Enquanto o mundo, hipnotizado diante da TV, assistia às cenas da tsunami tragando cidades inteiras na costa do Nordeste do Japão no dia 11 de março do ano passado, o governo já sabia que a usina de Fukushima enfrentava uma crise que poderia trazer consequências ainda mais dramáticas. A informação de que as barras de combustível nuclear dos reatores poderiam derreter chegou às mãos do Gabinete do então primeiro-ministro Naoto Kan algumas horas após a onda gigante, causada pelo terremoto de 9 graus na escala Richter, atingir a usina.
Esse cenário, que acabou se confirmando, só foi reconhecido oficialmente dois meses após a tragédia. Anotações feitas durante as primeiras reuniões de emergência no rastro do desastre, que completa um ano amanhã, foram liberadas ontem. Elas atestam que o governo escondeu o que realmente se passava em Fukushima. A tsunami, que provocou a morte de quase 20 mil pessoas, levou a uma pane no sistema elétrico da usina administrada pela Tepco (Tokyo Electric Power), inutilizando os mecanismos que impedem o superaquecimento dos reatores.
"Os únicos sistemas que continuam funcionando são os movidos a baterias. Elas têm capacidade para durar oito horas. Se a temperatura do núcleo dos reatores continuar subindo, poderá haver um derretimento", diz um memorando da reunião de emergência convocada por Kan apenas quatro horas após o terremoto.
Desconfiança em alta na população
O governo e a Tepco passaram semanas se recusando a confirmar esse quadro, para não espalhar o pânico, e só depois de um mês elevaram o acidente de Fukushima ao mesmo patamar do de Chernobyl, em 1986, que atingiu o nível 7 — ou seja, o estágio máximo — na escala nuclear. As revelações sobre a tentativa de fazer a crise parecer menor do que ela realmente era aumentam a desconfiança dos japoneses em relação às autoridades e à indústria nuclear, responsável por 30% da energia consumida no país.
As atas oficiais das reuniões de emergência nunca foram arquivadas, o que atrapalhou as investigações sobre o acidente de Fukushima e sobre o passo a passo da reação oficial num dos momentos mais difíceis da História do Japão. Diante das críticas, a Agência de Segurança Industrial e Nuclear entrevistou assessores e reuniu as anotações que eles haviam feito. O relatório divulgado ontem deixou clara a confusão que reinava no governo, totalmente despreparado para um acidente nuclear, apesar de o Japão possuir 54 reatores.
"Quem é o líder verdadeiro da operação? Estou sobrecarregado com exigências e pedidos ininteligíveis. Não há ninguém segurando as rédeas", desabafou, numa reunião no dia 15 de março, o então ministro do Interior, Yoshihiro Katayama, no quartel-general montado em Tóquio para administrar o desastre.
No dia seguinte ao terremoto, o ministro da Estratégia Nacional, Koichiro Gemba, um político de Fukushima, questionou a recomendação de especialistas — aceita por Kan — para que fossem retirados os moradores numa faixa de dez quilômetros em torno da usina. Ele não achou a medida suficiente. "Isso é uma guerra. Só podemos ganhar ou perder. E já estamos perdendo algumas batalhas.O importante agora é saber como limitar nossas perdas", declarou. Só depois de confirmada uma explosão de hidrogênio num dos seis reatores, o governo optou por ampliar a zona de exclusão para 20 quilômetros. As barras de combustível de três reatores derreteram, levando ao vazamento radioativo. Cerca de cem mil pessoas acabaram deixando Fukushima, enquanto a radiação se espalhava, contaminando a terra e a água da região.
Acusado de incompetência na condução da crise nuclear, Naoto Kan viu seus índices de popularidade despencarem e renunciou ao cargo em agosto, dando lugar a Yoshihiko Noda. Seus críticos dizem que ele concentrou todas as decisões em suas mãos e atrasou as medidas para tentar controlar os reatores.
Depois de deixar o governo, o ex-premier admitiu seu despreparo e as falhas na coordenação e na comunicação entre os especialistas, a diretoria da Tepco e o Gabinete. Ele admitiu que até o dia 15 de março realmente acreditou "que o Japão estava sendo derrotado por um inimigo invisível". Só recuperou as esperanças quando os jatos d’água começaram a reduzir a temperatura dos reatores. Suas principais acusações são dirigidas à indústria nuclear, que ignorou o perigo de uma tsunami numa região altamente sujeita a tremores de terra.
Quase um ano depois da tragédia, um terremoto moderado, de magnitude 5,4 atingiu o Nordeste do Japão, a 40 quilômetros de Mito, área vizinha à prefeitura de Fukushima, às 2h25m da madrugada de sábado (no Brasil, 14h25m de sexta-feira). Não há relatos de feridos ou danos.
O Globo
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