quinta-feira, 28 de março de 2013

"Realpolitik" de Obama só serviu para enterrar questão palestina

Crianças palestinas deixam Obama no vácuo: "Vai lavar essa mão primeiro!"  
O presidente dos Estados Unidos tenta cumprimentar crianças palestinas durante sua recente visita ao oriente Médio

A visita do presidente norte-americano, ao contrário do que possa parecer, contribuiu para aumentar violência e preconceitos contra os palestinos.

A visita de Barack Obama, presidente dos EUA, a Israel semana passada (de 20 a 22 de março) foi reveladora de um futuro pouco promissor para a questão palestina e sombria para a região. Não tivemos acesso aos encontros fechados com Benjamin Netanyahu (o primeiro-ministro) e Shimon Peres (o presidente). Nem tampouco soubemos o que ele falou a Mahmud Abbas, líder da Autoridade Nacional Palestina.

No entanto, seus discursos foram reveladores. Sabíamos desde o início que o presidente norte-americano viria reforçar os laços com Israel, apartar qualquer imagem que pudesse ter ficado de que há rusgas entre ele e Netanyahu (que apoiou Mitt Romney na eleição dos EUA) em nome do interesse comum que compartilham.
O presidente “nobel da paz” veio tocar os tambores da guerra. No seu primeiro mandato, abriu suas viagens internacionais no Egito. Falou árabe e citou o Corão numa iniciativa que procurava acabar com os oito anos anteriores, quando as operações militares norte-americanas baseavam-se num discurso islamofóbico e anti-árabe. Era o antídoto de Bush filho. As guerras dos EUA não acabaram – as tropas ainda estão no Afeganistão –, mas estavam revestidas de tolerância.

Agora não. Obama fez todas as cortesias a seu maior aliado na região, o que generais norte-americanos, como David Petraeus, detectaram como fonte do sentimento anti-americano no Oriente Médio. O general, ex-comandante de operações do exército dos EUA no Afeganistão entre 2010 e 2011 e diretor da CIA (central de inteligência norte-americana) até 2012, disse em março de 2010, em declaração ao Comitê de Serviços Armados do Senado: “O conflito (Israel-Palestina) fomenta sentimentos anti-americanos devido à percepção do favorecimento dos EUA a Israel. A raiva árabe devido à questão palestina limita a força e a profundidade das parcerias dos EUA com governos e povos na área de operação e enfraquece a legitimidade de regimes moderados no mundo árabe”.

Obama veio baseado na sua própria realpolitik. Ali estava o pedido de desculpas que Netanyahu devia ao primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, desde o ataque à flotilha turca Mavi Marmara que se dirigia à Gaza, quando morreram nove turcos. Já na sexta-feira (22/03), o israelense deu início ao processo para por fim à crise com a Turquia.
Não há paz no discurso de Obama, e não há solidariedade no ato de Netanyahu, que já deixou claro que o resgate do diálogo com a Turquia não resultará na reabertura de Gaza. Mas a Turquia é uma peça indispensável na crise da Síria, nela a não tão estruturada oposição a Bashar al Assad, representada pelo Conselho Nacional da Síria e pelo Exército Sírio Livre, tem trânsito livre e recebe apoio da CIA, bem como de forças especiais francesas e britânicas.

Por sua vez, a Síria também é apenas uma peça estratégica no dominó trilhado entre EUA e Ásia, passando pelo Oriente Médio. A queda de Assad é uma necessidade para que os estadunidenses firmem o pé no país e façam com que Rússia, aliada do regime de Assad, e China, importante aliada comercial, recuem. De quebra, os EUA ainda poriam fim na aliança entre Síria e Hezbollah, no Líbano.

Nesta terça-feira (26/03), a Reuters noticiou que o governo de Moscou quer que Rússia e China participem das investigações que a ONU vai realizar para descobrir o responsável pelo assassinato de 26 pessoas por armas químicas na semana passada na Síria. A lei internacional como continuação da guerra.

Outra consequência relevante da queda de Assad seria a desestabilização do Irã, o principal aliado da Síria, e principal inimigo dos EUA e Israel no Oriente Médio. Enquanto esses países se colocam como nações éticas e democráticas exigindo que o Irã cesse seu programa nuclear, sendo que ambos sequer aprovaram o TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear), o objetivo escondido é retirar o Irã do centro do comércio com a China e Rússia e derrubar sua força econômica no Oriente Médio.
Mas ao cercar-se do apoio de Netanyahu, Obama passou um cheque em branco para que o governo israelense faça o que desejar, internamente ou na política externa. Seu discurso ousado e tendencioso em um lugar em que as narrativas competem. A nakba ou a independência? O direito de retorno ou a alyiah? Nessa realidade altamente explosiva, onde os historiadores tornam-se inimigos do Estado, o presidente delineou a narrativa sionista na sua mais tradicional forma. Obama foi mais sionista do que o rei.

Quando pisou em Israel, ele disse: “Estou tão honrado de estar aqui enquanto vocês se preparam para comemorar o 65º aniversário de liberdade e independência do Estado de Israel. E eu sei que pisando nesta terra, caminharei com vocês pela terra de origem histórica do povo judeu”.

Isso uma semana após Netanyahu ter acertado sua nova coalizão de governo. No acordo fechado entre os partidos, ficou acertado que seria proposta nova Lei Básica para que o caráter judeu do Estado seja predominante em relação a seu caráter democrático. Essa mesma legislatura que quer colocar a democracia como um adereço mereceu intensos elogios de Obama. “Nos EUA, trabalhamos duro para encontrar um acordo entre os dois maiores partidos. Aqui, em Israel, você tem que encontrar um consenso entre muitos mais. E poucas legislaturas podem competir em intensidade com o Knesset. Mas tudo isso reflete a natureza próspera da democracia israelense”.

