sábado, 24 de agosto de 2013

Carlos Latuff: "E o mundo pode estar caindo, novamente, nesse velho truque."

Tem surgido na Internet e na imprensa fotos de crianças mortas, postas todas juntas, lado a lado, vítimas do que teria sido um ataque com armas químicas lançado pelo governo sírio.

É de conhecimento de todos que a Síria enfrenta uma guerra civil desde 2011, quando revoltas populares incendiaram o Oriente Médio, evento conhecido como "Primavera Árabe".

De um lado temos Bashar al-Assad, um ditador clássico, apoiado por Rússia, China, o Irã e o Hezbollah no Líbano. Do outro lado temos a chamada "oposição síria", que conta com o apoio de Estados Unidos, União Européia, Turquia, Israel e, claro, ditaduras do Golfo Pérsico.

O que realmente está em jogo nesse conflito? Estaria a Casa Branca realmente interessada na democratização da Síria, quando ela mesma apoia regimes ditatoriais na Arábia Saudita e Bahrain? Quando o nobre leitor já ouviu falar de Washington apoiando revoluções? Lembra quando a administração Reagan nos anos 80 financiou e armou os "Contras" para derrubar o regime Sandinista na Nicarágua, e fez o mesmo com os mujahideen para derrubar o governo pró-soviético no Afeganistão? Os "rebeldes" naqueles tempos eram chamados pelos estadunidenses de "lutadores da liberdade". 

Mas não era liberdade o que estava em jogo, e sim a geopolítica. Nunca são as vidas humanas o motivo pelo qual as nações se enfrentam. É sempre o petróleo, o gás, a saída para o mar, as rotas de escoamento de produtos, os mercados.

Com a Síria não é diferente.
Foi assim no Iraque com Saddam Hussein, outro ditador, que teve seu país invadido pelos EUA por supostamente possuir as tais "armas de destruição em massa". E o que temos no Iraque hoje? Uma democracia ou uma nova ditadura, essa agora simpática ao Tio Sam e suas empresas petrolíferas? E novamente o mesmo argumento é utilizado contra o ditador sírio. Será que Rússia e China no Conselho de Segurança da ONU seguirão como obstáculos a essa nova empreitada ocidental no Oriente Médio?

O que mais me choca nessa enxurrada de fotos onde crianças mortas são enfileiradas, como se estivessem num ensaio cuidadosamente produzido, é que seus cadáveres viraram peça de propaganda. Não há no conflito sírio organizações independentes para apurar as violações de direitos humanos cometidas por ambos os lados. As denúncias partem quase que exclusivamente do Observatório Sírio de Direitos Humanos, ONG ligada à oposição, com sede em Londres, e são acolhidas sem perguntas pelo Ocidente. Só um lado é apresentado como responsável pela matança, o do regime sírio. Bashar é a encarnação do demônio, enquanto Obama e seus aliados no Golfo surgem como guardiões dos melhores valores da humanidade.

É preciso convencer a opinião pública mundial de que os milhares de mortos na guerra civil síria são obra e graça de um único homem, Bashar al-Assad, e que esse precisa ser derrubado a todo custo, em nome da democracia e dos direitos humanos. E o que melhor para apoiar essa tese do que imagens descontextualizadas de civis mortos? Crianças, principalmente! A guerra na Síria é provavelmente a única que tenho notícia onde só um lado comete atrocidades. E o mundo pode estar caindo, novamente, nesse velho truque.

Carlos Latuff via facebook

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