terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Netanyahu: homem forte com coração temeroso

O premier israelense fala duro sobre o Irã e a paz, mas às vésperas das eleições o povo se indaga: quem é ele?

Na última sexta-feira, Yuval Diskin, que até 2011 chefiou a agência de inteligência interna de Israel, Shin Bet, manifestou publicamente suas preocupações sobre o caráter do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que deverá ser reeleito com folga nas eleições gerais em 22 de janeiro. “No interior de Netanyahu está em jogo uma mistura de ideologia, a profunda sensação de que ele é um príncipe de uma ‘família real’ da elite de Jerusalém, juntamente com insegurança e um profundo medo de assumir responsabilidades”, queixou-se Diskin, não pela primeira vez. 

Netanyahu, ele acrescentou com ênfase, “não tem um núcleo forte, um caroço duro sobre o qual se possa dizer: ‘Sabe de uma coisa? Em uma situação extrema, em uma situação de crise, posso segui-lo. Posso confiar nele’”.

Diskin não é o único a suspeitar do que move Bibi, como o primeiro-ministro é conhecido. Pois apesar de sua constante popularidade entre grandes setores do eleitorado israelense Netanyahu, de 63 anos, continua sendo alguém cujas verdadeiras crenças e motivações são um tanto opacas e cuja autenticidade – ou ou falta de – há muito é discutida.

Ele foi acusado de ser “manipulador”, de “dobrar as regras” e de possuir uma “crença em si mesmo” tão forte que tem dificuldade para compreender como os outros podem ter opiniões contrárias. E como Netanyahu é visto fora de Israel e pelos israelenses é muito diferente. Se sua reputação no exterior é colorida por seu desejo de usar a força para desmantelar o programa nuclear iraniano, pela tragédia do conflito recente em Gaza e o novo surto de aprovações de assentamentos, tudo ocorrendo em um momento em que as liberdades civis sofrem ataques em Israel, seus conterrâneos o veem através de um prisma alternativo.
Premiê israelense mostrou "infográfico" sobre programa nuclear iraniano na Assembleia Geral da ONU
Avishai Margalit, um professor de filosofia e amigo íntimo do irmão de Netanyahu, o herói de guerra Yoni – morto no ataque em Entebbe para resgatar cem reféns israelenses em 1976 –, avaliou essa questão. “Há muito tempo se faz uma pergunta sobre Netanyahu: o que é falso e o que é real?”

“Eu divido as pessoas em três categorias”, explicou Margalit na semana passada, antes da intervenção de Diskin, mas, como o ex-chefe da inteligência, preocupado com o “caroço” de Bibi. “Há pessoas que são como cebolas, sem qualquer caroço. Depois há outras parecidas com abacates, que são em geral macias, mas têm caroço. Finalmente há as azeitonas, que são mais duras e quase só têm caroço. Netanyahu é mais como um abacate. Macio e um pouco assustado.”

Se essa é uma opinião surpreendente sobre um homem muitas vezes criticado por sua autoconfiança abrasiva, que supostamente gostaria de bombardear o Irã, é apenas um paradoxo em uma psicologia política muitas vezes contraditória. Pois, como Margalit admite, Netanyahu, que ele descreve como um “mitômano” inclinado a um sentimento de sua própria “grandeza”, possui crenças extremamente firmes sobre as questões que mais lhe importam.


A figura mais significativa em sua educação política, segundo Margalit, foi o pai de Netanyahu, Benzion, o historiador israelense e sionista do Grande Israel que morreu no ano passado sem jamais abandonar a ideia de que a maioria dos árabes – até os árabes israelenses – representam uma ameaça existencial para Israel. Para o filho, a noção de um Israel em perpétuo perigo é articulada em um duplo conjunto de convicções que ninguém duvida que ele defenda: a de que o Irã é uma ameaça existencial tão séria para o povo judeu quanto a Alemanha nazista, e que a Europa, em particular, deixa de compreender a ameaça que também enfrenta.

