Tudo começou após o confronto que opôs manifestantes pró-Comissão da Verdade e militares da reserva na entrada do Clube Militar, no Rio de Janeiro, em 29 de março. No lado de dentro do clube, uma cerimônia comemorava o aniversário de 48 anos do golpe. Do lado de fora, protestos conta os golpistas.
Flagrado pelas câmeras dos jornais ao dar uma cusparada em um senhor idoso que batia boca com os manifestantes – era o coronel-aviador Juarez Gomes, presidente do Grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma) no Rio –, o produtor cultural e militante do PT Felipe Garcez se tornou alvo do ódio de pessoas que, quase sempre sob o manto do anonimato, dirigem a ele e a seus familiares ofensas e ameaças pela internet.
“Estamos recebendo diversas ameaças. Queremos divulgar isso, pois expor o nosso caso aumenta a nossa proteção. São dezenas de e-mails e de mensagens em blogs que colocam nossa integridade em risco. Estão colocando nossas imagens, nossos dados pessoais. Em alguns blogs estão sendo publicados dossiês sobre a nossa vida, dizendo por onde eu andei, onde eu morei, quem são meus familiares”, afirma Garcez, porta-voz do grupo de ameaçados que conta também com Adil Giovanni Lepri (estagiário da Agência Nacional do Audiovisual, Ancine), Eduardo Victor Viga Beniacar (estudante da Universidade Federal Fluminense), Rodrigo Mondego (consultor) e Gustavo Santana (assessor da reitoria da Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
Um passeio pela internet dá a dimensão da pressão sofrida pelo grupo. O site pró-64 “A Verdade Revelada” traz fotos e informações sobre os quatro manifestantes, enquanto o blog anticomunista “Cavaleiro do Templo” especula: “Cuspir na cara de pessoas de idade? Será pouco, comparado com o que ocorrerá se o esquerdista Felipe Garcez não for processado”. O blog de Licio Maciel, por sua vez, defende que o dossiê com informações sobre o grupo “circule, ao menos nos meios militares”.
Há também ameaças diretas: “Merecia de volta uma bala de 38 no meio da cara. Não seria agressão, mas defesa da honra”, diz sobre Garcez um comentário anônimo postado no Portal Militar. Outro comentário afirma que “deve ser feita alguma coisa contra esse delinquente”. No blog de Maciel, um comentário assinado por Eduardo Cruz revela os locais de moradia e estudo de Garcez, além dos nomes dos seus pais e de sua noiva, que trabalha como funcionária civil em um quartel da Marinha.
Noiva ameaçada
Esse detalhe sobre a noiva de Garcez aumentou a fúria dos simpatizantes da ditadura militar. “Seria interessante chegar aos ouvidos dos superiores da Marinha que o noivinho dela não gosta de militares. Quem sabe eles não renovam o contrato dela e a colocam no olho da rua”, diz um comentário no Portal Militar. O pior das ameaças, no entanto, está nas paginas de Garcez e sua noiva no Facebook, repleta de palavras ofensivas e de baixo calão: “Seu noivo gosta de cuspir em idosos, não é? Pois ele vai engolir esse cuspe pelo c...”, diz um post assinado por Arnaldo Lima.
Outro post, assinado por Darlan Sena, continua as agressões: “Que vergonha, sua vadia! Sendo da Marinha e com esse maconheiro que cospe na cara de oficiais da reserva! Nós vamos achar vocês”, diz o comentário, que também ameaça a noiva de Garcez de violência sexual. Outro post, assinado por Feitosa Júnior, ameaça: “Queria que ele (Garcez) fizesse isso comigo, pois a cara dele iria virar tábua de pirulito. Que ele faça um transplante de face, pois seu rosto já foi marcado por todos nós e essa ação covarde vai ter volta”.
Sobre as ameaças a sua noiva, Garcez faz um comentário interessante. “Ela está trabalhando todos os dias, normal, e até agora nada aconteceu. No quartel, ninguém tem falado disso, ninguém se incomodou com o ato. Os militares da ativa meio que não ligaram para o que aconteceu. Essas ameaças são coisas de grupos organizados, grupos fascistas e nazistas que apoiaram a ditadura militar. Não é especificamente dos militares”, avalia.
Em busca de proteção
Para se defender, o grupo ameaçado já prepara uma ação na Justiça. “Consultamos advogados e estamos recolhendo todo o material que estamos recebendo com ameaças e fazendo uma compilação para dar entrada em um processo por difamação, calúnia e incitação ao ódio. Estamos fazendo uma peça bem fundamentada. Também já encaminhamos tudo à Delegacia de Crimes Virtuais da Polícia Federal”, diz Garcez.
Em outra frente, parlamentares também foram procurados. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) se propôs a ajudar o grupo e vai enviar uma carta explicando toda a situação ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, além de divulgar uma nota pública para criticar as ameaças. A ministra Maria do Rosário, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, também já foi procurada.
Garcez afirma que agora o principal para o grupo é se proteger: “Esses caras têm armas e nós não temos. Como divulgaram nossos hábitos e rotinas, é perfeitamente possível que a gente acabe esbarrando com algum deles. Algumas pessoas ainda não entenderam o quanto isso é sério. Estamos preocupados porque sabemos do que eles são capazes de fazer. Os principais blogs de direita estão nos denunciando e colocando a coisa da seguinte forma: tomem os dados deles e façam com eles o que vocês quiserem”, diz.
Sobre o episódio da cusparada no coronel-aviador Juarez Gomes, Garcez afirma que “a situação saiu do controle” no dia 29 de março. “A gente não tinha nenhuma intenção de ir para lá agredir ou ofender aqueles militares. Tudo começou porque eles saíam assumindo o ato, dizendo ‘matamos mesmo’ e rindo da nossa cara. Toda uma multidão fervorosa cuspiu, jogou ovo e tudo mais. Eles precisam culpar alguém, e somos nós. Não é do nosso feitio esse tipo de agressão, mas a coisa saiu do controle. Eles não podiam debochar da nossa dor.”
Maurício Thuswohl
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