1979), que chamou o movimento de “desastrado”.
 
Ao Jô Soares, Mainardi disse que ficara “insano” por conta de uma cacetada da polícia no braço e uma bomba de gás lacrimogênio (confira AQUI, aos 11:50). Não convenceu, claro. Mas dá para perceber que, independente das convicções do jovem Mainardi, ele ajudou a revista fascista a elaborar matéria que pintou os manifestantes como “vândalos”.

Anos depois, o “vândalo” da Veja viria a ganhar uma coluna na revista. Alguns críticos afirmam que Mainardi não era um colunista, mas apenas um “laranja” para os editores da revista poderem, sem “sujar as mãos”, assassinar reputações; extravasar, com linguagem débil, toda a torpeza que não convinha a uma revista “isenta”. Como se a revista Veja não fosse, por si só, abjeta.

Após vários processos na justiça (contra Mainardi e o Grupo Abril, que publica a Veja), acusações de servir a lobby e milhares de críticas contra a baixaria, a Veja resolveu extinguir a coluna de Diogo Mainardi.

 P10

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Palestina: Os meninos heróis de Ramallah

Brasileiro é preso acusado de atirar pedras em soldados israelenses

O adolescente Majd Hamad, de 15 anos, filho de uma brasileira e que vinha sendo procurando pelo Exército israelense sob acusação de jogar pedras contra as tropas, se entregou neste domingo em uma delegacia de polícia na Cisjordânia.

Acompanhado pela mãe, Najat Hamad, que nasceu em Goiás, e pelo ministro-conselheiro do escritório de Representação do Brasil em Ramallah, João Marcelo Soares, ele chegou pela manhã ao posto policial Binyamin, perto de Ramallah. Após cerca de uma hora de interrogatório, durante o qual as autoridades não permitiram a presença da mãe ou do diplomata, Majd ficou detido no local e, de lá, deverá ser transferido para a prisão de Ofer.

De acordo com a mãe, "quando saiu do interrogatório, estava muito nervoso e com olhos vermelhos, mas não me deixaram falar com ele". O adolescente é acusado de jogar pedras contra soldados israelenses durante uma manifestação no dia 11 de abril, nas proximidades do vilarejo de Silwad, onde mora. Najat Hamad, nascida na cidade de Anápolis, afirma que seu filho não participou da manifestação em questão.

"Naquele dia, eu e meu marido decidimos não deixar Majd sair de casa, pois a situação estava tensa em Silwad, depois que colonos de um assentamento próximo espancaram um agricultor palestino", disse a mãe à BBC Brasil.

Segundo o porta-voz do Exército israelense, capitão Barak Raz, "o Exército não prende ninguém à toa. Se foi preso, é sinal de que há provas contra ele", disse citando a possibilidade de haver vídeos, fotos ou depoimentos envolvendo o nome do adolescente.

Buscas
De acordo com o relato da mãe, soldados israelenses invadiram a casa da familia às 2 horas da manhã do sábado (13).

"A família inteira estava dormindo quando ouvimos batidas muito fortes na porta", disse a brasileira. "Minha filha de 13 anos foi abrir e se deparou com um grupo de soldados com fuzis apontados para a cabeça dela.""Eles entraram rapidamente e começaram a revistar a casa. Reuniram a nossa família na sala e começaram a procurar nos quartos", disse a mãe."Eu tinha certeza de que eles estavam procurando meu marido e fiquei muito surpresa quando um dos soldados me disse que vieram prender Majd.""Eu disse a ele que Majd tinha ido dormir na casa de parentes e que ele é muito pequeno, só tem 15 anos", afirmou.

Ao fim da operação de busca, a mãe prometeu aos militares que entregaria seu filho às autoridades israelenses neste domingo.

Fiança
O diplomata brasileiro João Marcelo Soares, que acompanhou a apresentação do adolescente à delegacia, disse à BBC Brasil que "as autoridades israelenses me informaram que os interrogatórios ainda estão em curso e, ao final, haverá uma decisão sobre o pedido de libertação sob fiança". "Caso o pedido seja negado, amanhã (segunda-feira), os menores serão levados a um tribunal militar, que deverá reconsiderar o pedido", acrescentou.

Majd Hamad foi preso juntamente com mais quatro colegas da mesma classe, todos de 15 ou 16 anos.Sua mãe, Najat Hamad, que mudou-se para a Cisjordânia há 17 anos, disse que "não esperava que aqui prendessem crianças desse jeito".

"O que são pedras diante das metralhadoras e dos veículos blindados do Exército israelense?", perguntou. O Exército israelense define o lançamento de pedras como "atentados terroristas que podem matar".

Unicef
Em março, o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) publicou um relatório acusando Israel de violar os direitos de crianças e adolescentes palestinos presos. O relatório afirma que "menores de idade palestinos detidos por militares israelenses são sujeitos a maus tratos que violam a lei internacional". De acordo com o Unicef, a cada ano cerca de 700 menores palestinos, entre 12 e 17 anos, são interrogados e detidos pelo Exército, pela polícia e por agentes de segurança de Israel.

Segundo o presidente da Associação dos Prisioneiros Palestinos, Kadura Farez, atualmente há cerca de 200 menores palestinos presos em cadeias israelenses. Farez disse à BBC Brasil que, nas cadeias israelenses, os menores "têm o mesmo tratamento que os adultos, não há prisões especiais para as crianças".

BBC

Campanha: Repasse o box, Vânia!

Acompanhem a discussão dessa situação na página do Luciano Regis via Facebook

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Itaocara sendo governada pelo povo e para o povo!

Solenidade de entrega do cartão alimentação para os Servidores Municipais
Prefeitura de Itaocara entrega cartão alimentação para os Servidores Municipais

Com o auditório lotado, a prefeitura de Itaocara entregou na última sexta, 24/01, o cartão alimentação aos servidores públicos municipais. Mais de 200 servidores compareceram à solenidade mostrando a expectativa de receberem mais essa conquista. 

Um governo dos trabalhadores 
Gelsimar em sua fala ressaltou que só foi possível conceder o cartão porque não existe corrupção na Prefeitura e por ser um governo dos trabalhadores: “Quem administra os recursos da prefeitura é o servidor. A maioria dos secretários são servidores públicos o que ajuda o nosso governo a valorizar os trabalhadores.”. 

Na oportunidade ele criticou a LRF que em sua opinião “só controla o salário dos pequenos”, anunciou que mudará de quinquênio para triênio o tempo para serem acrescidos percentuais no salário dos servidores e que começará a discutir com o sindicato uma proposta de reajuste salarial. Gelsimar finalizou afirmando que o seu governo não é de todos, mas sim da maioria, dos mais pobres e dos pequenos e que continuará priorizando esses segmentos. “Meu sonho era receber esse cartão” afirma servidora. 

Os dois servidores com mais tempo de serviço foram os primeiros a receber o cartão alimentação. A servidora Rosinéia Soares Ribeiro Almeida, da secretaria de educação, com 42 anos de prefeitura, emocionou a todos com a sua declaração: “Era o meu sonho receber esse cartão. Quero agradecer ao prefeito.” O segundo a receber foi o servidor da secretaria de obras - Ademir Fagundes do Amaral -, que também agradeceu pelo reconhecimento do seu trabalho. 