Tudo isso é embalado em um tipo curioso de conservadorismo. Pois enquanto Bibi foi descrito como um neoconservador norte-americano no estilo de Dick Cheney sobre a política econômica e sobre a primazia indiscutível de certos tipos de modelos políticos e culturais ocidentais, em outros assuntos ele é um conservador com “c” minúsculo, de um tipo muito mais antigo, ansioso para evitar mudanças e seus riscos.

Essa questão foi levantada pelo editor-chefe do jornal Haaretz, Aluf Benn, alguns dias atrás. “Netanyahu odeia o risco e gosta de se apresentar como um conservador. Seu slogan de campanha – ‘Um primeiro-ministro forte’ – é dirigido às pessoas que estão felizes com a situação atual e não veem necessidade de mudanças.”

Diante disso, porém, como notou Benn, há outra atração: a do militarismo. “O militarismo”, acrescentou Benn, “é o que separa o centro da esquerda e dos árabes contrários à guerra, e essa é a mensagem mais importante desta campanha eleitoral.”

Como indica Benn, em sua página no Facebook, Netanyahu, guarda fotos de jatos militares, de soldados e dele mesmo com comandantes das Forças de Defesa israelenses. As tarefas que ele se atribuiu para a reeleição são deter o “programa nuclear” do Irã e aumentar as forças militares de Israel, enquanto corta os gastos do governo.
Massacre em Gaza é o caminho trilhado por Netanyahu para a popularidade em Israel!
A questão da natureza do conservadorismo de Netanyahu foi complicada pela mudança do cenário político de Israel para a direita. O partido Likud de Netanyahu teve algo semelhante a um momento Tea Party no outono passado, enquanto Netanyahu enfrentava um desafio da direita, de seu ex-chefe de gabinete, Naftali Bennett, que criou seu próprio partido. Isso, diz Margalit, resultou em um momento à Mitt Romney, em que o primeiro-ministro israelense rumou firmemente para a direita, como sobre anúncios recentes relativos à nova construção de assentamentos ao redor de Jerusalém. Desde então Netanyahu se esforçou para retomar o curso – um de vários erros de cálculo durante a campanha.

A conselho do antigo assessor da campanha republicana americana, Arthur Finkelstein, o cérebro de sua primeira eleição em 1996, Netanyahu também apostou forte na coalizão que formou para a eleição de seu ex-ministro das Relações Exteriores ultranacionalista, Avigdor Lieberman, que então foi obrigado a desistir semanas antes da eleição, ao ser acusado de má conduta em cargo público. A consequência disso, e da aparição de surpresa de Bennett, é que os cerca de 45 assentos que Finkelstein prometeu que Netanyahu ganharia na fusão encolheram para 33 nas pesquisas. Tudo isso poucos meses depois de Netanyahu promover um conflito com Gaza que muitos acreditavam que o houvesse reforçado.

Talvez a resposta seja que as exigências da política israelense moldaram Netanyahu tanto quanto ele moldou o curso do país para a direita. Educado parcialmente nos Estados Unidos, onde viveu em diversas épocas, Netanyahu fez o serviço militar na unidade de elite Sayeret Matkal, a mesma que seu irmão estaria comandando na época de sua morte, em 1976. Voltando de um emprego como consultor administrativo em Boston, seu primeiro cargo em Israel foi a chefia de um instituto antitrerrorismo criado com o nome de seu irmão. Sua ascensão no partido Likud, em que ele entrou em 1988, foi rápida: elegeu-se primeiro-ministro, o mais jovem da história de Israel, pela primeira vez em 1996, depois do assassinato de Yitzhak Rabin no ano anterior.

Embora o primeiro mandato de Netanyahu só tenha durado três anos, chegando ao fim em meio a alegações policiais de corrupção e tráfico de influência – nunca levadas a tribunal –, as posições que ele assumiu então permaneceram.

Um crítico veemente do processo de paz de Oslo, ele se opôs a qualquer medida para ceder os bairros árabes de Jerusalém para uma futura capital palestina, assim como à implementação do processo de paz. Efraim Karsh, um historiador sionista revisionista que compartilha algumas das preocupações de Netanyahu, explica sua reabilitação política como o resultado da convergência com uma década de desilusão entre os eleitores israelenses com o processo de paz, depois da segunda irrupção da intifada em 2000.

