sábado, 3 de novembro de 2012

Taallam au takub ála arrame *


Aprende a escrever na areia *

Dois amigos, Mussa e Nagib, viajavam pelas extensas estradas que circundam as tristes e sombrias montanhas da Pérsia.  Ambos se faziam acompanhar de seus ajudantes, servos e caravaneiros.

Chegaram, certa manhã, bem cedo, às margens de um grande rio, barrento e impetuoso, em cujo seio a morte espreitava os afoitos e temerários.  Era preciso transpor a corrente ameaçadora.

Ao saltar, porém, de uma pedra, o jovem Mussa foi infeliz.  Falseando-lhe o pé, precipitou-se no torvelinho espumejante de águas em revolta.

Teria ali perecido, arrastado para o abismo, se não fosse Nagib.  Este, sem um instante de hesitação, atirou-se à correnteza e, lutando furiosamente, conseguiu trazer a salvo o companheiro de jornada.

Que fez Mussa?

Chamou, no mesmo instante, os seus mais hábeis servos e ordenou-lhes que gravassem na face mais lisa de uma grande pedra, que perto se erguia, esta legenda admirável:  Viajante!  Neste lugar, durante uma jornada, Nagib salvou heroicamente seu amigo Mussa.
 
Isso feito, prosseguiram, com suas caravanas, pelos intérminos caminhos de Alá.

Alguns meses depois, de regresso às terras, novamente se viram forçados a atravessar o mesmo rio, naquele mesmo lugar perigoso e trágico.  E, como se sentissem fatigados, resolveram repousar algumas horas à sombra acolhedora do lajedo que ostentava, bem no alto, a honrosa inscrição.

Sentados, pois, na areia clara, puseram-se a conversar.  Eis que, por motivo fútil, surge, de repente, grave desavença entre os dois companheiros.

Discordaram.  Discutiram.  Nagib, exaltado, num ímpeto de cólera, esbofeteou brutalmente o amigo.  Que fez Mussa? Que farias tu, em seu lugar?

Mussa não revidou a ofensa.  Ergueu-se e, tomando tranquilo o seu bastão, escreveu na areia clara, ao pé do mesmo rochedo:  Viajante! Neste lugar, durante uma jornada, Nagib, por motivo fútil, injuriou gravemente o seu amigo Mussa.

Surpreendido com o estranho proceder, um dos ajudantes de Mussa observou respeitoso:

- Senhor!  Da primeira vez, para exaltar a abnegação de Nagib, mandastes gravar, para sempre, na pedra, o feito heroico.   E agora, que ele acaba de ofender-vos tão gravemente, vós vos limitais a escrever na areia incerta o ato de covardia!  A primeira legenda, ó xeque, ficará para sempre.  Todos os que transitarem por este sítio dela terão notícia.  Esta outra, porém, riscada no tapete de areia, antes do cair da tarde terá desaparecido como um traço de espuma entre as ondas buliçosas do mar.

Respondeu Mussa:

- É que o benefício que recebi de Nagib permanecerá para sempre em meu coração.  Mas a injúria... essa negra injúria... escrevo-a na areia, com um voto para que, se depressa daqui apagar e desaparecer, mais depressa ainda desapareça e se apague da minha lembrança!

" Assim é, meu amigo!  Aprende a gravar, na pedra, os favores que receberes, os benefícios que te fizeram, as palavras de carinho, simpatia e estímulo que ouvires.  Aprende, porém, a escrever, na areia, as injúrias, as ingratidões, as perfídia e as ironias que te ferirem pela estrada agreste da vida.

" Aprende a gravar, assim, na pedra; aprende a escrever, assim, na areia... e serás feliz!"

Malba Tahan (Mil histórias sem fim)

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