Era uma manhã agitada na escola. Os profissionais da educação tinham declarado greve reivindicando melhores condições de salário. O Estado do Rio de Janeiro encontrava-se na penúltima posição do IDEB e o governador tinha assumido o compromisso de colocar o Estado no quinto lugar até o fim de 2013. Ele só tinha esquecido de um ator fundamental nessa virada: os professores.
A escola estava situada na cidade de... . A mobilização para a greve, de início tímida, estava ganhando corpo. O aumento da greve na cidade chegou aos ouvidos da Coordenadoria de educação. A resposta não demorou para chegar. O telefone tocou na nossa escola. A reação da direção dependia do número que aparecesse no identificador de chamadas. O dia começava com o pé esquerdo: o número era da Coordenadoria.
Ao saber do número houve um pânico generalizado. Havia uma verdade compartilhada entre os diretores: ligação da coordenadoria poderia significar duas coisas: esporro ou trabalho. Geralmente, a coordenadoria misturava os dois numa combinação bem peculiar. Com o barulho do telefone uma questão se colocou: quem será o Santo Cristo que atenderá o chamado?
Subitamente a hierarquia da escola se manifestou: a diretora geral, mesmo sem ter argumentos, tinha usado a sua autoridade e passado a ordem de atendimento para o diretor adjunto. Por sua vez, o adjunto, usando sua autoridade, corria desesperadamente para transferir o serviço para o coordenador de turno. Infelizmente, o coordenador não tinha argumento e nem autoridade para transferir o serviço e correu para a sala do diretor para executar a tarefa.
Diz a lenda que o teor da conversa foi mais ou menos assim:
Coordenadoria de Educação: Bom dia. Queria falar com a diretora geral?
Coordenador da Escola: Ela não se encontra. Está no banheiro.
Coordenadoria de Educação: O diretor adjunto então?
C. da Escola: Ele foi ao banheiro para ver se a diretora precisa de algo. A direção aqui é muito unida.
Coordenador de Educação: Que seja. Olha só, ouvi notícias que o SEPE está percorrendo as escolas. A ordem é não permitir a entrada do sindicato na escola.
A coordenadora da escola ficou confusa com a ordem do cacique da coordenadoria. Ela tinha uma vaga lembrança que o Brasil era uma democracia. A ordem tinha descido como uma cerveja quadrada. Em sua inexperiência no setor administrativo, ela ousou cometer o pecado mortal: perguntou ao cacique se aquilo era legal.
Coordenador da Escola: Mas senhor, isso não é ilegal? Acho que o senhor deveria mandar um ofício explicando os motivos para a proibição.
Coordenadoria de Educação: A senhora está querendo me derrubar? Está querendo me ensinar o que é legal e o que não é? É claro que é ilegal. É claro que não vou mandar nada por escrito. Não sou tolo o bastante para produzir prova contra eu mesmo.
Coordenador da Escola: Como a direção vai conseguir barrar a entrada do Sepe? Os professores ficarão revoltados!
Coordenadoria de Educação: Eu não tenho que ficar ensinando tudo pra você, tenho? Afinal, esses diretores ganham uma bela gratificação. Arrumem um jeito para segurar o pepino. Vou desligar agora. Espero que a ordem seja cumprida para o bom funcionamento da escola.
Com o fim da ligação, a coordenadora da escola passava o teor da conversa para os diretores. Como já era esperado, o pepino era enorme. Os diretores ficaram confabulando como sair dessa enrascada. Duas estratégias foram pensadas: a primeira seria adicionar chocolate quente aos já tradicionais cafezinhos e biscoito “pedagógico”; a segunda era propor para a senhora que vende lingerie uma semana de liquidação com preços imbatíveis. Altas teorias até que o inevitável aconteceu. Bem na hora do recreio chega o aviso que o Sepe está na porta da escola querendo entrar.
Prontamente, o instinto de sobrevivência da diretora geral mandou o diretor adjunto “ganhar tempo” com o Sepe até que ela elaborasse uma saída. A diretora geral era uma velha figura que ocupava à direção da escola durante anos. Se vangloriava de estar na direção desde a época em que os diretores eram eleitos pela comunidade escolar. Ela sabia que o diretor adjunto tinha uma personalidade de cão de guarda de primeira ordem. Nos corredores da escola ela tinha até mesmo um apelido: “Toninha Malvadeza” em homenagem ao “saudoso” Antonio Carlos Magalhães. Se o Sepe era a doença, o adjunto era a cura. Assim se passou a conversa entre os “amigos” professores.
Sepe: Bom dia. Podemos falar com os professores?
Adjunto: Negativo. Acabamos de receber um telefonema proibindo a entrada de vocês.
