Professor pueril, sociedade vingativa
As estatísticas da UNESCO são claras: o 
salário do professor brasileiro que ensina nas primeiras cinco séries da
 escola fundamental é o terceiro pior do mundo. No ensino médio, somos o
 sétimo pior do mundo.  
Somos uma economia potente e, no entanto, estamos
 cada vez mais incultos porque pagamos mal o professor e, com isso, 
sucatemos a nossa escola básica. Realizamos essa proeza por conta de um 
percurso ininterrupto, da Ditadura Militar (1964-1985) até os dias de 
hoje. Os salários ruins tornaram a carreira do magistério para a escola 
básica alguma coisa que sobra apenas para desqualificados e/ou 
abnegados, e então temos um ensino péssimo que, na mensuração 
internacional, passa pela mesma humilhação da mensuração salarial. 
Os salários de um professor brasileiro, 
em média (incluindo aí a rede privada!) são cinco vezes menores que os 
dos professores da Europa, Estados Unidos e Japão.  O professor do 
ensino fundamental, na cidade de São Paulo, recebe em média US$ 10,6 mil
 por ano. Isso é 10% do salário de um professor na Suíça. O salário 
anual médio de um professor brasileiro é de US$ 4.818. No Uruguai e na 
Argentina esse número dobra: US$ 9.842 e US$ 9.857. O mais significativo
 é que os professores brasileiros têm renda abaixo do Produto Interno 
Bruto (PIB) per capita nacional. Além disso, em comparação com países 
desenvolvidos ou emergentes, as salas de aula brasileiras possuem muito 
mais alunos. A média da relação professor/aluno do Brasil, no ensino 
primário, é a sexta maior do mundo: 28,9. No ensino médio o número é 
38,6, uma das maiores entre todos os países com economia desenvolvida 
e/ou emergente.
Por que isso não muda? No “Dia do 
Professor”, olhando as redes sociais e jornais, ocorre um fenômeno 
parecido que, se bem observado, nos dá alguma pista.
As mensagens de congratulações aos 
professores e, de certo modo, entre os professores, mostram bem a 
mentalidade do brasileiro quanto à profissão do magistério. A maioria 
das mensagens se parece muito com aquelas dos anos sessenta, que os 
próprios professores ensinavam as crianças a elaborar para colocar em 
cartões que deveriam ser entregues no Dia das Mães (ou Dia dos Pais). 
São mensagens que misturam religião, auto-ajuda ou frases do tipo “a 
situação do professor é difícil, mas somos resistentes e insistentes – 
Parabéns pelo nosso dia”. Não é coisa séria. São infantilidades. E de 
péssimo gosto!
Nossa sociedade é incapaz de sair do 
buraco em que se meteu após os anos sessenta, quando de reforma em 
reforma educacional fomos destruindo a profissão de professor e 
sucateando a escola pública básica e, agora, já há vinte anos, também a 
particular. Tudo que fizemos foi enaltecer essa infantilidade que os 
professores, mal ou bem, disseminaram principalmente em datas 
comemorativas, cívicas etc., mas também no cotidiano regular das aulas. O
 Brasil não trata os professores seriamente. Responde com um tipo de 
sarcasmo meio que inconsciente a atitude pueril da escola, simbólica e 
significativamente estampada nas datas cívicas. O que quero dizer com 
isso? Explico!
Os professores sempre amenizaram a vida 
do brasileiro quando contada na escola. Contaram para o brasileiro a 
história de um país de mentira, “sem terremoto, com um solo eternamente 
fértil, sem guerras e revoluções, sem grandes traumas, sem racismo, sem 
violência urbana, sem chacina rural e urbana dos mais pobres e mais 
pretos; um lugar onde todo pobre poderia sempre ter a ajuda do rico e 
ser alguém na vida”. Os professores contaram essa fábula para todos os 
alunos. Estes, uma vez vendo que a vida não era assim e que esse Brasil 
nunca existiu, tornando-se adultos passaram a desconsiderar a escola. 
Ela não podia ser levada a sério. Os professores não podiam ser levados a
 sério se acreditavam naquilo tudo que contavam. Como fazer pressão nos 
governantes para ter uma política educacional boa se a escola não é um 
lugar de coisa séria, verdadeira? Os professores sempre se apresentaram,
 principalmente após os anos sessenta, como babás meio toscas, que 
compravam cartolina para que cada uma recortasse um coração e entregasse
 para o pai que, vítima do racismo, da pobreza, do álcool e das igrejas,
 espancava diariamente a mãe! O aluno obedecia, mas mais ou menos 
pensava, em silêncio: “esse professor não é bom da cabeça, o mundo em 
que ele vive não existe, ele parece uma criança!”. Como escrever as 
bobagens doces dos professores na cartolina para entregar para pais 
pobres, metidos em enrascadas diárias, ou pais de classe média que nem 
os viam, pois estavam esgoelando em seus escritórios para tentar não 
deixar faltar em casa a última Barbie para seus rebentos?
