Ao longo dos debates de quarta-feira, quando foi aprovada depois de onze anos a lei que regulamenta a emenda 29, transformada no artigo 198 da Constituição federal, surgiu no plenário revelação do Ministério da Saúde de que, em 2010, os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná, além de alguns outros, simplesmente não cumpriram sequer as aplicações mínimas de 12% previstas no texto da Carta de 88.
Pela Constituição, teriam que ter investido essa parcela de suas receitas tributárias. Não fizeram. Reportagem de Maria Clara Cabral e Larissa Guimarães, Folha de São Paulo de quinta-feira, ilumina os pontos principais aprovados e igualmente o que deixou de ser feito. Do ano de 2000 – passagem do século e do milênio, a terceira da era cristã – para cá nasceram no Brasil mais ou menos 25 milhões de pessoas. Tarefas a mais, é claro, para os poderes públicos, recursos a menos para realizá-las em nível normal. Considerando-se as taxas anuais de inflação do IBGE, o crescimento populacional de 1,2% a cada doze meses e o intoxicante desvio de recursos, não há como negar que o déficit social se agravou. Muito.
Pois os estados, além de não canalizarem para a saúde os 12% de suas arrecadações, ainda por cima, revelam Maria Clara e Larissa, consideraram gastos no setor o pagamento de pessoasl, incluindo os aposentados, a merenda escolar, o saneamento básico e até a limpeza urbana como verbas carimbadas.O que colide frontalmente com a emenda 29 e, portanto, também com o artigo 198 da Constituição. Por aí se pode medir bem a dimensão tanto da inércia quanto do desastre.
A partir de agora, se a presidente Dilma Roussef sancionar a lei, não vão mais poder mascarar a destinação dos recursos financeiros mínimos. Bola pra frente. Não adianta olhar para trás porque o panorama desanima qualquer um. Relativamente à recriação da CPMF, disfarçadamente com outro nome, a tentativa foi fragorosamente derrotada: 355 a 76 votos. Destes 76, 70 foram do PT.
O PMDB, apesar de o governador Sérgio Cabral ter defendido pelos jornais a volta da CPMF 3011, votou quase totalmente contra. Cabral, assim, não ficou bem no episódio. Mas esta é outra questão.Há na matéria saúde um ponto essencial, mais importante que todos os outros. Trata-se das aplicações por parte da União. As atuais são insuficientes. Tanto que o setor vive uma verdadeira calamidade, como se sabe. O orçamento deste ano, por exemplo, destina parte para o Ministério da Saúde 75,8 bilhões de reais, 10% a mais que a lei de meios de 2010. Pode-se dizer que houve um avanço real, já que o crescimento atingiu 10 pontos e a taxa inflacionária foi de 6%. Mas é preciso considerar também a correção demográfica. E não só ela. Principalmente o déficit acumulado através de décadas que dividem os capítulos da história social brasileira.
Por isso na lei votada quarta-feira, incluiu-se dispositivo que estabelece a atualização orçamentária à base do crescimento do PIB do exercício imediatamente anterior. Como o PIB de 2010 foi 7,5% maior que o de 2009, a obrigação foi nominalmente atendida, já que, como vimos, a dotação do Ministerio da Saude cresceu de 68 bilhões, em números redondos, para 75,3 bilhões de reais. Mas isso não resolve. É um engano.Onde entra no cálculo o índice de inflação. Em lugar nenhum. Onde entra o peso demográfico? Também não foi levado em conta. Tem que ser consignado para configurar avanço efetivo.
Não há como contornar a realidade, o PIB mais o índice inflacionário, mais a taxa demográfica. Desta forma, sim, pode-se redescobrir o roteiro para, degrau por degrau, ir-se diminuindo a dívida que o Estado brasileiro possui para com a população e, de fato, no fundo mantém para consigo mesmo. O resgate, enfim, tem que partir da colocação em prática do cálculo que estou colocando. E também mais ações concretas e menos palavras. Pois estas o vento leva.
Pedro do Coutto Tribuna da Imprensa
Nenhum comentário:
Postar um comentário