Plano de invasões rurais, manifestações urbanas e fechamento de estradas e avenidas sendo traçado para outubro; reunião de 300 dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra decide pelo rompimento com o governo; "Dilma, cadê a reforma agrária?" é a campanha que será espalhada pelo Brasil; números apontam para o menor volume de desapropriações desde governo Collor, mas presidente é comparada a ditador; "É o pior governo para a reforma agrária desde Geisel", diz coordenador João Paulo Rodrigues; mais uma panela de pressão destampada
Visto como aliado do governo da presidente Dilma Rousseff, o MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – resolveu partir para a oposição. E com direito a radicalizações. Reunião de 300 dirigentes do movimento concluiu que o melhor para a reforma agrária é suspender o diálogo com o governo e partir imediatamente para a ação. Um plano para invasões de latifúndios improdutivos está sendo traçado para ser deflagrado em outubro. Ao mesmo tempo, irá às ruas e ao campo a campanha "Dilma, cadê a reforma agrária?", com o qual o MST pretende realizar uma série de manifestações pelo País.
Para o coordenador nacional João Paulo Rodrigues, a reforma agrária, no governo Dilma "é o pior no Brasil desde o governo Geisel".
Pelos números do MST, a atual administração federal é a que menos desapropriou imóveis rurais para fazer a reforma agrária nos últimos 20 anos. Na primeira metade do mandato de Dilma, 86 áreas foram destinadas para assentamentos, segundo o MST. Comparado ao mesmo período das administrações anteriores desde o governo Sarney (1985-1990), o número supera só o de Fernando Collor (1990-1992), que desapropriou 28 imóveis em 30 meses, segundo o MST. Em 2008, ocorreram 243 desapropriações no País. No primeiro ano do governo Dilma foram 58 e, no ano passado, 28.
Em 2013, não foi registrada nenhuma desapropriação, de acordo com o movimento. Em 2008, havia 70 mil famílias assentadas. O número foi caindo. Em 2009 eram 55 mil; em 2010, 39 mil; em 2011, 22 mil; e no ano passado, 23,1 mil. Do ponto de vista do MST, há no País mais de 180 milhões de hectares classificados como grande propriedade improdutiva.
Abaixo, entrevista do dirigente Alexandre Gusmão à página do MST:
"Governo Dilma abandonou a Reforma Agrária", afirma Alexandre Conceição
Por Iris Pacheco
Da Página do MST
O governo permanece em silêncio no quesito Reforma Agrária. Qual é sua avaliação sobre essa postura?
O governo Dilma abandonou a Reforma Agrária. Ao fazer isso, não está apenas se acovardando, mas cometendo uma violação constitucional - que perdura desde o estabelecimento da Constituição - e que no último período tem se agravado de maneira muito crítica.
Essa postura do governo deixa claro a opção em benefício do latifúndio e sua posição de refém da aliança com o agronegócio.
Por que o governo não desapropria latifúndios para a Reforma Agrária?
Porque o governo aposta no agronegócio como modelo de desenvolvimento para o campo. Temos dialogado com o governo, mas sem resultados concretos.
Segundo dados do Incra, atualmente há mais de 180 milhões de hectares classificados como grande propriedade improdutiva no país. O governo não se mexe para promover a democratização da terra.
Não conseguimos nada porque o núcleo central do governo não quer saber da Reforma Agrária. Diariamente novos procedimentos e portarias são inventados e emperram ainda mais o processo.
A Reforma Agrária depende de desapropriações de grandes propriedades improdutivas, como determina a Constituição.
Quanto de recursos públicos o governo destina para os agricultores familiares e para os latifundiários?
Neste ano, foram disponibilizados R$ 21 bilhões no Plano Safra 2013/2014 para a agricultura familiar. O valor é 16,6% maior que o destinado ao setor no ano passado, de R$ 18 bilhões.
Para o agronegócio, no entanto, se disponibilizou R$ 136 bilhões, ou seja, dez vezes mais investimentos do que à agricultura familiar, responsável por produzir 70% dos alimentos e gerar nove empregos por hectare.