Os professores universitários e os 
professores do ensino médio escaparam um pouco desse mundo. Ao menos 
durante um tempo. Mas tendo todo o magistério superior também se tornado
 feminino, após os anos oitenta a universidade, principalmente nas áreas
 de formação de professores, ganhou o ar pueril da escola fundamental. A
 trajetória do Curso Normal mostra bem isso: era um curso que puxava a 
escola para a vida adulta, mas tendo se transformado no Curso de 
Pedagogia de hoje, fez o inverso, tem puxado a universidade para a 
infantilização. Todos os estudantes de magistério de áreas científicas 
têm horror de fazer matérias em suas universidades nas suas respectivas 
faculdades ou institutos de educação. “Aquilo não é sério”, dizem. No 
meu tempo de graduação as matérias “da educação” eram as “perfumarias”. O
 clima pueril invadiu a universidade pela área educacional. Professoras 
com vocação materna exagerada criaram a regra de ouro dos “departamentos
 de educação”: “passe a mão na cabeça do estudante, principalmente se 
ele tiver cara de pobre” ou já for “um professor da rede”. A mesma 
mentalidade protetora e fantasiosa da escola básica transmutou-se no 
populismo barato, rasteiro e perversamente maternal da universidade, 
reservando para tal atitude maligna o espaço das faculdades ou 
institutos de educação.
A sociedade brasileira viu na escola 
esse cultivo da fantasia. Viu no professor não um profissional, mas um 
“tio” ou uma “tia”. Não um trabalhador, mas alguém que “dá aulas”. Não 
uma pessoa capaz, mas alguém que foi ensinar exatamente porque não 
conseguiu realizar ele próprio o que o ensino capacitaria. Como ser 
governante e subir salários “dessa gente”, que no fundo fica o dia todo 
“brincando com criança” ou “se divertindo com a fantasia dos jovens”? Há
 preconceito da sociedade nisso. Mas há também conceito. Pois, de fato, a
 partir dos anos sessenta fomos cada vez mais fazendo da atividade de 
ensino alguma coisa antes parecida com o paraíso da brincadeira sem 
graça do que o cultivo do lúdico necessário a todo animal inteligente.
Moldamos assim a silhueta do professor 
para a nossa sociedade e, desse modo, criamos as condições para que essa
 mesma sociedade deixasse de lado o professor e a escola. Por isso 
mesmo, quase todos nós louvamos a chamada “escola da vida” em detrimento
 do ensino formal escolar. A maioria de nós dá pouco ou nenhum valor 
para seus professores e insiste dizer que é um autodidata. Aliás, em 
nenhum lugar do mundo há tanta valorização do autodidatismo como no 
Brasil. O brasileiro tem vergonha de dizer que não sabia e que aprendeu 
de fato com o outro, com o professor. Ele prefere até dizer que aprendeu
 “na rua”, ouvindo “o povo”. Pois ele vê seriedade nisso, mas não na 
escola. Ela é cor de rosa demais para ser levada a sério. Mesmo agora, 
quando impregnada pela violência urbana, ela não muda, continua 
moralista e busca de toda maneira se ausentar da vida social. Censura o 
palavrão, mas não censura mais a palavra errada saída do português ruim 
do aluno! A escola pode ser pintada de vermelho de sangue, mas vai 
continuar pedindo a cartolina para fazer o coração para o Dia das Mães, e
 vai continuar dizendo que Tiradentes ou era um dentista maluco ou era 
um “idealista” e que, enfim, “isso faz tanto tempo” que não “tem tanta 
importância”. A maneira de comemoração das datas cívicas diz tudo da 
mentalidade do professor, da escola, e o modo como ambos se 
caracterizaram diante da sociedade.
A pior coisa que poderia acontecer a um 
profissional aconteceu com o professor: ele não foi tomado como um 
profissional, mas como um amador. Aliás, literalmente, pois sua 
profissão não é ensinar, é amar. Mas amar, nesse caso, no sentido que 
uma garota de nove anos, nos anos cinquenta, imaginava que era o amor!
Na escola pode faltar de tudo. Só não 
pode faltar amor. E como toda professora cultiva isso e aplaude o 
governante que repete o refrão do amor, a sociedade olha para esse mundo
 e conclui: “são crianças, não sabem o que fazem”. E se são crianças, 
que continuem no faz-de-conta. São como que irmãozinhos mais velhos 
cuidando dos mais novos – pensa a sociedade. Assim, não se pode deixar 
de construir uma ponte (desmatando um lugar) para usar esse dinheiro em 
um mundo de gente pueril, a escola, um lugar de professores, ou seja, de
 crianças que brincam com crianças, que tomam conta de crianças. Seria 
gastar mal o dinheiro público se assim fizéssemos. Essa mentalidade é 
estampada nas mensagens do “Dia do Professor”, ao menos para quem sabe 
ler nas entrelinhas ou, às vezes, escancaradamente, nas linhas mesmo.
 
 
2 comentários:
Estou chocada com a misoginia desse senhor! No seu texto a mulher é a culpada por todas as mazelas do magistério.
Discurso medieval, estava demorando jogar nas costas femininas mais essa culpa! Esse tipo de análise só serve para desviar a atenção dos verdadeiros responsáveis por esse caos.
Graça, leia os comentários no artigo original e vc vai entender que ele não culpa as mulheres...mas sim, como a sociedade e os governos tratam a educação! http://ghiraldelli.pro.br/2012/10/15/professor-pueril-sociedade-vingativa/
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