Como vai funcionar o cartão 
O servidor deverá retirar o seu cartão alimentação de segunda à sexta na Secretaria de Administração, no horário de 09h às 17h. Após o recebimento o servidor deverá entrar em contato com a empresa que administra o cartão para desbloqueá-lo. O servidor receberá todas as explicações necessárias no ato da entrega do cartão, e se mesmo assim sentir dificuldade será auxiliado para efetuar o desbloqueio. Após o desbloqueio o servidor já poderá verificar, na mesma ligação telefônica, o saldo disponível que será de R$107,00. Depois desse procedimento já poderão ser efetuadas compras nos estabelecimentos credenciados.
Prefeito Gelsimar Gonzaga (PSOL Itaocara)
Itaocara

domingo, 26 de janeiro de 2014

Eike Batista e o surto de ultra-violência no Brasil

“Como um sujeito que arrasta para a lama milhares de pequenos investidores brasileiros, que faz cair abaixo de zero a credibilidade do país no exterior, que pulveriza boa parte da riqueza nacional, simplesmente desaparece da cena pública?”

Enquanto o Dieese constata que o custo de vida vem crescendo ― a cesta básica subiu 10% em nove capitais em 2013 ―,  não custa nada observar que o  custo da morte mergulhou em queda livre. Seguiu a mesma curva mórbida das ações do Grupo X de Eike Batista. E isso não foi à-toa, como logo veremos. A morte nunca custou tão pouco e nem esteve ao alcance de tanta gente. Difícil não concluir, ao atentar para algumas manchetes dos últimos dias, que entramos em 2014 numa espiral descontrolada de ultra-violência. Para ilustrar o fato, cito alguns exemplos edificantes escolhidos aleatoriamente:


É verdade que os políticos não dizem nada sobre essa situação aterradora, sequer a percebem e tudo vai se passando como se nada estivesse acontecendo. Sobre a ministra dos Direitos Humanos não há o que dizer, já que no meio desse pandemônio ela não disse nada. Ou seja, a existência de um Ministério dos Direitos Humanos em janeiro de 2014 é um enigma. Já os políticos brasileiros, demonstram a maturidade de sempre, não enxergando um palmo diante do nariz. Eles só têm olhos para ver as lutas da UFC, a nova edição do Big Brother, as novelas, os desenhos animados americanos em 3D e outras idiotices do mesmo calibre. Sem esquecer, é claro, todo tipo de imbecilidade que podem acessar através de seus smartphones.

O ministro da Justiça tenta passar a imagem de gerenciador rápido e limpo de “crises”. Leia-se: de situações escabrosas. Lembra o personagem Winston Wolf, mais conhecido como The Wolf (o Lobo), em Pulp fiction. No filme, é ele que, depois do disparo acidental da arma que explode a cabeça do jovem negro, deixando o interior do carro coberto de miúdos de cérebro e sangue, é mobilizado pelo chefe, Marsellus Wallace, para administrar a situação. Pois bem. O Lobo conseguiu fazer desaparecer o corpo sem cabeça e o carro, manobrando com precisão cronométrica até que nada sobrasse do delito, a não ser uma sensação de alívio e uma atmosfera risível com o banho de mangueira e a nova indumentária da dupla de assassinos. O ministro da Justiça, ao contrário, correu para o Maranhão, montou um palco para a mídia e acreditou piamente que tinha “apagado um incêndio”. Outra prova da inocência oportuna dos nossos políticos de plantão. E de deboche com a opinião pública. A magnum opus que saiu do improviso ministerial foi uma gambiarra de quinta, que não pôde ser comemorada porque, como deve ter dito o mordomo do cerimonial, “infelizmente não foi possível disponibilizar a lagosta para o jantar”. Mas em terra de Lobão quem precisa de Lobo? O festival de vídeo amador do Presídio de Pedrinhas, ainda que tenha chocado o público mundial com a sua última edição, carece de algum amadurecimento para competir com o cinema de Tarantino.

Eis que tudo isso ilustra um divórcio completo, abismal, do qual se tira sempre mais um palmo de terra, entre o governo e seus aliados patológicos, de um lado, e a consciência política da massa da população, do outro. Por mais horrorosa e impactante que seja a conjuntura da violência nesse instante no país, nada se pode esperar da camarilha política. Assim como em todos os demais problemas urgentes, que vão da dengue hemorrágica à epidemia do crack, da situação pavorosa dos presídios ao descalabro da saúde pública.

O que pode explicar a febre atual de ultra-violência? Talvez exista uma mega causa, mas temos que começar pelo varejo. É evidente, por exemplo, que se generalizou a percepção de que vivemos numa época de “vale tudo”. As siglas UFC e MMA são signos abertos da degradação humana. Também o que se viu e se vê diariamente de permissividade em relação aos gastos, desmandos, bandalheiras, relativas às obras da Copa, são suficientes para disseminar a sensação de que qualquer linha divisória efetiva, qualquer interdição aceitável, qualquer verdadeira proibição, deixou de existir, e muita gente já não se contenta em permanecer aquém da linha da loucura. O desejo de matar, de fazer sofrer os adversários, é universal. Mas uma coisa é dizer “vou arrancar a cabeça dele”, outra coisa é passar ao ato e decapitar o adversário. E mais ainda: filmar esse e outros atos horripilantes. Essa travessia ao cúmulo do sadismo criminal é uma ruptura completa dos laços sociais.

Mas que laços sociais resguardam indivíduos que estão sob a guarda de um estado que permite que centenas de presidiários sejam brutalmente assassinados? O laço social que cumpre ao estado, nas penitenciárias, é justamente esse: resguardar a integridade dos presos que estão sob sua tutela. Mas esses presos vivem num mundo em que as regras sociais, por subtração do Estado, foram inteiramente destroçadas. Os resultados não tardam a aparecer. A multiplicação dos casos de mutilação, de vingança selvagem, de paroxismo da maldade, mostra claros sinais de loucura coletiva. De uma parte substancial da coletividade. Inclusive daquela que se vinga dos seus presos deixando-os chegaram a tal grau de degradação em masmorras repugnantes. Aqui estamos no Auschwitz brasileiro, reeditando a história do livro da jornalista Daniela Arbex, O holocausto brasileiro, que mostra o vínculo de loucura e assassinato em massa no maior hospício brasileiro. Mas o Brasil inteiro agora vai ganhando a feição de hospício. É a insânia ao quadrado dentro de uma casa de loucos.

Ou será que as apostas aventureiras e absurdas feitas por Eike Batista com o dinheiro público não foram uma forma clara de permissividade delirante? E seria menos aloprada a facilidade com que os cofres públicos se abriram para ele? E os 55 anúncios de descobertas de petróleo com que a OGX hipnotizou os acionistas durantes dois anos e meio? E o silêncio ensurdecedor que paira em toda parte, mas, sobretudo, nos meios políticos e na imprensa, a respeito do caso Eike Batista, não são todos sintomas de psicose social? Eike Batista, de repente, deixou de existir. Foi decretado o toque de recolher em relação ao seu nome e a sua existência. O que interessa a ele mas, também, aos que apostaram muitos bilhões do dinheiro público nele. Quem?

Note-se que PT e PSDB são solidários no silêncio. Difícil encontrar oposição mais cúmplice. Até isso está valendo. Por falar em “vale tudo”, devemos lembrar que o templo mais alto da luta perversa e sem regras, a UFC, teve seus direitos aqui comprados por Eike Batista. Sim. Não foi pequeno o seu papel como mega investidor da violência no Brasil. Não devemos esquecer também, quando se trata da quebra de todas as regras, que apesar da morte de um ciclista, do atropelamento de outro, bastante idoso, das inúmeras multas, o filho de Eike manteve a habilitação e segue livre como um passarinho para os seus rolés. Quem está em vias de ir para a cadeia é a turma inocente do rolezinho, que anda de busão e tem sempre uma viatura por perto oferecendo carona.
É interessante conferir o que uma matéria publicada em O Globo, que não é exatamente um órgão da imprensa radical, vazou sobre o esfriamento das relações de Eike Batista com o governo federal na esteira da crise do grupo X:

Com trânsito livre no Palácio do Planalto até o início deste ano, Eike Batista hoje é um nome proibido no círculo central do governo federal, que assiste à derrocada das empresas do grupo com desânimo. Enquanto contava com o estímulo do governo – Dilma Rousseff chegou a declarar que o Brasil precisava de mais empresários como Eike, elogiando diretamente seu “espírito empreendedor” -, ele usufruiu de uma série de benesses, de estímulos financeiros à aceitação sem contestação de suas agora questionadas previsões.

Pois é essa estratégia primária, de encobrir pelo esquecimento e o silêncio, que na verdade engrossa o pirão do caldo da loucura. Ainda mais quando o governo federal, tendo se comprometido tanto com Eike Batista, teve que, mesmo fazendo o país amargar prejuízos e humilhações, correr em seu socorro, para evitar prejuízos ainda maiores.  Ora, porque será que a bolsa de São Paulo teve, entre 80 outras do mundo, o segundo pior rendimento no ano de 2013 ou, dito de forma positiva, a segunda maior queda? Vejam o que diz a matéria linkada:

As maiores quedas do Ibovespa, índice que reúne as ações mais negociadas do país, foram da OGX (-95%), que já não faz parte mais do indicador, e da MMX (-84%), duas empresas fundadas por Eike Batista. A primeira, de petróleo, entrou em recuperação judicial e já não pertence mais ao empresário.

Como um sujeito que arrasta para a lama milhares de pequenos investidores brasileiros, que faz cair abaixo de zero a credibilidade do país no exterior, que pulveriza boa parte da riqueza nacional, simplesmente desaparece da cena pública, por uma passe de mágica, como se não existisse Ministério Público Federal? Será que o fato de a Petrobras ter perdido R$ 40 bilhões em 2013, sendo a empresa de maior queda absoluta no mundo em 2013, nada tem a ver com Eike Batista e o fato da sua petroleira, a OGX, ter perdido 95% do seu valor? A crise de confiança desencadeada por Eike Batista em nada afetou a imagem da Petrobras para o investidor no exterior?

Hoje, de cima abaixo, sente-se no Brasil que a cara feia de Dilma, a simulação de rigidez e rigor, era conversa para boi dormir. A trajetória crescente do descaso com as regras sociais pode ser medida por vários indícios. O crime e a violência são indicadores fortes. Mas existem muitos outros que funcionam como um termômetro seguro do grau de ebulição da demência generalizada. A farsa ou o descaso econômico é um deles.  Compare-se, por exemplo, o enorme crescimento do recall no país que cresceu 62%  ― percentual absurdamente alto ― de 2012 para 2013. Na lista estão os seguintes itens:

Automóveis: 58
Caminhões: 3
Bebidas: 4
Brinquedos: 4
Umidificadores de ar: 1
Lavadoras: 1
Peças e componentes elétricos: 2
Motocicletas: 9
Bicicletas: 6
Cadeiras plásticas: 6
Peças e componentes mecânicos: 4
Cadeiras infantis: 4
Cosméticos: 1
Medicamentos: 3
Produtos e equipamentos para saúde: 3
Total: 109

O que algumas das matérias que citamos ao início desse artigo mostram é que saímos do caso a caso, do varejo da violência, para acontecimentos de tipo serial. É óbvio que assassinatos, chacinas, perseguições etc., não são novidades. Mas uma dúzia de chacinados, várias dezenas de presos assassinados, homossexuais sendo barbaramente executados, grupos de trabalhadores sendo objeto de discriminação racial, uma maioria de jovens das periferias sendo ameaçados e perseguidos, isso parece novidade. Mas principalmente a conjunção de tantos acontecimentos macabros ao mesmo tempo mostra que a caixa de Pandora foi aberta de vez. Esperemos que a revolta generalizada despertada com a morte de Amarildo, e agora com o barbarismo covarde contra o adolescente Kaique Augusto Batista dos Santos, abra uma época igualmente marcada, como a temporada de 2013, por protestos em série. Esse é o único antídoto contra o Mal.

E não alimentemos ilusões: como argumentamos em um artigo de 2013 publicado no Congresso em Foco, com base em dados estatísticos relativos aos riscos para jornalistas pelo mundo, o Brasil é o país mais perigoso para quem se atreve a flertar com a verdade. Em 2012 tivemos o maior número de jornalistas assassinatos em um país de “normalidade democrática”. Assim como matam no trânsito impunemente, como matam nas UPPs (um projeto de Eike Batista para promover a sensação de segurança, útil aos seus negócios na cidade do Rio de Janeiro), como matam em massa vítimas anônimas com o desvio de bilhões em verbas que poderiam ir para a saúde, matam também por ódio a quem diz a verdade. Como eu já disse, foi decretado o toque de recolher em relação ao nome de Eike Batista.

Congresso em Foco

Vai estudar: "Eu tô pagaaaaando!"

Estados financiam poupança para manter alunos na escola
Prêmios para incentivar alunos a permanecerem na escola ajuda mas não resolve evasão

Brasília vai resgatar um projeto que teve vida curta na década de 1990 para tentar diminuir um dos maiores problemas do ensino médio: a evasão escolar. A rede de ensino do Distrito Federal vai abrir poupanças em nome dos estudantes como forma de estimular a permanência deles na última etapa da educação básica. Modelo semelhante é utilizado por diferentes estados, como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás e Piauí, para manter os jovens estudando.

No caso do Distrito Federal, o desejo do secretário de Educação é depositar a cada mês, pelo menos, R$ 300 para cada aluno. Só quem não reprovar nenhuma série e concluir o ensino médio receberá o acumulado ao longo dos três anos. O projeto não é novo na capital. Foi criado por Cristovam Buarque à época em que foi governador, entre 1995 e 1998. A Poupança-Escola acabou por uma decisão política do governador eleito na sequência, Joaquim Roriz.

Segundo o secretário de Educação atual, Marcelo Aguiar, o programa foi um sucesso à época. As taxas de repetência caíram de 29% em 1994 para 16% em 1997. “O dinheiro pode ser usado como impulso para a vida profissional ou universitária. É um incentivo que cria condições para minimizar os grandes índices de evasão do ensino médio, que é nosso calcanhar de Aquiles”, afirma. Em Brasília, a evasão (quantidade de estudantes que abandona a escola e não volta mais) atingiu 6,2% em 2012.

Os valores, métodos de saque e tolerância com o desempenho do estudante variam em cada estado. Em Minas Gerais, onde o projeto se tornou estratégia permanente, a cada ano são depositados R$ 1 mil na conta do aluno. Para isso, ele precisa se inscrever no sistema, ser aprovado e participar de atividades de formação complementar (escolar, cultural, cidadã ou profissional). A cada participação em uma delas, o jovem acumula pontos, que precisam chegar a 70 no fim do ano. O dinheiro só pode ser sacado após a conclusão do ensino médio.

Segundo José Celso, gerente do Poupança Jovem em Minas Gerais, todo o processo é acompanhado por um orientador local. O programa começou em 2007 na cidade de Ribeirão das Neves. Hoje, já faz parte da realidade das escolas estaduais de Ibirité, Esmeraldas, Governador Valadares, Juiz de Fora, Sabará, Teófilo Otoni, Montes Claros e Pouso Alegre. Ao todo, já foram investidos R$ 400 milhões no programa e cerca de 110 mil alunos, beneficiados.

