Todas as crianças são iguais, mas algumas são mais iguais que as outras
Michael Gove, ministro da Educação do Reino Unido, é um conservador. Faz
parte do gabinete do premiê David Cameron. Não há nele, portanto,
nenhum resquício do que o PIB (o Perfeito Idiota Brasileiro)
classificaria de esquerdismo.
Considere, diante disso, o que Gove disse a respeito da mobilidade
social entre os britânicos. Gove colocou o foco na educação. Apenas 7%
dos britânicos são educados em escolas privadas. São os filhos das
famílias ricas, é claro.
O que acontece, então? Os alunos saídos das escolas particulares têm,
na vida adulta, imensa vantagem sobre os demais. “Mais do que em quase
todo país desenvolvido, na Inglaterra o berço dita o progresso da
pessoa”, disse Gove. “Aqueles que nasceram pobres provavelmente
permanecerão pobres e aqueles que herdaram privilégios provavelmente
transmitirão os privilégios a seus filhos. Para aqueles de nós que
acreditam em justiça social, esta estratificação e esta segregação são
moralmente indefensáveis.”
Justiça social? Nosso PIB tremeria diante dessa expressão de
comunistas ateus que comem criancinhas e amordaçam a “imprensa crítica”,
para usar a nova e engraçada expressão usada pela Folha de S. Paulo. E
correria para ler o que Reinaldo Azevedo diz sobre “justiça social”,
para se sentir protegido e reassegurado em suas convicções.
Mas atenção. Michael Gove é, repito, conservador, exclamação.
Jornalista de formação, articulista do Times, de Murdoch, Gove é 100%
capitalista.
CAPITALISTAS
Mas, ao longo da história, muitas vezes homens públicos liberais como
Gove se viram na obrigação de defender o capitalismo dos capitalistas.
Ted Roosevelt, presidente americano do começo do século 20, foi um
caso clássico. Ele inaugurou a chamada Era Progressista, nos Estados
Unidos, ao longo da qual os monopólios foram desfeitos e os direitos dos
trabalhadores e dos negros começaram a ser afirmados. Seus amigos magnatas reclamaram dele, e Roosevelt lamentou, certa
vez, que eles não percebessem que ele estava agindo em benefícios dos
queixosos mesmos, para evitar transtornos sociais que poderiam levar à
esquerdização do país.
O Instituto Millenium, reduto da vanguarda do atraso nacional,
poderia ouvir Michael Gove. O Millenium, uma espécie de Tea Party
caipira, fala em meritocracia, mas como você pode falar nisso, sem cair
no ridículo, quando você vive num país cuja transmissão de privilégios
pela via da educação em escolas privadas é muito maior do que aquela
descrita pelo ministro da educação da Inglaterra?
Considere agora. Onde está esse debate no Brasil? Me refiro à
perpetuação de privilégios pelo berço e pela escola, e pela intrínseca
negação à meritocracia encerrada nela?
Em nenhum lugar? Talvez fosse o momento então de iniciá-lo.
Paulo Nogueira Diário do Centro do Mundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário