Professor Pedro Cavalcanti Ferreira, economista da Fundação Getúlio Vargas |
Professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getulio Vargas, Pedro Cavalcanti Ferreira afirma que o país deve adotar políticas horizontais de estímulos, que deem condições iguais para os diferentes setores da economia, em contraposição à escolha de áreas estratégicas, como tem ocorrido, segundo ele, no financiamento do BNDES. O economista admite que alguns segmentos da indústria podem desaparecer e que isso é um processo duro.
— Algumas indústrias podem não sobreviver, mas o que se vai fazer? Dar subsídio a vida inteira para essa indústria? — diz, lembrando, no entanto, que há exemplos de que é possível competir, como no caso do México em relação à China.
Ferreira destaca que é importante dar mais atenção ao setor de serviços e pensar em estratégias para dinamizar esse segmento da economia.
— No setor de serviços, pode-se trabalhar como chef de restaurante francês ou vendedor de churrasquinho na praia. É a educação que faz a diferença.
Por que a indústria ainda tem desempenho fraco, a despeito de todos os estímulos e desonerações?
Desde 2008, foram introduzidas distorções que diminuem a eficiência da economia. Isso significa que fica mais custoso e mais difícil fazer negócios no Brasil. Por exemplo, há evidência que barreiras comerciais atrapalham ou diminuem a produtividade da indústria. E o governo vem desmontando reformas da época da liberalização comercial. Ainda temos uma abertura muito maior que antes, mas foram lançadas medidas de fechamento da economia que, no fundo, afetam a produtividade da indústria. Houve piora na regulação de vários setores, mudanças nas legislações de segmentos como energia e petróleo, imposição de compra de componentes domésticos, politizou-se as agências de regulação e há uma política de escolha de setores via direcionamento do crédito do BNDES. Tudo isso cria uma série de ineficiências na economia que prejudica expectativas futuras de negócios.
Qual é o problema dessa política do BNDES?
O BNDES empresta hoje um caminhão de dinheiro, e com recursos do Tesouro, o que é uma novidade ruim. O Tesouro voltou a financiar gastos públicos sem entrar na contabilidade, o que é uma distorção. A segunda distorção é como o BNDES empresta. A política de escolher vencedores nunca funcionou. O banco tem escolhido setores e financia com crédito subsidiado. Já vimos esse filme: no fim o mocinho morre e a inflação sobe. Não tem ganho nessa política. O custo de tomar emprestado está baixo, mas se cria tanta ineficiência na economia que está mais custoso fazer negócio.
Qual é hoje o peso da indústria?
A indústria no Brasil é importantíssima, mas não chega a 20% do PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de bens e serviços produzidos no país). Ainda temos uma cabeça setentista de proteger a indústria, mas muitas das políticas não beneficiam o resto da economia. Somos hoje uma economia de serviços, então é preciso olhar com atenção esse setor. Pensamos muito em maneiras de proteger ou incentivar a indústria, mas nossa economia será cada vez mais de serviços, então é preciso pensar como dinamizar o setor de serviços. E isso passa pela educação. Temos melhorado, mas ainda há desvantagens. No setor de serviços, pode-se trabalhar como chef de restaurante francês ou vendedor de churrasquinho na praia. É a educação que faz a diferença.
De que maneira deveriam ser os estímulos à economia?
Deveríamos fazer políticas horizontais. O BNDES devia ter uma linha de crédito, com taxa próxima do mercado, que fosse para todo mundo que batesse lá dentro. Além disso, precisamos de tarifa homogênea de importação para todos, uma estrutura tributária menos distorcida e uma economia com mais eficiência. Isso seria bom para a indústria e para os serviços. As políticas industriais verticais, de escolha de setores estratégicos, são um erro. Isso ocorreu nos anos 70 e, quando se abriu a economia, várias indústrias eram ineficientes e não conseguiram competir. No fundo, é injusto socialmente, porque se transfere recursos de todos os brasileiros para indústrias escolhidas.
Mas algumas indústrias não podem ter dificuldades de competir?
Precisamos de linhas de crédito relativamente homogêneas, ambiente de negócios e infraestrutura melhor, menos burocracia, menos regulamentação e maior estabilidade de regras. Talvez algumas indústrias não consigam competir. Mas vamos pensar assim: antes de se inventar a eletricidade, uma das maiores indústrias devia ser a de velas. Algumas indústrias podem não sobreviver, mas o que se vai fazer? Dar subsídio a vida inteira para essa indústria? Havia uma percepção de que o México não conseguiria competir com a China, mas está competindo: fez reformas e reduziu o custo da mão de obra, enquanto na China esse custo aumentou. É duro, porque não serei eu a perder o emprego, mas a longo prazo será melhor para o país. Se tem regras homogêneas ou horizontais para todos, vai produzir em setores onde tem vantagens. Se quiser de alguma maneira ajudar, deve ser temporário. Precisa ter muita certeza que essa indústria vai se reerguer. Ou então se subsidia tecnologia, que é um investimento arriscado. Mas é uma área em que se poderia ter política industrial.
O que é importante para garantir desenvolvimento a longo prazo?
Para um desenvolvimento a longo prazo, precisamos de condições iguais para todo mundo, com políticas horizontais, e precisamos melhorar muito o ambiente de negócios no Brasil. A tendência é achar que essas coisas são pequenas, mas não são: isso afasta investimentos e prejudica produtividade. Terceiro, e talvez o mais importante, precisa avançar muito em educação e em qualidade de educação. A gente avançou, mas a qualidade ainda é sofrível. Outro aspecto que é uma piada é a infraestrutura. Em meio ao debate sobre MP dos Portos, falta um planejamento mais global de infraestrutura: é uma área em que estamos atrasadíssimos. Outro componente importante é retomar uma política macroeconômica sólida, ter mais clareza nas contas públicas, perseguir o centro do regime de metas de inflação, fechar a torneira do Tesouro para os bancos públicos e dar um ambiente de estabilidade. O Brasil está voltando a ser um país em que a incerteza é muito grande.
O Globo
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