“Temos uma demanda enorme, mas não podemos atender por conta de recursos mesmo. E os resultados são excelentes. Apenas 5% dos participantes foram excluídos do programa ao longo desses anos”, conta Celso. A exclusão ocorre caso o estudante tenha mais de duas reprovações ou abandone a escola. Quem passa sem recuperação pode sacar R$ 100 a cada ano.

No Rio de Janeiro, o Renda Melhor Jovem começou em 2011, beneficiando 4 mil alunos de três municípios de famílias que já faziam parte de programa de transferência de renda estadual. A poupança varia de acordo com a série do estudante (de R$ 700 a R$ R$ 1,2 mil por ano) e o aluno pode sacar 30% do valor a cada ano, desde que não seja reprovado.

No Piauí, há 10 mil beneficiados pelo Programa de Incentivo Educacional - Mais Viver. O projeto, ainda em fase piloto, vai atender estudantes de 44 municípios que possuem o maior índice de pobreza. Os depósitos anuais variam de R$ 400 a R$ 600 e serão excluídos do programa caso sejam reprovados ou abandonem os estudos. Em Goiás, a poupança também beneficia os anos finais do ensino fundamental, mas apenas os alunos que conquistaram as melhores notas na Prova Goiás, avaliação estadual.

Só dinheiro não basta
Pesquisadores da área reconhecem a necessidade de incentivar o jovem a permanecer na escola. Mas temem que esse tipo de iniciativa não promova mudanças significativas no ambiente escolar. “Não sei se isso motivará os alunos a melhorarem. Certamente para os que já iam passar de ano e aprendem é positivo. Mas quem tem dificuldade não sabe por onde começar. O problema é a qualidade da escola. A única coisa aceitável na educação é que o aluno passe de ano aprendendo”, opina Ruben Klein, diretor da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave) e consultor da Cesgranrio.

Maria de Salete Silva, coordenadora do programa de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), diz que os gestores precisam olhar para a situação de todos os adolescentes e não só os do ensino médio. Isso porque grande parte dos jovens de 15 a 17 anos, que deveria estar concluindo a educação básica, ainda está no ensino fundamental. “Precisamos de propostas para quem ainda está no fundamental também”, afirma.

Dados do Censo Escolar 2012 mostram que a distorção idade-série (quantos alunos estão atrasados em dois anos ou mais em relação ao ideal) chega a 31,1% no ensino médio. A aprovação dos estudantes nesta etapa não superou 79%. “As estratégias dos gestores têm de contemplar acesso, permanência, aprendizagem e conclusão”, pondera Salete. “A aprovação não atesta necessariamente a aprendizagem”, comenta a coordenadora do Unicef.

O secretário de Educação do DF concorda que a escola precisa se repensar. As escolas da capital passarão a se organizar por semestres, por exemplo. Os estudantes cursarão parte das matérias em um período e o restante no outro. Ele acredita que os professores estarão mais próximos dos alunos e poderão contribuir mais para o aprendizado de cada um. Os currículos também ganharão nova orientação.

“Estamos adotando diversas ações para o ensino médio. A poupança é um estímulo para que ele não troque a escola pelo mercado de trabalho”, diz Aguiar. A rede do DF possui 88 mil alunos este ano. O orçamento para o projeto precisa de aprovação, o que o secretário acredita que acontecerá ainda neste semestre. A experiência de Minas Gerais, segundo José Celso, mostra que o dinheiro se torna apenas o primeiro estímulo. “Eles percebem a importância da escola para o futuro depois”, garante o gerente.

Outros prêmios
Em outros estados, como Mato Grosso do Sul, Ceará e Pernambuco, a distribuição de prêmios (bolsas de estudo, tablets, notebooks) também é utilizada para incentivar a permanência e o bom desempenho do aluno na escola. Maria do pilar Lacerda, diretora da Fundação SM e ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, acredita que os gestores não devem ter “medo de inovar, em nenhum sentido, quando pensamos no ensino médio”.

“Uma bolsa sozinha não resolve o problema, mas é um estímulo. Continuo acreditando que a essência do programa Ensino Médio Inovador é um belo começo, pois flexibiliza o currículo e de alguma maneira cria um protagonismo juvenil. O aluno começa a pensar em seus sonhos, projetos e ter uma pequena reserva financeira para estimular uma vida universitária ou algum empreendimento é importante”, diz.

O temor dos especialistas é as bolsas se tornem “soluções únicas” para os problemas do ensino médio. Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ressalta que a escola precisa fazer sentido. “Parece que agora a solução para todos os problemas é dar bolsa. O que precisamos é de uma educação de qualidade, que gere interesse no aluno e dê condições de ele ingressar na vida produtiva, aproximando o jovem com cultura, esporte. Não existe solução fácil”, analisa.

iG

O socialismo, o idiota e a ideologia

Resposta de Mauro Iasi a Arnaldo Jabor

“Quando a gente mente, ou seja, coloca com astúcia alguma coisa que acontece com excessiva raridade ou nunca acontece, aí a mentira se torna muito mais verossímil”

O Idiota, Dostoiévski
O Príncipe Liev Nikoláievitch Míchkin [personagem do romance O Idiota], exímio calígrafo, um pouco santo, profético e epilético, gosta tanto de suas idéias que por vezes, segundo um personagem seu amigo, “lhe dava vontade de ir para algum lugar, sumir inteiramente dali. (…) gostaria até de um lugar sombrio, deserto, contanto que ficasse só com os seus pensamentos”. Sempre foi um humanista, nutria uma profundo amor pela humanidade, apesar de sua hipossexualidade, mas a humanidade lhe parecia errada, grotesca, como uma projeção de sua baixa auto-estima.

Em uma carta, Hippolite [Hippolite Terentyev, personagem do romance O Idiota]  declara que “no amor abstrato para com a humanidade, não se ama a ninguém, e sim a si próprio”. Assim era ele. Zeloso e heroico defensor da humanidade abstrata e inimigo declarado dos seres humanos. Disposto a morrer pela humanidade no ato heroico contra moinhos, ou preso à cruz para salvar os pecados dos homens, como um Quixote/Cristo crucificado entre dois ladrões diante de um mar de moinhos vitoriosos.

O príncipe Míchkin hoje se preocupa com o “perigo vermelho”, como um dia já se preocuparam os Czares, o Pentágono, os militares latino-americanos e os reacionários de toda ordem. Ele sofre, como o único que vê a verdade em uma terra de cegos e estúpidos. Suas prédicas morais não têm valor algum em si mesmas, nem originalidade. São expressão de sua (para usar uma categoria cara ao autor) burrice, tagarelices de um idiota.

Suas ideias nos servem, no entanto, para outro propósito, como um rico material para discutir os eficazes mecanismos da ideologia. Seguindo as pistas de Marx (o príncipe Míchkin propõe, como veremos, uma bibliografia alternativa e mais gabaritada) sabemos que a ideologia opera como um poderoso instrumento de dominação de classe por meio de mecanismos como a inversão, o ocultamento, a naturalização, a justificativa e a apresentação do particular como fosse universal.

***

Vejamos, então, seus principais “argumentos” para que possamos refletir sobre a profundidade abismal das alternativas que nos propõe.

