Ganho por meta é foco de Estados na educação
Remuneração vinculada ao desempenho e ao cumprimento de metas - prática bastante difundida nos setores mais competitivos da iniciativa privada - estarão presentes na maioria das escolas estaduais do país nos próximos quatro anos.
O Valor apurou que, neste início de gestão, 15 Secretarias de Estado da Educação tratam como prioridade a elaboração, discussão e adoção de mecanismos de meritocracia para professores e outros profissionais do setor que conseguirem melhorar indicadores de qualidade - entre eles, redução da evasão e maiores notas em avaliações educacionais feitas por alunos. Medidas nessa direção podem impactar a carreira de mais de 500 mil trabalhadores da educação.
A intenção de adotar a meritocracia na educação foi confirmada por Acre, Alagoas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, Rondônia e Santa Catarina. O governo paranaense ainda não fala em pagamento de bônus por desempenho, mas pretende adotar um regime de metas para o magistério. São Paulo e Pernambuco, que já aplicam o mecanismo, estudam revisar e aprofundar o modelo, respectivamente. Amazonas e Minas Gerais, primeiros Estados a adotar a meritocracia, a partir de 2007, manterão a prática. Apenas Tocantins não respondeu à reportagem.
Assim como nas empresas, a adoção de bônus salariais para educadores que se destacam no trabalho e superam metas está associada a avanços de gestão. Praticamente todos os secretários e secretárias estaduais de Educação ouvidos pelo Valor vão dedicar grande esforço na geração e no monitoramento extensivo de estatísticas e informações e na criação de sistemas de avaliação próprios - inclusive com o auxílio de consultorias externas.
Com o objetivo de fazer uma gestão "essencialmente profissional" na educação, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), contratou os serviços do Movimento Brasil Competitivo (MBC), do empresário Jorge Gerdau, e nomeou um opositor para comandar a área: o economista e militante do setor Thiago Peixoto, eleito deputado federal pelo PMDB nas últimas eleições e que deixou um petista como suplente no Congresso Nacional.
"Eu terei um contrato de metas e isso vai descer até o professor. Se eu não atingir minhas metas o meu pescoço poderá ser cortado. Vamos estabelecer um sistema de bônus por desempenho com base nas avaliações que vamos criar. Não será comparativo por escola, vamos trabalhar com base em um índice e definir o bônus em cima da melhoria do rendimento de cada unidade", explica Peixoto.
Apesar de admitir que os salários do magistério em Goiás - já descontadas as gratificações - estão abaixo do piso nacional da categoria, de R$ 1.024 para uma carga semanal de 40 horas, ele entende que "não é justo" um professor com melhor desempenho ter a mesma remuneração de um colega que apresenta "produtividade" inferior. "Encontraremos resistência, mas queremos envolver a sociedade, mostrar que é possível dar um salto de qualidade. Quanto ao salário, estamos fazendo um estudo de valorização. Primeiro queremos atingir o piso, depois vamos gerar uma projeção de aumento. Não vamos fazer para amanhã, o momento é de aperto de cinto do ponto de vista financeiro", justifica Peixoto.
Em Santa Catarina, o mecanismo de meritocracia na educação está sendo elaborado a partir de diagnósticos feitos pelo governo e por consultores da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O secretário-adjunto de Educação do Estado, Eduardo Dechamps, informa que a política de recompensa vai se basear em vários critérios, capturados por um sistema próprio de avaliação educacional que está em fase de desenvolvimento. "A partir dos resultados poderemos reconhecer o mérito das unidades com melhor desempenho e customizar aquelas com problemas, e aí resolvê-los. A meritocracia vai valorizar mais os resultados que os processos e cobrar responsabilidade por meio de contratos de desempenho", conta Dechamps.
No Ceará e Mato Grosso do Sul, a meritocracia se estende aos estudantes. Ganham laptops aqueles com boas notas e bom índice de assiduidade. No ano passado, cerca de 10 mil alunos do ensino médio foram premiados nos dois Estados. Para este ano, os governos estudam instituir sistemas de recompensa para docentes em forma de 14º e 15º salários. "Estamos estudando o assunto, vendo o que os outras secretarias estão fazendo. Há muita troca de experiência dentro do Consed [Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação]", comenta a pedagoga Maria Nilene Badeca, secretária de Educação do Mato Grosso do Sul.
