Resposta ao ministro:Docentes comentam declarações de Mercadante ao iG e avisam que educação carece de infraestrutura e comprometimento da sociedade |
Na última semana, em entrevista exclusiva ao iG, o ministro Aloizio Mercadante defendeu o piso do professor para melhorar a educação e o uso da tecnologia em sala de aula para tornar a escola mais atraente. Ao expor metas para a pasta que comanda há pouco mais de um mês, acabou também fazendo uma provocação àqueles que pretende valorizar: “O arranjo social da escola é do século 18. Os professores são do século 20 e os alunos, do século 21”.
A partir de comentários na página da entrevista e de mensagens nas redes sociais, educadores e interessados no tema reagiram – simpáticos ou não – à avaliação de Mercadante e suas propostas, como a de distribuir tablets às escolas de ensino médio, para combater o problema.
No intuito de aprofundar o debate, o iG procurou professores da rede pública de ensino, de diferentes disciplinas e tempo de docência, para saber como eles avaliam as declarações do ministro. Em geral, os profissionais destacam que as escolas precisam de reformas estruturais antes de receber tecnologia. “Não adianta ter tablet se a tomada não funciona para ligar o data show”, aponta Rodney D’Annibale, 44 anos, professor de educação artística há 20 anos da rede estadual de São Paulo.
Carolina Canon, 27 anos, professora de sociologia da rede estadual de São Paulo há dois, destaca a importância da manutenção e atualização dos computadores. Para ela, é preciso ter um projeto pedagógico coerente com a realidade dos alunos. “A escola não vai se tornar mais interessante apenas porque o professor tem um tablet em mãos.”
Os profissionais da educação cobram também mais comprometimento dos governos, da sociedade, dos pais e dos estudantes com a educação. Vejam o que eles pensam das declarações do ministro.
Mercadante: “A escola precisa ficar mais interessante. Um dos instrumentos mais importantes e rápidos nesse sentido é a distribuição do tablet com projetor digital, para que o professor melhore e crie um ensino interativo na sala de aula.”
“Acredito que as propostas estão no caminho correto, entretanto algumas questões ainda são motivo de preocupação: a valorização do professor é fundamental. Só teremos os melhores profissionais na Educação quando a remuneração for condizente. Valorizar também significa qualificar, reconhecer a profissão como essencial e fazer com que o professor sinta-se importante naquilo que faz e não tenha interesse em mudar de profissão. O currículo do ensino médio precisa ser modificado. Hoje nós ensinamos ‘quase nada de quase tudo’. Precisamos focar a formação do aluno com vistas ao ensino superior e ao ensino profissionalizante, nunca esquecendo da sua formação como cidadão que participa e modifica o meio onde vive. Caso consigamos mudar este foco a tecnologia será uma grande aliada para a construção desta nova escola mais atrativa e agregadora.”
Anderson Santana Lima, professor de português da rede pública do Distrito Federal há 16 anos e diretor do Centro de Ensino Médio 01 Brazlândia, há sete anos
“É preciso levar em conta que não é apenas equipar escola e professores com recursos de última geração, mas é também fornecer a manutenção que esses equipamentos necessitam, a formação específica que os recursos demandam, a atualização constante de softwares. Não adianta em nada a escola possuir uma sala de informática se grande parte dos computadores estiverem quebrados ou desatualizados, ou se a internet for discada. A escola não vai se tornar mais interessante apenas porque o professor tem um tablet em mãos, mas sobretudo porque existe um projeto pedagógico eficiente do ponto de vista de realidade escolar de cada região, preocupado não apenas em formar o jovem para o mercado de trabalho, mas em formar um ser humano. Enquanto a sociedade brasileira não compreender, de fato, que a educação é prioridade e investir esforços maciçamente em prol da formação crítica e cidadã dos brasileiros, como foi o caso da Coréia do Sul, penso que mudanças mínimas não serão alcançadas.”
Carolina Cannon, 27 anos, professora de sociologia da rede estadual de São Paulo há dois anos
“Antes de qualquer distribuição de material tecnológico, deveria haver uma campanha conscientizando os pais e os alunos a respeito do material didático, da educação, mostrando que essa é a base que eles precisam para amanhã ter um futuro melhor. Muitos alunos vão para a escola para brincar, para passar o tempo, mas não com a finalidade de estudar. Isso dificulta muito o trabalho do professor, que é passar o conhecimento. Precisamos de uma campanha de conscientização da importância da escola.”