Segundo Míchkin o grande problema do Brasil é que o ciclo dos governos petistas prende nosso país em uma anacronia. Isto é, ao invés de se ocuparem com as “reformas no Estado paralítico e patrimonialista”, só pensam no passado com “nostalgia masoquista de torturas, heranças malditas, ossadas do Araguaia” que, segundo o príncipe amargurado, os legitimaria.

Trata-se, segundo o juízo do nobre decadente, da insanidade de insistir em uma luta perdida de tempos ilusórios. Ele pode afirmar com segurança essa constatação porque “estava lá” e viu “o absurdo que foi aquela tentativa de revolução sem a mais escassa condição objetiva”. Entretanto, na opinião do talentoso calígrafo, a raiz desse equívoco é mais profunda: já nos primeiros anos do governo petista, Míchkin alertava para o perigo de “sovietização” do governo brasileiro e agora insiste no caráter “neobolchevique” do governo Dilma. E profetiza:
“É um perigo grave que pode criar situações irreversíveis a médio prazo, levando o País a uma recessão barra-pesada em 14/15. É necessário alertar à população pensante para esse “perigo vermelho” anacrônico e fácil para cooptar jovens sem cultura política. Pode jogar o Brasil numa inextrincável catástrofe econômica sem volta.”
Vejam: nós, que não fazemos parte da população pensante, doentes mentais de marxismo crônico e jovens sem a cultura política do príncipe Míchkin, estamos sendo manipulados pelo “neobolchevismo” que nos leva, sem que saibamos, para o abismo da crise “barra-pesada”. Essa sua espessa cultura lhe permite remeter aos ensinamentos históricos. Por exemplo, à situação alemã na qual o stalinismo satanizou a social democracia e abriu caminho para o nazismo, nos esclarecendo que o “PSDB da Alemanha”, para eles, era mais perigoso que Hitler. Nós que não somos parte da população pensante ficamos confusos diante do brilho desta sabedoria. O PSDB representa aqui no Brasil uma força reformista, com raízes no movimento sindical e operário(?), o PT uma reencarnação grotesca do bolchevismo stalinista(?)… então, quem são os nazistas? Bom… não perdemos tempo com coisas que nossa cabecinha não pode compreender. Deixemos o príncipe epilético continuar pregando, pois ele tem a solução:
“Temos que parar de pensar do Geral para o Particular, de Universais para Singularidades. As grandes soluções impossíveis amarram as possíveis. Temos que encerrar reflexos dedutivas e apostar no indutivo. O discurso épico tem de ser substituído por um discurso realista, possível e até pessimista.”
Eu sei, leitores jovens sem cultura, é difícil acompanhar o Míchkin em seus chiliques, mas ele começou a doutrinar metodologicamente agora. Vejam, ele estava falando de política, de economia, de história (ele estava lá e viu), todas áreas nas quais ele acumula uma sólida ignorância, e agora saltou para as bases teóricas e filosóficas daquilo que ele não entende. Um pouco atrás no artigo ele já havia se referido a Hegel e sua teleologia da história (que ele confundiu com “teologia”) segundo a qual na sua genial síntese “as derrotas não passam de ‘contradições negativas’ que levam à novas teses”. É certo que não há uma mera continuidade entre a visão de história de Hegel e Marx. É evidente que nem Hegel nem Marx fundamentam seu pensamento procedendo o caminho metodológico do Geral para o Particular, nem de Universais para as Singularidades. Mas o que sabem Hegel e Marx sobre seus pensamentos?

Desavisados acreditariam que o caminho do método para compreender o real e seu movimento, para Hegel e para Marx, seria do singular ao universal, por meio das particularidades. Mas deixemos de lado estas questões secundárias que só podem interessar àqueles que ainda se apegam ao trabalho doentio de estudar os autores por aquilo que eles de fato afirmaram. Voltemos aos ensinamentos do sábio.

Procedendo metodologicamente da maneira adequada que é sugerida (para facilitar o entendimento aos jovens incultos: abandone Marx e Hegel e volte a Kant, só para destruí-lo e refugiar-se em Nietzsche… agora é só passar para Lyotard) estaríamos aptos a abandonar certos preconceitos, como por exemplo a qualidade de “esquerda” que segundo o príncipe epilético é só uma “substância” que ninguém mais sabe o que é, servindo para enobrecer discursos. Segundo nosso profeta da amargura, devemos substituir “esquerda e direita” por “progressistas e conservadores”. Feito isso, teríamos que trocar de referencias, eis a sugestão de Míchkin:
“O pensamento da velha ‘esquerda’ tem que dar lugar a uma reflexão mais testada, mais sociológica, mais cotidiana [???]. Weber em vez de Marx, Sergio Buarque de Holanda em vez de Caio Prado, Tocqueville em vez de Gramsci.”
Lógico que por modéstia, o príncipe não seguiu suas sugestões para o campo da cultura, no qual teríamos que seguir as substituições, por exemplo, Julio Iglesias em vez de Atahualpa Yupanqui, Paulo Coelho em vez de Graciliano Ramos, ou mesmo, quem sabe, Jabor em vez de Fellini. Não, ele está preocupado com o Brasil. Para enfrentar as tarefas urgentes que evitem que caminhemos para abismo é necessário partir de cara assumindo o fracasso do socialismo real. E ele se pergunta: quem (além dele) tem peito para isso? O Socialismo é uma palavra, um dogma, que nos amarra a um fim obrigatório, esbraveja e lamenta, “como se tivéssemos que pegar um ônibus [de graça... perdão, não interrompo mais]… até o final da linha, ignorando atalhos e caminhos novos”. E conclui:
“A verdade tem que ser enfrentada: infelizmente ou não, inexiste no mundo atual uma alternativa ao capitalismo. Isso é óbvio. Digo e repito: uma ‘nova esquerda’ tem que acabar com a fé e a esperança – trabalhar no mundo do não sentido, procurar caminhos, sem saber para onde vai.”
Não é qualquer um que sugere caminhos sem saber onde vão dar, é preciso uma dose de coragem ou outra qualidade de caráter para isso. Para a marinha mercante seria uma catástrofe, mas para conduzir a humanidade, quem sabe, não é. O nosso idiota sai das gélidas paisagens da Rússia, passa pelas ensolaradas terras brasileiras ameaçadas pelo perigo vermelho e chega à Alemanha para fazer a troca. Deixa Marx e abraça ternamente a Max Weber, que lhe responde:
“Por muito diferente que fossem nossas opiniões sobre a configuração da ordem social futura, aceitamos para o momento presente, a forma capitalista. Não porque nos parece melhor diante das antigas formas, mas por considerarmos praticamente inevitável e acreditamos que as tentativas de luta radical contra ela nunca seriam um progresso, mas antes um obstáculo no acesso da classe operária à luz da cultura.”

(Max, Weber, Sobre a teoria das Ciências Sociais, Lisboa: Presença, 1979, p. 29).
Míchkin e Weber se abraçam em silêncio. Míchkin está emocionado, Weber não tem a menor ideia de quem é aquela figura. Aproveitando que estava por ali, o príncipe epilético vai até Viena tentando encontrar Freud – isso porque ele está convencido que precisamos alistar o pai da psicanálise na análise das militâncias –, mas não o encontra. Os conceitos da velha esquerda como “luta de classes”, “democracia burguesa”, “sectarismo”, “fins justificam os meios” e outros, deveriam ser substituídos por conceitos como “narcisismo”, “voluntarismo”, “onipotência”, “paranoia” e “burrice”. Vejam que o fato de que os conceitos da esquerda e da psicanálise sejam, digamos, um pouco mais sofisticados do que a síntese apresentada não incomoda nosso quixote da nova moralidade necessária.

