Pelo menos 95% das reservas mundiais desse mineral raro e estratégico estão no Brasil |
Dois litros de um novo biodiesel de origem mineral, com qualidade
testada e comprovada, estão nas prateleiras do Laboratório de Síntese e
Análise de Produtos Estratégicos (Lasape), do Instituto de Química da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Falta só o interesse das
indústrias para ser produzido em larga escala.No mesmo local, há mais de
dez anos, foi criada uma substância capaz de revelar resquícios de
sangue lavado de cenas de crime para dificultar as investigações. Mais
barata e vantajosa que o luminol original americano, a versão brasileira
é usada pelo Instituto de Criminalística Carlos Eboli, da Polícia Civil
do Rio de Janeiro.
“O produto também pode ser empregado contra infecção hospitalar
porque muitas bactérias se proliferam em partículas de sangue”, afirma o
farmacêutico Claudio Cerqueira Lopes, coordenador das pesquisas da
UFRJ.
Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisadores do
laboratório de Metalurgia e Solidificação do Departamento de Engenharia
de Materiais criaram uma prótese de quadril fabricada com uma liga
metálica que, além de mais barata e resistente, é totalmente
biocompatível. Isto é, o material não provoca reações inflamatórias e
alérgicas que levam o organismo a rejeitá-lo. “Quando o produto passar a
ser produzido em escala industrial, o país finalmente ficará
independente da tecnologia estrangeira”, explica o engenheiro e
pesquisador Éder Sócrates Najar Lopes.
As experiências das duas universidades públicas têm em comum o uso de
matérias-primas derivadas do nióbio, elemento químico raro em todo o
mundo. E abundante no Brasil. Encontrado na natureza em forma de
minerais, como a columbita e o pirocloro, é extraído, beneficiado e
negociado como concentrado mineral para utilização em usinas
siderúrgicas, que o adicionam a outros metais para obter ligas metálicas
com características físicas e químicas de interesse industrial.
Entre as indústrias que mais o empregam estão a espacial, nuclear,
aeronáutica, de petróleo e gás, bélica, da construção pesada e de
equipamentos médicos, como próteses e componentes para aparelhos de
ressonância magnética e tomografia.
Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), o Brasil concentra
mais de 95% das reservas mundiais, embora outras fontes estimem em até
98%. Em 2010, a produção do concentrado do minério alcançou 63 mil
toneladas, além de 53 mil toneladas de uma liga de ferronióbio, das
quais 45 mil foram exportadas ao valor de US$ 1,56 bilhão.
No mesmo período, 4 mil toneladas de óxido de nióbio foram
produzidas, das quais foram exportadas 1.500, a US$ 44 milhões. O
segundo maior produtor mundial é o Canadá, com 1,5%. Os preços são
negociados entre comprador e vendedor e, geralmente, são confidenciais.
Com base em dados do British Geological Survey, órgão do governo
britânico de pesquisas em geociências, o ministério informa que, em
2007, os valores do ferronióbio variavam entre US$ 12 e US$ 14 o quilo.
Em fevereiro de 2011, devido ao aumento da demanda por esse metal, o
quilo do ferronióbio esteve em torno de US$ 40.
Reservas ameaçadas
O Plano Nacional de Mineração 2030, que norteia as políticas de médio
e longo prazo, estima um crescimento de 5,1% para o mercado interno e
3,8% para o mercado externo. As principais reservas minerais estão
localizadas nos municípios de Itambé (BA), Itapuã do Oeste (RO), Catalão
e Ouvidor (GO), Araxá e Tapira (MG) e Presidente Figueiredo e São
Gabriel da Cachoeira (AM). A de São Gabriel, a maior, esteve na mira do
governo de Fernando Henrique Cardoso. Em 1997, houve a intenção de
vender, por R$ 600 mil, a reserva capaz de abastecer todo o consumo
mundial por mais de mil anos.
O minério também pode ser encontrado no nordeste de Roraima, na terra
indígena Raposa Serra do Sol. Conforme o ministério, não há informações
sobre novas minas que passarão a produzir.
A maior mina em operação atualmente é a da Companhia Brasileira de
Metalurgia e Mineração (CBMM), em Araxá, que processa, fabrica e vende.
Cerca de 75% do nióbio usado em todo o mundo é produzido ali.
Desde os anos 1950, quando foi criada, a CBMM era controlada pelo
grupo Moreira Salles – uma rede de empresas com participação do capital
estrangeiro –, que controlava o Unibanco, incorporado em 2008 pelo Itaú.
