quinta-feira, 9 de maio de 2013

Notícias da Casa Grande: o Menino vê crescer um país torto


Ter uma mesa de ping-pong em casa. Morar em Copacabana, aí pela década de 50. Rodar a bordo de um Cadillac rabo-de-peixe. Ser engenheiro na fábrica de tecidos Bangu. Esses eram os sinais de riqueza que incendiavam a imaginação do Menino. Uns tios jogavam nesse time, primeiríssima divisão. Quanto a ele, bem, estava entre os que lutavam para não cair para a terceira. Mundos que colidiam, sem intimidade. Hierarquias nas pontas de narizes empinados.

O engenheiro do subúrbio carioca morava numa nuvem inacessível aos operários que fundaram o Bangu A. C., time de futebol que revelou gênios como Domingos e Ademir da Guia e Zizinho. Certo dia, a empregada que trabalhava para os “primos pobres” convidou os patrões para um frango assado em Nova Iguaçu, onde morava. O Menino pegou um trem pela primeira vez na vida e desembarcou não apenas na Baixada Fluminense, mas na franja que descortinava a pobreza nua e crua. Sua Vila era uma Copacabana para a empregada, que andava em ruas de terra batida e tinha medo de chuva forte. Sociedades segregadoras navegam neste tipo de distorção. Imagens de uma época em que se ria à socapa, comia-se a mancheias, Maria ainda ia com as outras, ficar para titia era uma aflição, funcionários públicos sonhavam com a letra O. Hmmm, será que é mesmo outra época?

Comentando as tentativas de integrar as favelas ao cotidiano do Rio, Jailson de Souza e Silva, diretor do Observatório das Favelas, mostrou que, com certa sutileza, ainda se vende a ideia de que cada um deve ocupar o “seu lugar”. Governos e ONGs oferecem cursos de utilidade imediata, isto é, para formação de pedreiros, manicures, eletricistas, etc. De outra forma, o investimento seria visto com desconfiança. Potencializar o talento artístico da população favelada, por exemplo, seria, na percepção de Jaílson, “apenas um instrumento (que os investidores utilizariam) para evitar que os jovens se tornassem criminosos”.

MÃO DE OBRA
A imagem das favelas como reservatório de mão de obra para os abonados continua hegemônica. O acesso e usufruto dos bens imateriais permanecem, em larga escala, privilégio de classe. Aos mais pobres sobra o lixo literário nos canais abertos de televisão e o vale(esmola) – cultura. Não há um esforço democrático de integração. Viva estivesse, a empregada/serviçal de Nova Iguaçu estaria grudada em alguma novela, andando pelas mesmas ruas poeirentas. Com o sorriso desdentado da “nova classe média”.

O Brasil continua um país extremamente desigual (na América Latina, continente farto em desigualdades, só não é mais desigual do que Honduras, Guatemala e Colômbia). Como bem disse o economista Reinaldo Gonçalves, da UFRJ: “Com raras exceções, as políticas do governo Lula limitaram-se a alterar a distribuição de renda na classe trabalhadora (salários, aposentadorias e benefícios), sem alterações substantivas na distribuição funcional da renda, que inclui, além do salário e das transferências, as rendas do capital (lucro, juro e aluguel)”.

(Corram ao Google, discípulos das teorias conspiratórias! Verão que Gonçalves não corresponde ao figurino direitoso que esta observação imediatamente desenhou em seu imaginário. Nossa elite vai muito bem, arrogante como sempre, preparada para continuar o processo de acumulação de capital sem maiores abalos e beber champanhe francês nos camarotes da “arena” Maracanã privatizada.)

DANUZA E A SENZALA
Muita gente ficou chocada com os comentários da Danuza Leão sobre as novas regras trabalhistas que regularão as relações com os empregados domésticos. Estava ali a ideologia da senzala, maquiada pela mitologia do explorador piedoso. Ao invés de defender o princípio geral da extensão de direitos a trabalhadores que, em muitos casos, se encontram em estado de semi-escravidão, ela preferiu desqualificar a iniciativa. Surpreendeu-se quem quis.

Em novembro do ano passado, a ex-socialite escreveu o artigo Ser especial. Ali está a Suma Teológica dos ricaços. “Qual a graça de ter muito dinheiro?”, pergunta-se Danuza, e responde: “Bom mesmo é possuir coisas exclusivas, a que só nós temos acesso; se todo mundo fosse rico, a vida seria um tédio”. O plano de voo incluiria saber “como se diferenciar do resto da humanidade, (no caso de) todos terem acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais”. Ao gosto de qualquer bom senhor de engenho, raciocina que não há a menor graça em ir a Nova Iorque ver musicais na Broadway e “encontrar o porteiro do prédio”. Radicaliza, dizendo que “ir para o Caribe não dá, porque as praias estão infestadas de turistas”.

Isso mesmo, caríssimo leitor, infestadas, como uma das pragas bíblicas. A gentalha não é diferente das nuvens de gafanhotos. Nara não merecia uma irmã dessas, que, no entanto, está muito longe de ser uma voz isolada. Raspando a crosta da “velha” classe média e dos novos ricos emergirão conceitos semelhantes. Estarei errado ?

SENSAÇÃO DE PODER
Não é necessário consultar um GPS planetário para se descobrir lugares exclusivos, que vendem sobretudo imagem e sensação de poder. No Rio existe uma boite que levaria dona Danuza ao orgasmo. Chama-se Miroir. Quem vai lá não quer apenas dançar ou azarar. O conceito, de acordo com seus proprietários é “proporcionar exclusividades sem limites ao cliente”. Para lá se dirige uma camada social que, não tenho dúvidas, se julga acima de todas as outras. São nossos arianos: sarados, siliconadas, grifados, bombados.

Olhando suas fotos, dá a impressão de que ovacionariam Thor Batista, filho do Eike idem, quando ele disse, com orgulho, que “nunca li um livro inteiro. Na época da escola, copiava os resumos da internet para fazer as provas”. Ingressar neste clube é ganhar um crachá de exclusividade, passaporte para viver, por algumas horas, o clima da corte francesa antes da Revolução de 1789. As fotos que mandam para as redes sociais através de um terminal touchscreen parecem déjà-vu: Não têm pão? Comam brioches! O caviar é nosso!

Os guetos forrados com dólares e riquezas prosperam mesmo em meio a crises econômicas agudas. Essa, afinal, é a lógica do capitalismo. O operário que reforma o Maracanã dificilmente poderá frequentá-lo. A “arena” terá preços calculados por planilhas privadas. Sob uma capa ilusoriamente igualitarista, o Menino vê crescer um país torto. Não tem a menor vontade de rir à socapa. 

Jacques Gruman Tribuna

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