Os recursos para o pagamento de bônus já estão reservados no Rio de Janeiro. Segundo o economista Wilson Risolia, novo secretário de Educação do Estado, as premiações somarão R$ 140 milhões em 2011, contando vantagens como o vale-transporte e a "bolsa cultura", um adicional de R$ 500 mensais(???) para o professor gastar com atividades pedagógicas e culturais. Já a recompensa em função do desempenho poderá ser até de um 16º salário para docentes e funcionários que cumprirem 120% da meta estabelecida pelo governo.
"Nos últimos 60 dias, fizemos um diagnóstico da rede física e criamos um índice de infraestrutura por unidade com 23 variáveis, que será cruzado com um outro indicador pedagógico. Para atribuir metas adequadas, tenho que considerar a realidade de cada escola", explica Risolia.
No Espírito Santo, um dos planos do novo secretário estadual de Educação, o físico Klinger Barbosa Alves, é colocar em prática o pagamento de bônus por desempenho desenhado na administração anterior. "Cabe a nós aplicá-lo ainda no primeiro ano, acredito que é uma tendência importante para fomentar a melhoria dos índices e para motivar os profissionais", opina Alves. Para o secretário de Educação do Pará, Nilson Pinto, o objetivo da adoção do sistema de meritocracia no Estado é "estimular a criatividade, o conhecimento e valorizar o mérito do servidor".
Embora exista um claro movimento dos Estados em direção à meritocracia na educação, o assunto é bastante polêmico. Governos do PT, por exemplo, são os mais resistentes à tese de que o estímulo financeiro por desempenho resulte em melhoria da qualidade do ensino. "Salário de professor não é consequência de rendimento individual. Qualquer ação que exacerbe a competitividade na escola é negativa. Como gestores, temos que oferecer condições para que o professor ajude a elevar o nível da educação: a começar pelo salário, que deve ser o mesmo que o de qualquer outro servidor de nível superior; depois o governo deve providenciar as melhores condições de trabalho desse docente", argumenta Regina Novaes, secretária de Educação do Distrito Federal, de gestão petista.
O historiador José Clóvis de Azevedo, novo secretário de Educação do Rio Grande do Sul, outro Estado governado pelo PT, lembra que a meritocracia na educação passa por profundas revisões nos países desenvolvidos e que, no Brasil, a opção pelo modelo se trata de "modismo atrasado". "É um modelo falido no mundo. Estudos internacionais indicam que há uma tendência de sair da avaliação quantitativa para a qualitativa. Não sei porque aqui setores da economia e do empresariado insistem nisso. É uma forma de perceber apenas o resultado final. Temos que nos preocupar com a valorização do docente e a estrutura, e não transformar a escola num ambiente de empresa", critica.
Para Osvaldo Barreto, titular da Educação da Bahia, a aposta na meritocracia atrasa a implementação de planos de carreira para o magistério público no país. "A valorização do professor não passa por uma comissão, mas por uma atitude do Estado de estruturar a carreira docente." Segundo ele, há dois anos, o governo baiano, também sob comando do PT, elevou o salário dos professores acima do piso nacional e elaborou um plano de cargos e salários, "premiando" profissionais com menos faltas e que elevem sua escolaridade.
Na contramão, o governo petista do Acre acredita que a meritocracia é peça importante para elevar a qualidade do ensino no Estado. O novo secretário estadual de Educação, Daniel Queiroz Sant'Ana, se inspira na presidente Dilma Rousseff: "Vamos passar a analisar o mérito no magistério. A própria presidente Dilma tem falado muito sobre a meritocracia no serviço público. Nossa ideia é aperfeiçoar gratificações tradicionais já existentes na educação, vinculando-as com resultados individuais e coletivos. Claro que é uma política que precisa ser pactuada, leva tempo", pondera Sant'Ana.
O escolhido pelo governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB) para conduzir a educação, o engenheiro Herman Voorwald, vai revisar o atual mecanismo de meritocracia, adotado há menos de um ano na gestão tucana de José Serra. O programa "Valorização pelo Mérito" sofre críticas dos professores por beneficiar, por ano, apenas 20% da categoria com reajustes, que são concedidos a partir do resultado de provas feitas pelos profissionais.
Voorwald acena para a substituição do programa por um plano salarial que torne mais atrativo o trabalho no magistério de São Paulo. "Já determinei às áreas de recursos humanos e planejamento a elaboração de uma política salarial que, em última instância, faça com que a carreira do magistério seja atrativa. Não gosto da palavra meritocracia, acho que ela está carimbada de forma equivocada, mas não há como ter educação de qualidade se não reconhecermos quem está comprometido. Prefiro a palavra comprometimento, que deve estar associada a uma remuneração digna", afirma Voorwald.
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