“Somos vitimas de um desequilíbrio psíquico”, brada, quase derrubando o samovar e o bule de chá. Concordamos, parece-nos até evidente. Há estudos que tentaram diagnosticar clinicamente a epilepsia de Liev Nikoláievitch Míchkin, assim como a de seu criador (Fiódor Dostoiévski) como síndrome de personalidade interictal na epilepsia do lobo temporal – há dúvidas se no lado esquerdo ou direito (eu não tenho nenhuma: é no da direita). Algumas características de comportamento costumam ser associados à doença, tais como a hipossexualidade, a hipergrafia, o caráter antissocial, associados ou não à sintomas como paranóia, humor deprimido e hipermoralismo. Segundo um interessante artigo de Leonardo Cruz de Souza e Mirian Fabíola Studart Gurgel Mendes nos Arquivos de Neuropsquiatria, o príncipe Míchkim expressaria de forma brilhante no espectro literário os sintomas da doença de seu criador.

Freud, entretanto, tem outra opinião, para ele o trauma de odiar seu pai opressor e vê-lo sendo morto pelos camponeses desencadeou um processo psíquico de autopunição que levou à doença do escritor russo – patologia, portanto, de natureza histérica e não epilética. Mas nada disso nos interessa, porque da mesma forma que a história não nos serve como teoria (nem a economia, nem a filosofia), não será a psicanálise que terá algo a dizer. O que Freud queria mesmo dizer, mas não disse, talvez porque estava ocupado desenvolvendo a psicanálise, é que o “desequilíbrio psíquico” que aflige os nossos governantes (perigosos bolcheviques vermelhos) pode ser enquadrado nas categorias de “psicopatas e paranóicos simplórios”.

Freud, pelo que me lembro, não tratou disso, falou de enfermidades narcisísticas, as psicoses, dentre as quais a paranóia. Formas mais ou menos graves de cisão com a realidade. Mas isso não deve ser pertinente. Mais precisas são as categorias clínicas e políticas de “psicopatas e paranóicos simplórios”.

Falando em cisão com a realidade, nosso príncipe, já um tanto cansado de sua labuta para alertar as elites pensantes e velhos cultos, evoca Baudrillard que teria profetizado que “o comunismo hoje desintegrado se tornou viral”, isto é, seria capaz de contaminar o mundo, não por suas idéias e alternativas societárias (que teriam fracassado), mas “através de seu modelo de desfuncionamento e desestruturação brutal”.

Interessante ele lembrar de Baudrillard nesta sopa confusa de senso comum refinado com ácaros de cultura de bibliotecas estéreis. Não foi Baudrillard que disse “livre do real, você pode fazer algo mais real que o real: o hiper-real”? Nosso Míchkin navega nas pradarias do “hiper-real”. Agora entendi, tudo fica mais claro.

O príncipe epilético ainda tentou estabelecer uma conexão com o “eixo do mal” na America Latina, mas não desenvolveu. Estava exausto, e eu de saco cheio com tanta bobagem junta. Então, vamos aos finalmentes.

Como é possível ver, não há nada de novo nos argumentos e destemperos discursivos do autor. Entretanto, ele cumpre uma função precisa naquilo que de fato opera. Como dissemos, a ideologia opera através de mecanismos como a inversão, o ocultamento, a naturalização, a justificativa e a apresentação do particular como fosse universal. Vejamos.

Em primeiro lugar há uma clara inversão neste confuso discurso raivoso. O problema do Brasil é um governo de linha bolchevique, arraigado a dogmas do marxismo e da meta socialista que, por isso, não executa as “reformas necessárias” no Estado brasileiro (!!!).

Neste âmbito da “hiper-realidade” fica difícil seguir a análise. Os governos petistas aceitaram e assumiram a reforma do Estado nos mesmos moldes de seu antecessor e rejeitaram explicitamente qualquer nexo com a meta socialista que um dia defenderam, rendendo-se à forma capitalista como inevitável. Na inversão ideológica apresentada, o PSDB quer reformas e o PT é conservador e as impede.

O que fica oculto nesta artimanha é que, nos alerta o crítico, caso sigamos o caminho do “socialismo” iremos dar em uma “recessão barra-pesada”. Veja, tentando manter a sanidade, a crise que estamos enfrentando não resulta da opção por medidas ou formas socialistas de qualquer espécie, mas exatamente pela manutenção das formas capitalistas, do mercado e da perpetuação das relações burguesas de produção e propriedade.

A crise que estamos enfrentando não é culpa do socialismo, real ou imaginário. Se o socialismo fracassou e desapareceu como alternativa e a única alternativa possível é continuarmos no capitalismo, como professou Weber e não se cansa de repetir o Míchkin, como o socialismo pode nos levar para o buraco? Ah… é que ele, como uma ameaça viral, se impõe pelo seu “desfuncionamento” ou sua “desestruturação brutal”… Onde? Através de que políticas e ações governamentais?

Assim é fácil porque não precisamos encontrar a reposta no real – baudrillardamente, nos livramos do real. O autor é um militante imaginário, numa batalha imaginária contra um inimigo imaginário, e pior… está perdendo. Deve ser desesperador.

Toda essa engenharia imaginária acaba servindo para naturalizar uma determinada ordem, justificá-la. Filtrando toda a baboseira pretensiosa, destaco a única frase pertinente do artigo (pertinente pois expressa um juízo preciso do autor): “infelizmente ou não, inexiste no mundo atual uma alternativa ao capitalismo. Isso é óbvio”. Precisamente, nisso não há nada de óbvio. Dito de outra maneira, o argumento é o seguinte: se o capitalismo é inevitável o que atrapalha a humanidade são aqueles que ainda não perceberam isso e tentam insistir nas alternativas radicais para superá-lo. Com efeito, essa construção ideológica acaba por justificar o capitalismo e eximi-lo da catástrofe que a humanidade se meteu seguindo o caminho proposto por seus defensores. A ideologia aqui apresentada quer botar a culpa na gente!

Ao atacar o petismo como “neobolchevismo”, a critica capenga oculta as verdadeiras e necessárias alternativas, tenta desqualificá-las, antes mesmo que elas se apresentem. O PT é a expressão do pragmatismo que abandonou da meta socialista e revolucionária para construir uma estratégia de permanência no governo. Entender como bolchevismo a ocupação dos dez mil cargos de confiança por membros do PT é não entender o que é burocracia (que não foi inventada nem se restringe à experiência socialista). Já que o próprio autor propôs, eu tenho uma dica: vá ler Weber.

Por fim, não é a defesa da ordem capitalista, não é a sociedade burguesa… é a humanidade que precisa ser defendida, diz o príncipe angustiado. Não, não é. A ordem capitalista e os interesses burgueses foram devolvidos à sua particularidade, perderam a universalidade abstrata e restrita que um dia expressaram na fase revolucionária da burguesia. Capital e humanidade são hoje antagônicos, o que implica dizer que a sobrevivência de um ameaça a continuidade de outro.

Quando a solução era o capitalismo a história tinha sentido e objetividade, agora que chegamos ao capitalismo plenamente desenvolvido e o mundo, nas palavras de Adorno e Horkheimer, se assemelha a uma calamidade triunfal, devemos encarar que devemos “acabar com a fé e a esperança – trabalhar no mundo do não sentido, procurar caminhos, sem saber para onde vamos”! Bem vindo ao deserto da pós-modernidade.