Sepe: O senhor sabe que isso é ilegal? Poderia nos dar uma cópia do ofício?
Adjunto: Não sei e nem quero saber. Cumpro ordens do meu chefe. Não tem nenhum ofício. Foi uma conversa pelo telefone.
Sepe: Pois bem amigo professor. Diga-me uma coisa: um dos principais objetivos da escola não é formar cidadãos? O que um cidadão faria se lhe fosse mandado executar uma ordem ilegal? Ele a cumpriria?
Adjunto: Eh................ Uh................ Ah........ Depende, Se o coordenador mandar....
Sepe: O Coordenador de Educação/Secretário/Governador/presidente, eles estão acima da lei?
Adjunto: Eh...........Uh............Ah......... Acho que não, né? Bem, isso não importa. O que importa é que recebi ordem. Ordem dada é ordem cumprida!
Sepe: Perfeitamente. Estamos gravando essa conversa e vamos colocá-la na rádio para a população saber como a escola não é o espaço da democracia. O senhor ficará conhecido como cão de guarda.
Escondida numa janela, a Diretora Geral xingava o SEPE. Sua estratégia tinha falhado. Toninha Malvadeza não era boa de pensar. Ela gostava de ganhar no grito. O diretor adjunto passava o seu atestado de burrice e o SEPE estava ganhando adesão. A diretora geral não poderia admitir tal derrota em sua escola. Foi quando ela apareceu em cena pedindo para que o SEPE entrasse na escola. A entrada dos sindicalistas na sala dos professores parecia ser uma vitória da mobilização contra o autoritarismo. Apenas parecia ser...
Diretora Geral: Amigos professores. Posso falar com vocês? Estamos recebendo hoje o SEPE para conversar sobre a greve. Mas antes eu queria falar que recebemos um telefonema da coordenadoria proibindo a entrada do Sepe nas escolas. Eu estou permitindo a entrada deles. Temos uma gestão democrática.
Sepe: Desculpe senhora diretora, mas a senhora não tem o poder de não permitir algo que a lei nos garante. A questão é saber se a senhora vai desrespeitar a lei impedindo a nossa presença. Sabemos que o seu cargo é de confiança e você tem que dançar conforme a música.
Diretora Geral: Foi bom o sindicato tocar no assunto. Tenho um desabafo a fazer: Tem uma história rolando que os diretores de escola foram comprados pela secretaria de educação. Eu não admito tamanho absurdo. Nós somos professores assim como vocês. O sindicato se esquece, mas eu fui eleita pela comunidade escolar. Além da autoridade eu tenho legitimidade. Eu fui eleita!
Sepe: A senhora diretora está confundindo os termos. Uma das características de uma eleição democrática é a validade da eleição. Não existe mais no Brasil a eleição vitalícia. A senhora não disputou uma vaga para o senado do Brasil Imperial. A senhora está no seu cargo por causa de indicação política.
Em meio ao bate boca da diretora geral e do Sepe estavam os professores da escola. Para alguns o Sepe estava falando tudo aquilo que os professores queriam dizer mas tinham medo. Para outros, o Sepe era formado por um bando de desvairados que só sabiam fazer greve. Infelizmente, a maioria nem tinha opinião sobre o que estava ocorrendo. Eles assistiam bestializados a troca de palavras entre o sindicato e a diretora.
Depois da conversa do Sepe com os professores, a diretora reuniu sua equipe para “tranqüilizar” a comunidade escolar.
Diretora: Quero deixar bem claro aqui que eu já fiz muita greve na minha carreira. Estou na direção porque acredito que posso continuar contribuindo para o crescimento da escola. Não estou aqui por indicação política. Eu amo esta escola. Estou por amor. Respeito as pessoas que resolveram aderir. Lembro aos grevistas da necessidade de se responsabilizarem pelas conseqüências dos seus atos. No entanto, tenho algumas novidades para vocês: agora teremos chocolate quente na hora do recreio; faremos uma semana de liquidação de lingerie com preços imbatíveis e, por fim, acaba de chegar a informação que a GLP foi reajustada de 510 reais para 800 reais! A direção vai convidar alguns professores para pegar mais tempos de GLP.
A fala da diretora foi de uma perfeição maquiavélica. Ela dava aquilo que a comunidade pedia: pão e circo. Toda a necessidade de se discutir os rumos da educação parecia ter sumido com as possibilidades abertas de se comprar roupa íntima com o aumento da GLP. Que se dane o ar condicionado que não funciona, o baixo salário do professor, a falta de material didático, a falta de professor. A figura da diretora se projetava como sendo de uma mãe que bate com uma mão e presenteia com a outra. Era o que os professores queriam. A elite intelectual da escola adorava um paternalismo. E foram felizes para sempre...
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