Com base em estatísticas que demonstram
as altas taxas de reprovação dos alunos brasileiros, o MEC, com mais uma
proposta de “tapar o sol com a peneira” decidiu recomendar a todas as
escolas a aprovação automática nos três primeiros anos do ensino
fundamental. Segundo Edna Martins Borges, coordenadora-geral do Ensino
Fundamental da secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação,
“O Conselho espera que o Brasil deixe, daqui a alguns anos, de reprovar
em todas as séries do ensino fundamental (…) pois ser reprovada faz com
que interrompa o sucesso escolar que poderia ter (…) a reprovação é uma
das responsáveis pelo aluno abandonar o colégio”.
Alguns especialistas e uma professora
foram consultados, mas nenhum deles foi tão duro quanto deveria ser.
Estamos falando em retirar a autoridade do professor de decidir quem
está ou não apto a avançar para outra etapa escolar.
Em primeiro lugar, como já pude me
posicionar em artigos anteriores, não sou a favor da reprovação. No
entanto, aprovar um aluno sem que ele esteja em reais condições de
acompanhar a série posterior é mais danoso do que impedi-lo. Vamos falar
em realidade? O que ocorre é que, quando se promove a aprovação
automática do 1º ao 5º ano, recebe-se alunos analfabetos no 6º ano,
apenas transferindo a responsabilidade de ensinar a ler, a escrever, a
somar e diminuir ao professor do segundo segmento, que não foi preparado
para isso. Quando tal programa é estabelecido em todo o Ensino
Fundamental, como fez por um tempo a cidade do Rio de Janeiro, os alunos
chegam ao Ensino Médio semi-analfabetos, mais uma vez jogando a
responsabilidade para professores que deveriam receber um aluno capaz de
interpretar e construir textos, utilizar o pensamento racional e
crítico e relacionar o seu aprendizado com o mundo em que vive. Pergunte
a qualquer professor de faculdade se a cada ano que passa não fica mais
complicado dar aula para universitários completamente mal preparados. A
aprovação automática só deixará esta situação ainda mais desastrosa.
Em segundo lugar, mais uma
mentira contada pelos defensores desta prática é a de que a reprovação
provoca a evasão escolar. Falácia! Quero que me mostre uma pesquisa
séria fazendo esta relação. Não existe! Sabe o que acontece? Chega-se a
conclusão fantástica de que os alunos que saem da escola, em sua
maioria, são repetentes. Pois bem, isso quer dizer obrigatoriamente que
eles abandonaram por causa da reprovação? Se fizermos um pouquinho de
esforço em tentar outra interpretação veremos que a reprovação é parte
do processo de evasão, e não a sua causa. Os alunos que têm mais
dificuldade em “passar de ano” e, consequentemente, acabam ficando na
lista dos repetentes, são os que não têm uma estrutura familiar propícia
para o estudo (têm que ajudar os pais trabalhando, por exemplo) e/ou
aqueles que não conseguem achar um sentido em estar na escola (este
processo acelera-se na medida em que a nossa sociedade valoriza e dá
destaque aos que conseguem sucesso na vida com seus talentos natos –
atletas, cantores, modelos etc.).
Que aluno se entusiasma em estudar,
fazer uma faculdade, tornar-se professor e receber menos do que a sua
mãe ganha como diarista?
Na verdade, a reprovação acontece
paralelamente ao processo que mencionei acima. Quando o aluno decide
(levando em conta o abandono voluntário) sair da escola é porque já está
com a cabeça fora dela. Passar de ano ou não é apenas um detalhe.
Prove-me do contrário com dados concretos!
Não preciso ir longe para
encontrar um testemunho do que acabei de falar. Eu mesmo já evadi da
escola. Tinha mais ou menos 16 anos, vivia dentro de um furacão familiar
(na perspectiva de um adolescente, é claro) e ia para a escola por ir,
talvez mais para sair de casa e ficar com os amigos do que
verdadeiramente para estudar. Nunca repeti de ano, pelo contrário, era o
melhor da sala. Mesmo assim, pedi ao meu pai para abandonar o colégio.
Anos mais tarde, o desprezo pelos estudos se transformou na esperança de
alcançar uma posição digna para sustentar a minha filha. Voltei a
estudar quando encontrei sentido em fazê-lo. Eu sou apenas um exemplo.
Sei de muitos casos como o meu.
Resumindo, esta conversa de
aprovação automática é típica de pessoas que não conhecem o universo da
sala de aula. Faço minha as palavras do professor de políticas públicas e
formação humana da UERJ, Gaudêncio Frigotto. Ele diz que “não adianta
as crianças terem o direito de passar, se não têm o direito de
aprender”.
Demonstra verdadeiramente as reais intenções do poder público
como um todo quando se fala em educação. O que importa para eles é ter o
aluno na escola (melhorando os números e índices, somente eles), não
importa como, no menor número de anos possível. Ao mesmo tempo em que
podem vangloriar-se de ter todas as crianças na escola, evitando o seu
aliciamento pelos bandidos e sua exposição às drogas (como se 4 horas no
colégio evitasse isso! Brincadeira!), podem cortar os custos com a
educação. Isso porque para cada aluno reprovado existe um aluno novo a
menos na rede de ensino. Isso representa menos verba para o
Município/Estado. E se tem uma coisa que político gosta é verba para
gastar.
Enfim, para evitar frases toscas do tipo “se for proibir reprovar, as pessoas serão obrigadas a ensinar” (dita por Vitor Henrique Paro, professor da Faculdade de Educação da USP) que os professores têm que reagir a este tipo de iniciativa que só nos enfraquece. Além do mais, a respeito desta frase, a experiência dentro das escolas nos permite dizer que pelo contrário, os professores mais medíocres são aqueles que aprovam todos os alunos, são aqueles que são incapazes de cobrar o que não tem a capacidade de ensinar e tem medo que os baixos índices de aprovação lancem holofotes sobre o seu trabalho.
São estes professores que irão
adorar esta ideia. Para os que realmente se interessam pelo aprendizado
dos alunos e primam pela qualidade da educação, a aprovação automática é
desestimuladora.
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