Há uma alternativa para o Brasil e para o mundo e esta alternativa é anticapitalista e socialista. O que fracassou no Brasil foi o capitalismo real, aquele que estão nos impondo durante todo o século XX e início do século XXI sempre nos afirmando que agora vai. Não foi, e estamos escrevendo numa conta para o dia que este mundo vai virar. Se a ordem moribunda do mercado e do capital confunde sua existência com a da humanidade e quer arrastar-nos para a cova para a qual caminha, devemos nos desvencilhar de suas armadilhas ideológicas e recusar os conselhos dos profetas que nos empurram para o abismo para nos salvar da queda.

Não há esta passagem que vou citar no livro de Dostoiévski, mas depois que aprendi que posso me livrar do real, fiquei mais tranquilo em descrevê-la. O príncipe Liev Nikoláievitch Míchkin, em determinado momento, lamenta-se que as pessoas acham que ele é um idiota, mas não deixam de perceber sua grande inteligência. 

Neste momento, lá da realidade, sai um operário, entra na cena, atravessa a sala e colocando a mão no ombro de Míchkin, mais amistoso que violento, lhe diz com voz calma: Míchkin… você é um idiota!

Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. 
Boi Tempo

Mauro Luis Iasi é um dos colaboradores do livro de intervenção Cidades Rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil, organizado pela Boitempo. Com textos de David Harvey, Slavoj Žižek, Mike Davis, Ruy Braga, Ermínia Maricato entre outros. Confira, abaixo, o debate de lançamento do livro no Rio de Janeiro, com os autores Carlos Vainer, Mauro Iasi, Felipe Brito e Pedro Rocha de Oliveira:

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

"A Europa comete os mesmos erros que nós"

Por ocasião de uma conferência na Sorbonne em 6 de novembro de 2013, o presidente equatoriano Rafael Correa interpelou os colegas europeus a respeito de sua gestão da crise da dívida. Esta seria caracterizada por uma só obsessão: garantir os interesses das finanças. 

Ele expõe a seguir uma síntese de sua reflexão:

Nós, latino-americanos, somos especialistas em crises. Não porque sejamos mais inteligentes que os outros, mas porque já passamos por todas elas. E as administramos terrivelmente mal, pois tínhamos apenas uma prioridade: defender os interesses do capital, nem que fosse para mergulhar a região em uma longa crise da dívida. Hoje, nós observamos com preocupação a Europa tomar por sua vez esse mesmo caminho.

Nos anos 1970, os países latino-americanos entraram em uma situação de endividamento exterior intensivo. A história oficial afirma que essa conjuntura foi provocada por políticas administradas por governos “irresponsáveis” e por desequilíbrios acumulados em razão de um modelo de desenvolvimento adotado pelo subcontinente no pós-guerra: a criação de uma indústria que pudesse produzir localmente os produtos importados, ou “industrialização por substituição das importações”.

Esse endividamento intensivo foi, na verdade, promovido – e até mesmo imposto – pelos órgãos financeiros internacionais. Sua lógica pregava que, graças ao financiamento de projetos de alta rentabilidade, que abundavam na época nos países do Terceiro Mundo, chegaríamos ao desenvolvimento, enquanto a renda desses investimentos permitiria o reembolso das dívidas contratadas.

Isso aconteceu até o dia 13 de agosto de 1982, quando o México se declarou incapaz de reembolsar a dívida. A partir daí, toda a América Latina sofreu a suspensão dos empréstimos internacionais e ao mesmo tempo o aumento brutal das taxas de juros de sua dívida. Empréstimos que tinham sido contratados a 4% ou 6%, mas com taxas variáveis, de repente atingiram os 20%. Mark Twain dizia: “Um banqueiro é alguém que lhe empresta um guarda-chuva quando o dia está ensolarado e o pega de volta assim que começa a chover...”.

Foi assim que a nossa “crise da dívida” começou. Durante a década de 1980, a América Latina operou para seus credores uma transferência líquida de recursos de US$ 195 bilhões (quase US$ 554 bilhões em valores atuais). Contudo, nesse período, a dívida externa da região passou de US$ 223 bilhões em 1980 para US$ 443 bilhões em 1991! Não por causa de novos créditos, mas da rolagem da dívida e do acúmulo de juros.

Assim, o subcontinente viu a década de 1980 acabar com os mesmos níveis de renda por habitante que o meio dos anos 1970. Fala-se de uma “década perdida” para o desenvolvimento. Na realidade, perdida foi toda uma geração.

Ainda que as responsabilidades tenham sido divididas, os países centrais, as burocracias internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), assim como os bancos privados internacionais, resumiram a dificuldade a um problema de superendividamento dos Estados (overborrowing). Eles nunca assumiram seu próprio papel na concessão de créditos acordados de maneira irresponsável (overlending), sua contrapartida.

As graves crises orçamentárias e de endividamento externo geradas pela transferência líquida de recursos da América Latina para seus credores levaram um grande número de países da região a redigir “cartas de intenção” ditadas pelo FMI. Esses acordos cheios de obrigações permitiam a obtenção de empréstimos junto ao órgão, assim como uma caução na renegociação das dívidas bilaterais com os países credores, reunidos no Clube de Paris.

Carência de dirigentes e de ideias
Esses programas de ajuste estrutural e de estabilização impuseram as receitas de sempre: austeridade orçamentária, aumento dos preços dos serviços públicos, privatizações etc. Tantas medidas com as quais não se procurava sair o mais rápido possível da crise nem aumentar o crescimento ou a criação de empregos, mas garantir o reembolso das dívidas para os bancos privados. No final das contas, os países em questão continuavam endividados não mais junto a esses estabelecimentos, mas perante os órgãos financeiros internacionais, que protegiam os interesses dos bancos.

No início dos anos 1980, um novo modelo de desenvolvimento começou a se impor na América Latina e no mundo: o neoliberalismo. Esse novo “consenso” sobre a estratégia de desenvolvimento foi apelidado “consenso de Washington”, já que seus principais criadores e promotores eram os órgãos financeiros multilaterais, cuja sede ficava em Washington, como o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, por exemplo. 

Segundo a lógica em voga, a crise na América Latina se devia a uma intervenção excessiva do Estado na economia, à ausência de um sistema adequado de preços livres e ao distanciamento dos mercados internacionais – ficando entendido que essas características eram decorrentes do modelo latino-americano de industrialização por substituição das importações.

Consequência de uma campanha de marketing ideológico sem precedentes maquiada de pesquisa científica, assim como de pressões diretas exercidas pelo FMI e pelo Banco Mundial, a região passou de um extremo ao outro: da desconfiança em relação ao mercado e da confiança excessiva no Estado à livre-troca, à desregulamentação e às privatizações.

A crise não foi apenas econômica; ela resultou de uma carência de dirigentes e de ideias. Tivemos medo de pensar por nós mesmos e aceitamos de maneira tão passiva quanto absurda os ditames estrangeiros.

A descrição da crise atravessou o Equador e será sem dúvida familiar a muitos europeus. A União Europeia sofre de um endividamento produzido e agravado pelo fundamentalismo neoliberal. Sempre respeitando a soberania e a independência de cada região do mundo, nos surpreendemos ao constatar que a Europa, tão esclarecida, está repetindo nos mínimos detalhes os erros cometidos ontem pela América Latina.

Os bancos europeus emprestaram à Grécia sem querer ver que o déficit orçamentário do país era quase três vezes superior ao declarado pelo Estado. Mais uma vez aparece o problema de um superendividamento sobre o qual se omite a evocação da contrapartida: o excesso de crédito. Como se o capital financeiro nunca tivesse a menor responsabilidade.