Obama não devia saber do acordo. Não deve saber das políticas israelenses no sul do país, onde judeus ganham cidades e árabes beduínos têm suas terras tomadas e casas demolidas. O presidente não deve ter conhecimento da lei de cidadania sobre reunião familiar, que decide quem pode casar ou não, e dos comitês de bairros que podem decidir quem pode morar em uma vila ou cidade, com critérios duvidosos em um ambiente carregado de divisões étnicas.

Um dia depois do adeus do presidente, o Haaretz soltou a matéria “Quando as expressões de racismo não são mais exceção”, em que mostra o problema que enfrentam as escolas, com demonstrações abertas de racismo contra árabes por parte de crianças e adolescentes. O misto de medo e ódio incutido vem de uma origem social que pensa a si mesmo como um grupo exclusivo e excludente. Um dos meninos diz: “Eu não quero conhecer os árabes ou chegar a ter um contato com eles. Verdade, eles vivem perto de nós, mas eles não me despertam nenhum interesse e não cabe a mim aprender sobre sua cultura, porque eles são os inimigos. Não há necessidade de aprender sobre eles. Apenas meu time (Beitar Jerusalem), os judeus e judaísmo são de meu interesse”.

No segundo dia, em que Obama falou para alguns jovens israelenses, se ignorou os palestinos dentro de Israel, por um momento procurou fazer com que a juventude judaica pensasse na difícil situação dos palestinos nos territórios ocupados. “Veja o mundo por seus olhos. Não é justo que uma criança palestina não possa crescer em um Estado seu. Vivendo todas as suas vidas com a presença de um exército estrangeiro que controla o movimento não apenas dessa juventude, mas de seus pais, seus avós. Não é correto quando há violência impune de colonos contra palestinos. Não é correto prevenir palestinos de arar sua terra; ou restringir a habilidade de um estudante de se mover dentro da Cisjordânia; ou expulsar famílias palestinas de suas casas”.

Então ele sabe. Nobre, se não fosse hipócrita. Obama foi um mau exemplo para a juventude de Israel.

Vejamos. Na coletiva do primeiro dia, disse o presidente: “Hoje nosso pessoal militar e de inteligência cooperam mais próximos do que jamais o fizeram; conduzimos mais exercícios conjuntos e de treinamento do que jamais o fizemos; (...) Como resultado das decisões que fiz ano passado, Israel irá receber cerca de 200 milhões de dólares neste ano fiscal.... Estes são lembretes mais profundos de que iremos ajudar a preservar o qualitativo exército de ponta de Israel para que possa se defender por si mesmo contra qualquer ameaça”.

Palestinas são obrigadas a passar por revistas diariamente para ir ao trabalho

Quando não falou de armas, pediu aos jovens israelenses pressionassem o seu governo a conseguir paz, a “Solução dos Dois Estados”. Esqueceu de dizer que ele mesmo não o faz. Os treinamentos que o seu exército realiza anualmente com Israel (o último deles ocorreu no final de 2012) ocorrem no vale do Jordão, área C (controle militar israelense) da Cisjordânia, que, por jurisdição internacional, faz parte do Estado palestino.

A presença do exército israelense, ao lado de assentamentos de agricultura, ocupando um grande trato do que seria a Cisjordânia, faz daquela parte um corpo efetivamente anexado a Israel. Parte do procedimento dos treinamentos é expulsar famílias de suas casas provisoriamente. Em outro canto, Jerusalém Oriental, a parte anexada que Obama percorreu quando foi a Belém visitar a Igreja da Natividade, não existe mais como uma entidade palestina contínua.

Relatório de 2012 da União Europeia diz que “se a implementação das atuais políticas de Israel em relação à cidade continuar, particularmente a atividade de assentamentos, o prospecto de Jerusalém como capital de dois Estados, Israel e Palestina, torna-se impraticável. Isso ameaça fazer a Solução de Dois Estados impossível”.

Portanto, depois de exaltar a cooperação militar sem precedentes e exortar os israelenses a se defenderem por seus próprios meios, dentro de uma lógica que legitima a visão da construção do Estado baseada na Bíblia, falar em dois Estados parece uma piada.

Obama veio ao Oriente Médio não como mensageiro da paz, mas como voz da hegemonia norte-americana, veio mover a próxima peça da luta pela sobrevivência de uma hegemonia já fraquejada no embate geopolítico e comercial frente às novas potências mundiais.

E para alimentar sua realpolitik, ignorou a história, o racismo de Estado e a deterioração de qualquer característica democrática que possa ainda haver em Israel. Barack ignorou os palestinos que usam modelos de lutas por direitos civis, que o movimento negro usou nos anos 1960 nos EUA, para pedir o fim da ocupação.

Insistia em falar da humanidade de Sderot e não de Gaza (que sua ajuda militar deve ter ajudado a destruir). Talvez os palestinos achassem que Obama se comovesse ao ver que usam os protestos civis que muito provavelmente ajudaram o presidente a chegar à Casa Branca. Mas, não, Barack Hussein Obama veio endossar as políticas de um governo que, de seus muitos modos, está dizendo aos palestinos para se sentarem na parte de trás do ônibus.

Arturo Hartmann  Opera Mundi 

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