Maria Senna, professora de história e geografia, 34 anos de magistério na rede estadual e 20 na rede municipal de São Paulo
Mercadante: O arranjo social da escola é do século 18. Os professores são do século 20 e os alunos, do século 21. Eles são nativos digitais. Temos que chegar no aluno. Começando pelo professor, a gente chega mais seguro. É inimaginável um professor do século 21 não poder entrar no Google. Isso vai mudar.
“O professor é do século 20, é verdade. Para mudar isso temos que criar condições para que ele se atualize e entre nessa área digital. Precisamos de tempo para fazer a capacitação e de cursos voltados especificamente para a nossa disciplina e o nosso dia a dia. O professor não pode fazer o curso no horário de trabalho, mas ele trabalha todos os dias em duas ou três escolas e não tem tempo livre para fazê-lo. Tem que preparar o professor para usar esse tablet, ele tem que enxergar quais são as viabilizações que esta ferramenta trará para a aula dele. Também precisamos de reformas estruturais. Não adianta ter tablet se a tomada para ligar o data show não funciona”
Rodney D’Annibale, 44 anos, professor de educação artística há 20 anos da rede estadual de São Paulo
“Acredito que o uso das TIC's (Tecnologias da Informação e Comunicação) na sala de aula podem sim otimizar o acesso aos conteúdos reduzindo o tempo de pesquisa, mas este não é o cerne da questão. A formação dos professores, inclusive a continuada, está de mal a pior. Nos concursos públicos o número de aprovação tem sido cada vez mais baixo, tanto os professores ingressantes quanto os já experientes, alcançam notas cada vez menores, e não estamos falando de tecnologias, falo de conceitos que deveriam que deveriam ser conhecidos por qualquer profissional da educação formal dentro de sua disciplina ou área. Portanto, vejo como providências emergenciais o investimento na formação dos professores, melhores planos de carreira, menos educandos por turma, além de melhores salários e condições de trabalho menos insalubres.”
Robson Martins de Oliveira, 27 anos, pedagogo, Educador Popular há oito anos e professor da rede municipal de São Paulo há dois anos e meio
Mercadante: “Nós estamos contratando 1,5 mil creches por ano, no entanto, as prefeituras só estão conseguindo construir as creches num prazo de dois anos e meio. Montamos uma força-tarefa para, nos próximos 60 dias, verificarmos quais as medidas complementares podemos oferecer aos prefeitos e estamos terminando um estudo com o Inmetro para oferecermos serviços de engenharia de novos métodos construtivos, tipo estruturas pré-moldadas e novas tecnologias para acelerarmos isso.”
“Segundo o ministro, é preciso acelerar a construção de creches pelas prefeituras mudando o modelo de construção. Não concordo com este pensamento. Não se faz creche às pressas apenas para mudar os números estatísticos. O modelo de prédio, ou seja de engenharia, não é pensado para atender especificidades da educação infantil e seus projetos pedagógicos. Via de regra acontece exatamente ao contrário: a proposta pedagógica e a metodologia de trabalho têm que se adequar ao prédio construído e pensado por arquitetos e executados por engenheiros, o que difere muito do olhar de um profissional da educação que sabe das reais necessidades educacionais.”
Vladimir Petcov, 50 anos, pedagogo e professor da rede municipal de São Paulo com mais de 20 anos de docência
Mercadante: “A primeira forma de valorizarmos o professor hoje é cumprir o piso. Eu reconheço que é um reajuste forte e que há dificuldades reais. Agora, nós estamos falando em pouco mais de dois salários mínimos. Se nós quisermos ter professores de qualidade no Brasil, é preciso oferecer salários atraentes.”
“A valorização do professor realmente se inicia pelo salário. Mas que salário? O piso nacional? O piso de Brasília? Onde temos o 20º menor salário das 24 carreiras de nível superior no DF? Temos uma realidade bem diferente daquela estudada nas universidades, vista pela ótica dos teóricos do MEC e das secretarias de Educação estaduais e municipais. É, povo brasileiro, a realidade da nossa educação é caótica: professores mal remunerados e, muitas vezes, doentes, estressados; carga horária excessiva; salas superlotadas; escola sem infraestrutura; alunos muitas vezes desassistidos pela família, etc. Eu até acredito na intenção do Mercadante, o problema é que para socorrer a educação brasileira, demandariam muitos investimentos e os governos não estão empenhados nessa empreitada, os recursos do pré-sal só estarão à disposição a médio e longo prazo.”
Carlos Neves Filho, 63, professor de geografia da rede pública do Distrito Federal há 34 anos
iG
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