De 2010 a 2012, o desemprego atingiu níveis alarmantes na Europa. Entre 2009 e 2012, países como Portugal, Itália, Grécia, Irlanda e Espanha reduziram suas despesas orçamentárias em média em 6,4%, prejudicando gravemente os serviços de saúde e educação. Justifica-se essa política pela escassez de recursos; mas somas consideráveis foram liberadas para dar ânimo ao setor financeiro. Em Portugal, na Grécia e na Irlanda, os valores dessa “salvação bancária” ultrapassaram o total dos salários anuais.

Enquanto a crise se abate duramente sobre os povos europeus, continua-se a lhes impor as receitas que fracassaram em todo o mundo.

Tomemos o exemplo do Chipre. Como sempre, o problema começa com a desregulamentação do setor financeiro. Em 2012, sua má gestão se tornou insustentável. Os bancos cipriotas, o Banco de Chipre e o Banco Laiki em particular, tinham concedido à Grécia empréstimos privados por um valor superior ao PIB cipriota. Em abril de 2013, a Troika – FMI, Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia – propôs um “resgate” de 10 bilhões de euros. Ela condicionou este a um programa de ajuste que incluía a redução do setor público, a supressão do sistema de aposentadoria por repartição para os novos funcionários, a privatização das empresas públicas estratégicas, medidas de ajuste orçamentário até 2018, a limitação dos gastos sociais e a criação de um “fundo de resgate financeiro” cujo objetivo era apoiar os bancos e resolver seus problemas, além do congelamento dos depósitos superiores a 100 mil euros.

Ninguém duvida que reformas sejam necessárias nem que é preciso corrigir os erros graves, incluindo os originais: a União Europeia integrou países com diferenciais de produtividade muito importantes que os salários nacionais não refletiam. E finalmente, no essencial, as políticas praticadas não procuram acabar com a crise com menos custos para os cidadãos europeus, mas sim garantir o pagamento da dívida aos bancos privados.

Nós evocamos os países endividados. O que acontece com as pessoas incapazes de reembolsar suas dívidas? Tomemos o caso da Espanha. A falta de regulamentação e o acesso fácil demais ao dinheiro dos bancos espanhóis geraram uma imensa quantidade de créditos hipotecários, que galvanizaram a especulação imobiliária. Os próprios bancos procuravam os clientes, estimavam o preço de sua residência e lhes emprestavam sempre mais para a compra de um carro, móveis, eletrodomésticos etc.1

Quando a bolha imobiliária estourou, o bem-intencionado devedor não podia mais pagar seu empréstimo: não tinha mais emprego. Tomaram sua casa, mas esta valia muito menos do que quando ele a havia comprado. Sua família se encontrou na rua e endividada até o fim da vida. Em 2012, recensearam a cada dia mais de duzentas expulsões, o que explicou grande parte dos suicídios na Espanha...

Uma questão se levanta: por que não recorremos a remédios que parecem evidentes e repetimos sempre a pior história? Porque o problema não é técnico, mas político. Ele é determinado por uma relação de força. Quem dirige nossas sociedades? Os humanos ou o capital?

O maior erro que se fez à economia foi tê-la subtraído de sua natureza original de economia política. Ainda querem nos fazer crer que tudo é técnico; disfarçaram a ideologia de ciência e, ao nos encorajarem a abstrair as relações de força no seio de uma sociedade, nos colocaram todos a serviço dos poderes dominantes, daquilo que eu chamo de “império do capital”.

A estratégia do endividamento intensivo que provocou a crise da dívida latino-americana não visava ajudar nossos países a se desenvolver. Ela obedecia à urgência de aplicar o excesso de dinheiro que inundava os mercados financeiros do “Primeiro Mundo”, os petrodólares que os países árabes produtores de petróleo tinham aplicado nos bancos dos países desenvolvidos. Essas somas provinham da alta do preço do petróleo consecutiva à guerra de outubro de 1973, tendo sido esses preços mantidos a níveis elevados pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Entre 1975 e 1980, os depósitos nos bancos internacionais passaram de US$ 82 bilhões para US$ 440 bilhões (US$ 1,226 trilhão atuais).

Diante da necessidade de aplicar quantias de dinheiro tão consideráveis, o “Terceiro Mundo” se tornou um merecedor de crédito. Assim, começaram a ver desfilar, a partir de 1975, banqueiros internacionais desejosos de propor qualquer tipo de crédito – inclusive para financiar despesas correntes e a aquisição de armas pelas ditaduras militares que governavam diversos Estados. Esses banqueiros zelosos, que nunca tinham vindo à região nem sequer como turistas, também trouxeram grandes malas com subornos destinados a funcionários públicos, a fim de fazê-los aceitar novos empréstimos qualquer que fosse o pretexto. Ao mesmo tempo, os órgãos financeiros internacionais e as agências de desenvolvimento continuaram a vender a ideia segundo a qual a solução era se endividar.

Ideologia disfarçada de ciência
Mesmo que a autonomia dos bancos centrais sirva para garantir a continuidade do sistema, independentemente do veredicto das urnas, ela foi imposta como uma necessidade “técnica” no início dos anos 1990, justificada por estudos ditos empíricos que demonstravam que tal dispositivo gerava melhores performances macroeconômicas. Segundo essas “pesquisas”, os bancos centrais independentes poderiam agir de forma “técnica”, distante das pressões políticas perniciosas. Com base em um argumento tão absurdo, seria preciso também tornar o ministério da Fazenda autônomo, já que a política orçamentária deveria ser puramente “técnica”. Como sugeriu Ronald Coase, ganhador do prêmio do Banco Real da Suécia em ciências econômicas em memória de Alfred Nobel, os resultados desses estudos se explicavam: os dados tinham sido torturados até dizerem o que queriam que eles dissessem.

No período que precedeu a crise, os bancos centrais autônomos se consagraram exclusivamente a manter a estabilidade monetária, quer dizer, controlar a inflação, a despeito do fato de que bancos centrais tinham tido um papel fundamental no desenvolvimento de países como o Japão e a Coreia do Sul. Até os anos 1970, o objetivo fundamental do Federal Reserve era favorecer a criação de empregos e o crescimento econômico; foi somente com as pressões inflacionárias do início dos anos 1970 que o objetivo de promover a estabilidade dos preços foi adicionado.

A prioridade dada à estabilização dos preços significou também, na prática, o abandono das políticas que visavam manter o pleno emprego dos recursos na economia. A ponto de, em vez de atenuar os episódios de recessão e desemprego, a política orçamentária, ao comprimir sem parar as despesas, veio a agravá-los.

Os bancos centrais ditos “independentes” que se preocupam unicamente com a estabilidade monetária fazem parte do problema, não da solução. Eles são um dos fatores que impedem a Europa de sair mais rapidamente da crise.

As capacidades europeias, no entanto, estão intactas. A Europa dispõe de tudo: talento humano, recursos produtivos, tecnologia. Eu acredito que é preciso tirar conclusões fortes: trata-se aqui de um problema de coordenação social. Por outro lado, as relações de poder no interior dos países europeus e no nível internacional são todas favoráveis ao capital, sobretudo financeiro, razão pela qual as políticas são aplicadas de modo contrário ao que seria socialmente desejável.

Espancados pela dita ciência econômica e pelas burocracias internacionais, muitos cidadãos estão convencidos de que não há “alternativa”. Estão enganados. 
Rafael Correa é Presidente da República do Equador, doutor em Economia e autor da obra De la République bananière à la non-Republique {Da República das Bananas à não República}
Le Monde Diplomatique