Até o fim do ano, baleias-jubarte, cujos machos cantam para atrair as fêmeas, buscarão as águas quentes dos trópicos para reproduzir. |
A cantora dos sete mares
Quem visitar o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos até novembro terá um motivo a mais para ficar atento: além dos corais, peixes, tartarugas e aves marinhas que habitam o lugar, nesse período chegam à região as baleias-jubarte para reproduzir. As jubarte (Megaptera novaeangliae) são animais migratórios e para a reprodução buscam as águas tropicais, quentes e abrigadas, onde os filhotes têm mais condições de sobreviver, e para se alimentar elas viajam até as águas geladas das regiões polares, onde há mais fartura de alimento.
No Hemisfério Sul, as jubarte se alimentam de krill, um pequeno
crustáceo que é a base da dieta de diversas outras espécies. Durante o
verão, próximo aos polos, os dias são mais longos e isso favorece a
fotossíntese e faz com que a proliferação de algas alimente o
zooplancton, que por sua vez serve de alimento ao krill. No inverno, com
os dias mais curtos, ocorre uma diminuição na oferta de alimentos nas
regiões polares. Assim, as jubarte desenvolveram um ciclo de
vida baseado no krill. No verão, elas se alimentam o máximo possível e
armazenam o excesso de energia na forma de uma espessa camada
de gordura. Quando o inverno se aproxima, elas migram para os trópicos
para ter seus filhotes. Nesse período não se alimentam, apenas vão
queimando a gordura acumulada até o próximo verão, quando repetem o
ciclo.
Há sete populações de jubarte no Hemisfério Sul, uma delas é a do
Brasil, que pode ser encontrada desde o norte do Rio de Janeiro até o
Ceará, embora ocasionalmente seja vista também em São Paulo e nos
estados da Região Sul. As outras seis populações da espécie são
encontradas nas costas oeste e leste da África e da Austrália, na região
da Polinésia e na costa oeste da América do Sul.
Na costa brasileira, a maior concentração de jubarte ocorre no Banco
dos Abrolhos, um alargamento da plataforma continental localizado entre o
norte do Espírito Santo e o sul da Bahia, onde está também a
maior concentração de recifes de coral do Atlântico Sul. O Banco dos
Abrolhos é o grande berçário das jubarte brasileiras.
A jubarte é conhecida como baleia cantora, pois os machos cantam
durante o período de reprodução para atrair as fêmeas e também para
afastar outros machos. Após uma gestação de perto de 11 meses, nasce um
único filhote, medindo de 4 a 4,5 metros de comprimento e pesando cerca
de 1 tonelada. Nos primeiros meses de vida, o filhote é completamente
dependente da mãe para amamentá-lo e protegê-lo do ataque de tubarões e
orcas, seus grandes predadores.
Mas a maior ameaça já enfrentada foi a caça durante os séculos XIX e
XX. Uma jubarte adulta pode chegar a 16 metros de comprimento e pesar 35
toneladas. Cerca de 30% desse peso é constituído de gordura, que foi
muito utilizada no século XIX para iluminação pública e como
argamassa na construção de casas. Calcula-se que existiam mais de 220
mil animais apenas no Hemisfério Sul antes da caça. Em 1966, porém,
quando a caça da espécie foi proibida, restava menos de 10% da
população. No Brasil, estima-se que existam entre 25 mil e 30 mil
baleias-jubarte, mas no fim da década de 1960 restavam menos de mil
desses cetáceos em nossas águas. A maior parte das jubartes brasileiras
foi caçada quando elas estavam em áreas de alimentação, mas também houve
caça nos locais de reprodução.
Passeio recorde
Em 1983, quando foi criado o Parque Nacional Marinho
dos Abrolhos, não se conhecia quase nada sobre as jubartes. Somente com
a implantação do Parque descobriu-se que elas visitavam
regularmente aquela região. Iniciou-se assim um trabalho de pesquisa
sobre a espécie que segue até hoje. Algumas questões básicas
que intrigavam os pesquisadores eram: qual o tamanho da população das
baleias e qual a área de sua ocorrência? Não se sabia para onde elas
migravam quando deixavam o Brasil nem quantas existiam.
