Apesar dos enormes estragos causados pelo neoliberalismo, com a explosão do desemprego, da informalidade e do trabalho precarizado, o movimento sindical brasileiro demonstrou invejável capacidade de recuperação nos últimos anos. Ele se tornou um importante ator político, contribuindo para derrotar as forças de direita e para eleger o primeiro presidente oriundo de suas lutas. Mantendo a sua autonomia, o sindicalismo pressionou o governo Lula para arrancar expressivas conquistas. Pela primeira vez na história deste país, conforme o bordão do ex-presidente, as centrais sindicais foram legalizadas, firmou-se um acordo inédito de valorização do salário mínimo, o processo de privatização das estatais foi freado, entre outras vitórias.
Aproveitando-se da maré de crescimento da economia, que gerou emprego e elevou o poder de barganha dos trabalhadores, os sindicatos na base também arrancaram reajustes salariais acima da inflação e outras conquistas sociais. Neste rico e contraditório processo de retomada, os índices de sindicalização voltaram a crescer – pularam de 16% no triste reinado de FHC para 26% nos dias atuais. Estes avanços, entretanto, não negam as debilidades ainda existentes nem ofuscam os enormes desafios futuros do sindicalismo brasileiro.
As limitações do governo Dilma, apontadas acima, exigem uma postura ainda mais ousada e aguerrida do movimento sindical. Com autonomia e inteligência política, para evitar qualquer perigo de retorno da direita neoliberal, é urgente intensificar as lutas sociais, dar passos mais seguros na unidade da classe e reforçar a conscientização dos trabalhadores – politizando e interferindo com mais ímpeto no cenário nacional. Na luta estratégica pelo desenvolvimento econômico com valorização do trabalho, torna-se necessário reforçar as críticas ao tripé neoliberal que ainda entrava o Brasil. Unindo-se a todos os setores da sociedade contrários à agiotagem financeira, mas garantindo a independência classista, o sindicalismo deve priorizar as lutas pela drástica redução das taxas de juros, contra o chamado superávit fiscal – nome fantasia da reserva de caixa dos banqueiros – e por medidas mais duras de controle do câmbio e do fluxo especulativo de capital. O governo Dilma revela pouca convicção para enfrentar estes gargalos. É preciso pressioná-lo com vigor para evitar o risco da retração da economia, que afetaria o emprego e a renda dos brasileiros.
Além da luta contra o tripé macroeconômico neoliberal, torna-se cada vez mais atual a luta por reformas estruturais no Brasil. Aproveitando-se da correlação de forças política mais favorável, é preciso enfrentar as injustiças seculares que infernizam o país – antes que o “cavalo passe içado” e se perca esta chance histórica. Entre estas reformas, cinco se destacam: a reforma agrária, que acabe com o latifúndio improdutivo e garanta terra aos milhões de lavradores sem terra; a reforma urbana, que garanta estrutura digna de saúde, educação, transporte, moradia e lazer aos milhões de superlotam os centros urbanos; a reforma tributária, que penalize os ricaços, que hoje não pagam impostos, e desonere os trabalhadores e os pequenos e médios produtores; a reforma política, que enfrente o poder corruptor das elites e amplifique a democracia no país; e a reforma dos meios de comunicação, que garanta a verdadeira liberdade de expressão – o que não se confunde com o poder dos monopólios midiáticos de manipular as informações e deformar os comportamentos. Estas, entre outras bandeiras, devem fazer parte das prioridades do sindicalismo. Estas reformas estruturais abrem o caminho para a superação do capitalismo, na perspectiva da construção do socialismo.
Ao mesmo tempo em que luta por mudanças políticas mais profundas, o sindicalismo não abdica das suas pautas trabalhistas. Mesmo com a recente retração da economia, os empresários nunca ganharam tanto dinheiro na vida – tanto que o Brasil já está virando um paraíso dos ricaços, com vendas recordes de jatinhos, helicópteros e iates de luxo. Nada justifica o chororo terrorista das empresas na hora das negociações coletivas. Esse é o momento para brigar por melhores salários e condições de trabalho. É também o melhor contexto para pressionar o Congresso Nacional pela aprovação de projetos de interesse dos trabalhadores – como redução da jornada de 44 para 40 horas semanais, ratificação da Convenção 158 da OIT que proíbe a demissão imotivada e pela regulamentação das desumanas terceirizações. É urgente reforçar as denúncias contra a bancada patronal em Brasília, que tenta impor novas medidas regressivas, como o nefasto projeto do deputado-patrão Sandro Mabel que amplia a terceirização.
Para avançar nestas conquistas, porém, o movimento sindical necessita acumular mais forças. Não basta a retórica, é preciso elevar a sua capacidade de mobilização e pressão. Para isto é fundamental a politização e a unidade de classe. Nenhuma categoria isoladamente tem força para conquistar estes avanços estratégicos. Em 2010, as seis centrais sindicais reconhecidas legalmente no país (CUT, FS, CTB, UGT, NCST e CGTB) deram prova de maturidade ao realizar a Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), que aprovou um plano unitário de reivindicações, sintetizado na “carta dos trabalhadores pelo desenvolvimento, com soberania, democracia e valorização do trabalho”. Esse rumo deve ser reforçado no próximo período da luta de classes no país, com a realização de mais protestos de rua que pressionem os três poderes constituídos do país e os empresários. Para avançar nas suas lutas, o sindicalismo também deve aproveitar o momento para fazer autocrítica, fraternal e construtiva, das suas próprias limitações. O papel do movimento sindical é mobilizar, organizar e conscientizar. A pergunta que precisa ser respondida: ele está cumprido essa missão classista? Ele está investindo seus melhores recursos e talentos para atingir estes objetivos?
Numa conjuntura política e econômica mais favorável, o sindicalismo nacional reúne melhores condições para avançar na sua organização, mobilização e conquistas. Acima de tudo, o momento exige maior unidade e luta dos trabalhadores. Neste sentido, nada justifica a proposta lançada pela CUT, maior central do país, em defesa do fim da unicidade e da contribuição sindical. Estas medidas causariam a fragmentação dos sindicatos e sua asfixia financeira. A unicidade garantida em lei, apesar de seus problemas, tem se mostrado um contraponto às investidas divisionistas do patronato. Na Europa, onde predomina o pluralismo sindical, os trabalhadores esbarram em maiores dificuldades para acionar seus organismos de classe. Já a contribuição sindical é indispensável para a atuação de milhares de entidades. A sua extinção paralisaria vários sindicatos. Não é para menos que a proposta do fim da contribuição é defendida pelo DEM, que representa os sinistros interesses do capital. O sindicalismo deve evitar os pontos de divergências e apostar suas fichas nas convergências para garantir novos avanços neste momento inédito na história do Brasil.
Altamiro Borges
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