O ser humano oprimido se encontra em uma situação de heteronomia, já que sua consciência é pautada pelo outro que o oprime. |
Sou admirador de um pensador brasileiro chamado Paulo Freire. Homem visionário. Em uma de suas obras, “Pedagogia do Oprimido”, Freire observou que em muitos oprimidos, o que impede a libertação é o medo da liberdade, medo que os conduz a manterem-se na situação de oprimidos, medo que impede a autonomia.
Ainda segundo Freire o medo da liberdade surge a partir da prescrição. "Toda prescrição é a imposição da opção de uma consciência a outra". Por isso ela é alienante e faz com que uma consciência "hospedeira", a do oprimido, se guie por uma pauta estranha a si, a pauta dos opressores. Dessa forma, o homem oprimido se encontra em uma situação de heteronomia, já que sua consciência é pautada pelo outro que o oprime. Os oprimidos introjetam a 'sombra' dos opressores e seguem suas pautas. Temem a liberdade, na medida em que esta, implicando na expulsão desta sombra, exigiria deles que 'preenchessem' o 'vazio' deixado pela expulsão, com outro 'conteúdo' - o de sua autonomia".
De acordo com Freire, oprimidos vivem um trágico dilema entre querer ser e temer ser. Ao se descobrirem oprimidos, descobrem que não são livres. A luta se trava internamente, a vontade de serem autênticos, de expulsar o opressor, de sair da alienação, de serem atores da própria vida (autônomos) entra em conflito com o medo da liberdade. Por isso o autor diz que a libertação é um "parto doloroso".
A massificação transforma os homens em seres passivos, acomodados, ajustados, incapazes de decidir, sem liberdade, e, portanto, heterônomos. Por isso, o homem não deve acomodar-se no mundo, e sim integrar-se no e com o mundo. "A integração resulta da capacidade de ajustar-se à realidade acrescida da vontade de transformá-la a que se junta a de optar, cuja nota fundamental é a criticidade". A integração é um conceito ativo que envolve além do ajustamento, a opção e a ação transformadora de um homem sujeito enraizado no seu mundo, por isso promove a autonomia. A acomodação é fruto da prescrição que minimiza as decisões e faz com que se perca a capacidade de optar, por isso impede a autonomia. A acomodação vai implicar no simples ajustamento e na conseqüente massificação, situação em que a liberdade do sujeito e sua autonomia são negadas.
Freire denunciou que as tarefas do tempo do homem moderno em vez de serem fruto de decisão consciente a partir da própria realidade, são decisões de uma elite que por meio da prescrição, massifica, domestica, acomoda, rebaixando o homem à condição de objeto, fazendo-o heterônomo.
A escola promove a massificação enquanto pratica a mera repetição de idéias inertes, nega a participação, o debate e a análise dos problemas. Quando reduz a teoria a verbalismo transforma o processo educacional em ato mecânico. A educação que é verborosa, que prima apenas pela memorização mecânica, que não instiga o educando a superar suas posições ingênuas, está contribuindo para formar um ser humano com medo da própria liberdade, um ser humano incapaz de expulsar a consciência hospedeira, incapaz de superar a massificação, e, portanto, um ser humano que vive em condição heterônoma. Paulo Freire denuncia que o verbalismo na cultura brasileira está relacionado à nossa experiência democrática: "Cada vez mais nos convencemos, aliás, de se encontrarem na nossa experiência democrática, as raízes deste nosso gosto pela palavra oca. Do verbo. Da ênfase nos discursos”. O verbalismo revela uma atitude mental do nosso povo que está ligada à ausência de criticidade e a superficialidade com que os problemas são tratados, há poucos espaços democráticos para que sejam dialogados e aprofundados.
A criticidade está ligada à democracia. Quanto menos democrática for uma nação, menor o conhecimento crítico da realidade, menor a participação, as formas de perceber a realidade serão ingênuas e as formas de expressá-la verborosas. Por isso, relações e espaços antidemocráticos, autoritários, são geradores de heteronomia.
Observe, caro colega professor, o quanto a escola se tornou um espaço antidemocrático, totalitária, autômato, massificante, alienante.
A SEEDUC prescreve suas normas, pautando a práxis docente. Ao, deliberadamente, alienar o trabalho dos docentes, justos eles, que deveriam estimular a criticidade nos demais cidadãos, o governo estadual desmobiliza esses profissionais e toda a coletividade atendida pela escola, desmotivando-os, transformando-os em objetos, sem capacidade de se integrar socialmente e, consequentemente, sentindo-se incapazes de transformar uma sociedade a qual não se sentem pertencentes.
Talvez seja o dilema apresentado por Freire, apontando o conflito interno entre escapar da opressão alienante e, ao mesmo tempo, a dificuldade de preencher-se por ideologias próprias, que torne o professor tão vulnerável a problemas psicológicos, como o stress crônico.
Ao ler essas linhas, no seu escasso tempo de descanso, espero que você, colega professor, tenha tempo para tomar um café sem pressa e refletir sobre seu estado de alienação ou de autonomia.
Michel Pinto, professor da Rede Estadual do Rio de Janeiro.
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