As jubartes possuem um padrão de manchas na parte de baixo de sua
nadadeira caudal que é única em cada indivíduo e serve para
identificá-las, como nossas impressões digitais. Ao se fotografar a
cauda, quando elas mergulham, consegue-se identificar os indivíduos. As
primeiras fotos foram feitas em 1989 e hoje existem mais de 4 mil
indivíduos identificados. Algumas baleias são conhecidas e reavistadas
há mais de 20 anos. Por meio da comparação de fotos feitas em Abrolhos
com imagens registradas por pesquisadores, foi possível descobrir que as
jubartes migram de Abrolhos para a região das ilhas Geórgia do Sul e
Sandwich do Sul, percorrendo uma distância de cerca de 4 mil
quilômetros.
Com a continuação desses estudos, também foram descobertos outros
casos curiosos. Uma jubarte registrada em Abrolhos foi fotografada dois
anos depois por um turista em Madagáscar, no Oceano Índico, com
a população da costa leste da África. Isso representa o recorde mundial
de migração de um mamífero, pois a distância mínima a ser percorrida
entre os dois locais é de quase 10 mil quilômetros. Outro caso foi o de
uma jubarte do Equador que deixou o Oceano Pacífico e foi encontrada em
Abrolhos, mostrando que o contato entre as populações da espécie no
Hemisfério Sul pode ser mais comum do que se imaginava.
Para descobrir quantas jubarte frequentam o litoral do Brasil e qual a
sua distribuição exata, em 2001 os pesquisadores passaram a realizar
sobrevoos ao longo da costa. São percorridas linhas
previamente estabelecidas desde o Rio Grande do Norte até o Rio de
Janeiro. Dois observadores seguem nas janelas e, ao avistarem as
baleias, registram a posição do avião, quantos animais foram vistos e o
ângulo vertical. Com essas informações e usando trigonometria, é
possível marcar a posição que os animais estavam, construir mapas com
sua distribuição ao longo da costa e estimar o tamanho da população.
A boa notícia é que a população de baleias-jubarte vem aos poucos
crescendo e se recuperando dos anos de caça. As primeiras estimativas,
em 2002, apontavam para cerca de 3 mil baleias. Dez anos depois,
o número pulou para, aproximadamente, 15 mil indivíduos na costa do
Brasil. Ainda é um total baixo perto do que existia antes da caça, mas
já é um bom sinal.
Contribuíram para a recuperação as medidas de proteção adotadas, como
a criação do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, as regulamentações
que controlam a aproximação de barcos das baleias e a restrição à
prospecção de petróleo na Bahia e no Espírito Santo no período em que
elas estão no Brasil.
Mais encalhes
Mas, apesar disso, as jubarte enfrentam outras
sérias ameaças. O atropelamento por navios e o encalhe acidental em
redes de pesca são problemas que tendem a se tornar mais frequentes com o
crescimento do número de baleias. Além disso, a degradação do ambiente
marinho e as mudanças climáticas globais podem impactar a saúde da
população. Para entender esses problemas são feitos estudos com
animais encalhados nas praias. Um caso de sucesso foi uma jubarte
encalhada em Ubatuba, no litoral de São Paulo, em 2000, que foi
resgatada por pesquisadores da região. Esse mesmo animal foi encontrado
oito anos depois em Abrolhos, comprovando o sucesso do resgate.
Em média, todos os anos, encalham perto de 37 jubarte no Brasil, e a
maior parte já chega morta às praias. Em 2010, esse número quase
triplicou, chegando a 96 encalhes. Há fortes indícios de que
as mudanças climáticas afetaram a oferta de krill naquele ano na região
da Geórgia do Sul, causando o aumento da mortandade no Brasil.
Embora as jubarte ainda enfrentem desafios, a população segue
crescendo, voltando todos os anos ao Brasil para reproduzir, dando
esperança de que seu canto continue sendo ouvido pelos mares por muitos
anos.
Milton Marcondes Diretor de Pesquisa do Instituto Baleia Jubarte
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