Além disso, o agronegócio, que está completamente endividado, protela as dívidas com o governo brasileiro, enquanto as dívidas dos agricultores familiares nos bancos demoraram para serem renegociadas.
Os índices de produtividade ainda são um entrave em todo o processo?
O índice de produtividade do Brasil não é atualizado desde 1975 e segue sendo um dos piores da América Latina. Nesses mais de 30 anos, o campo passou por muitas mudanças e se torna inconcebível nivelar a produção agrícola atual com a de 1975.
O governo não teve a coragem de rever a questão dos índices. Essa revisão, sem dúvidas, proporcionaria um grande desentrave na Reforma Agrária no país.
Qual o reflexo para o campo com a inoperância da Reforma Agrária?
Reflete-se na violência do campo. Além de inoperante, é um governo de composição inclusive com o latifúndio e, por isso, não enfrenta os ruralistas e não desapropria terras para Reforma Agrária.
Sem avanços na democratização da terra, o Movimento intensificará a luta e ocupará latifúndios para enfrentar a ofensiva contra os povos do campo.
Nesse aspecto, o Judiciário se converte no principal conivente do latifúndio: é super ágil para criminalizar os Sem Terra, mas ao mesmo tempo garante a impunidade dos crimes do latifúndio.
Como você vê o discurso do governo sobre o Judiciário ter emperrado o processo de novas áreas para criação de assentamento em 2013?
Além de garantir a impunidade dos conflitos no campo, o Poder Judiciário segurá os processos de criação de novos decretos para desapropriações de áreas.
Dos atuais 523 processos envolvendo Reforma Agrária no país, 234 estão paralisados.
Portanto, é dever do governo Dilma trabalhar de forma articulada com o Judiciário para que se resolvam os impasses que deixam as áreas numa situação jurídica indefinida por anos.
Qual é a importância da Reforma Agrária para a sociedade?
Atualmente, 85% das terras agricultáveis no Brasil cultivam soja, enquanto que a agricultura familiar é responsável por 70% da produção de alimentos para consumo interno, mesmo tendo apenas 15% das terras agricultáveis do país.
O agronegócio é apenas uma forma de se apropriar do lucro obtido pelo comércio agrícola, mas não resolve os problemas do povo. Ao contrário, apenas piora, principalmente pela incidência do uso de agrotóxicos e transgênicos no país, que têm afetado a saúde do povo brasileiro.
Esse modelo não serve para o Brasil. Precisamos de um modelo que garanta a produção de alimentos saudáveis para a sociedade brasileira por um custo de obtenção considerável. Assim, cria empregos e formas de vida saudáveis para a população camponesa não se marginalizar nos grandes centros urbanos.
Permitirá desenvolver técnicas de aumentar a produtividade e a produção sem destruir a biodiversidade do planeta.
O viés para efetivar a construção desse modelo é o projeto da Reforma Agrária Popular, que defende a desapropriação massiva de áreas improdutivas, tendo a agroecologia como base para o desenvolvimento do campo.
Diante dessa conjuntura, como o Movimento pretende atuar no próximo período?
O MST vai continuar lutando e ocupando os latifúndios improdutivos, combatendo a monocultura e lutando contra a ofensiva do capital estrangeiro na agricultura brasileira.
O governo precisa mexer no índice de concentração fundiária do país, em vez de investir em programas compensatórios que não promovem a Reforma Agrária, levando aos assentados e assentadas o endividamento crônico.
Ao mesmo tempo, vamos costurar alianças que consolidem a construção do projeto de uma Reforma Agrária Popular para o Brasil, ao representar a necessidade de mudança do modelo agrícola do país.
É necessário reorganizar o setor agroindustrial, baseado em cooperativas e não grandes empresas transnacionais. Adotar a matriz tecnológica da agroecologia, preservar o meio ambiente e frear o êxodo rural para as grandes cidades.
247
Nenhum comentário:
Postar um comentário