Nos últimos anos, porém, 15% das ações da companhia foram vendidas para
chineses, japoneses e coreanos, grandes consumidores de nióbio, que
assim deixaram para trás o risco de depender de um único fornecedor.
Um parêntese: os americanos, que dependem do nióbio brasileiro, têm
pequenas minas no estado de Nebraska, com pureza de 0,5% – enquanto a do
minério brasileiro chega a 2%. Mesmo assim, aprovaram recentemente uma
lei que autoriza nova varredura no próprio subsolo em busca de reservas
mais robustas. Segundo o site da CBMM, um contrato com a Companhia de
Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) prevê a
transferência de 25% de participação operacional nos lucros ao governo
de Minas Gerais. A empresa tem subsidiárias na Holanda, Cingapura e
Estados Unidos.
O segundo maior produtor brasileiro é a Mineração Catalão, na cidade
de mesmo nome em Goiás. É controlada pela Anglo American, um dos maiores
grupos de mineração e recursos naturais do mundo, que opera desde 1976.
O ferronióbio produzido ali é exportado para Europa, América do Norte e
Ásia. A empresa vendeu 4 mil toneladas em 2010 e cogita ampliar a
produção.
Até a década de 1970, o Brasil exportava apenas o concentrado do
minério, de pouco valor agregado. Em busca de tecnologia para
processamento do mineral e sua valorização, o então Ministério da
Indústria e Comércio criou o Projeto Nióbio, em parceria com a CBMM. A
empresa fornecia o minério e pagava os salários de quase uma centena de
pesquisadores chefiados por Daltro Garcia Pinatti, do Instituto de
Física da Unicamp. O governo custeou instalações e equipamentos.
O engenheiro Hugo Ricardo Sandim, professor da Escola de Engenharia
de Lorena (EEL), no interior de São Paulo, participou do projeto. Ele
conta que em 1978, quando a instituição ainda não estava incorporada
pela Universidade de São Paulo (USP), teve início a construção do
laboratório. Hoje desativadas, as instalações ainda preservam o forno de
feixe de elétrons importado da Alemanha, que já foi o mais moderno do
mundo e processou 120 toneladas de nióbio, cujas amostras foram
exportadas para Japão, Estados Unidos e Alemanha, entre outros países.
“Além de formar mão de obra qualificada, o projeto forneceu material
para diversos laboratórios estrangeiros estudarem mais sobre o potencial
do nióbio”, conta Sandim.
Desperdício
O Projeto Nióbio é o esforço máximo empreendido no Brasil em busca de
tecnologia para valorizar um mineral abundante no país e praticamente
inexistente naqueles que dele dependem. “O nióbio vai além do luminol,
do biodiesel e das ligas especiais”, afirma Claudio Cerqueira Lopes, da
UFRJ, que tem em seu laboratório várias teses a partir de pesquisas com
nióbio que poderiam ser transformadas em produtos de alto valor
agregado. “Temos de desenvolver tecnologias que transformem nossas
matérias-primas abundantes em riqueza. Se não criarmos políticas para
isso corremos o risco de ficar eternamente exportando barato
commodities, como o nióbio, e importando produtos caros feitos com ele e
dependentes de tecnologia externa.”
Para Adriano Benayon, ex-diplomata e professor de Economia aposentado
pela Universidade de Brasília (UnB), o fato de o Brasil ter mais de 90%
das reservas de um material tão raro e estratégico e vendê-lo como
commodity, sem investir em tecnologias que agreguem valor, não é
diferente do que acontece com outras matérias-primas, como o quartzo,
usado em chip para computadores.
“Apesar de sua importância estratégica, o nióbio não é valorizado na
pauta de exportações brasileiras”, afirma. “Além disso, o governo recebe
apenas 2% do valor declarado dos minerais em geral, que, evidentemente,
muitas vezes é subfaturado. Para completar, a lei isenta os minérios de
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços”, explica.
Para se ter uma ideia do quão lucrativo deve ser o negócio do nióbio,
Benayon, que defende a estatização das reservas, lembra que os irmãos
Fernando Roberto, João, Pedro e Walther Moreira Salles, que ficaram com o
controle de apenas 20% da CBMM, figuram na lista dos mais ricos do
mundo, divulgada no começo de março passado pela revista Forbes. “O
curioso é que os quatro têm fortunas avaliadas em US$ 2,7 bilhões. Como o
Unibanco já vinha quase falindo, essa fortuna toda só pode ter vindo do
nióbio”, acredita.
Rede Brasil Atual
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