Embora ele acredite que não se dê crédito suficiente a Netanyahu por fazer o Likud aceitar a solução de um Estado duplo – Netanyahu a endossou em 2009 e com ela se comprometeu recentemente –, ele afirma que Bibi se situa na mesma posição que a maioria dos israelenses em relação ao processo de paz.

“Enquanto a maioria dos israelenses quer uma solução de dois Estados, reconhecem [como afirmou Netanyahu] que não há um parceiro palestino para a paz e que ele não tem escolha.” Na frente doméstica, ele liderou uma das mais duradouras e estáveis coalizões de que há memória e conduziu o crescimento econômico em um período geralmente livre de ataques lançados da Cisjordânia. Enquanto os israelenses podem temer que estejam perdendo a discussão no plano internacional, é uma troca que, pelo menos por enquanto, estão dispostos a aceitar.

É um argumento levantado também pelo psicólogo Carlo Strenger, que escreveu um perfil psicológico de Israel. Um liberal a favor da solução de Estado duplo, enquanto se preocupa com a saúde da democracia israelense, ele acredita que a popularidade de Netanyahu é sintoma de uma crescente “dissonância cognitiva” em um eleitorado fortemente ligado à noção de que vive em um Estado democrático, mas preparada, como afirma Strenger, para “limitar a democracia quando se trata dos árabes e de críticas da esquerda a Israel”.

“É confuso”, ele disse ao Observer. “Mesmo as pesquisas recentes mostram que a tendência persiste. Dois terços dos israelenses apoiam a solução de dois Estados, incluindo a divisão de Jerusalém. Mas eu acho que a maioria dos israelenses está completamente desiludida com e alérgica à questão do processo de paz. Eles não querem ouvir falar nisso. Em parte porque a esquerda de Israel não foi capaz de responder à pergunta: Como um Estado palestino na Cisjordânia baseado nas fronteiras de 1967 seria diferente de Gaza?

“Os israelenses dizem: Pelo amor de Deus! Não podemos assumir esse risco, portanto é melhor estar em um padrão de convivência. Eles não veem Netanyahu como um direitista ideológico radical, mas como um hábil administrador de um conflito.” Strenger tem certeza: o conservadorismo com “c” minúsculo de Netanyahu e sua aversão a riscos não se aplicariam ao Irã se ele tivesse o apoio dos EUA ou recursos militares suficientes. “Se ele tivesse poder de fogo e cinco grupos de transporte, acabaria com o Irã amanhã. Ele é um conservador com ‘c’ minúsculo só por necessidade.”


O arquivo Netanyahu
Nascido em 1949 em Tel Aviv, filho do professor Benzion Netanyahu e sua mulher, Zila. Foi educado em Israel, em Harvard e no MIT. Serviu na unidade de elite Sayeret Matkal, no serviço ativo nas Forças de Defesa de Israel incluindo durante a guerra do Yom Kippur em 1973. Entrou na política israelense em 1988, depois de um período como embaixador de Israel na ONU, tornando-se primeiro-ministro em 1996.

Melhores momentos. Apesar de recuar da política israelense depois de seu primeiro período como primeiro-ministro em 1999, seu segundo período no cargo marcou uma das mais longas e estáveis coalizões na história política recente de Israel.

Piores momentos. A carreira política de Netanyahu quase foi interrompida em 1997, quando a polícia recomendou que ele fosse acusado de corrupção e tráfico de influência – um caso que nunca foi a julgamento e finalmente foi abandonado em 2009 por falta de provas.

Ele diz: “Ninguém sabe ainda o que aguarda os judeus no século 21, mas devemos nos esforçar totalmente para garantir que seja melhor do que o que lhes coube no século XX, o do Holocausto”.

Eles dizem: “Não apenas ele fez que a questão iraniana fosse o tema máximo, como foi quem criou a conexão tortuosa entre o Irã e o Holocausto, entre Mahmoud Ahmadinejad e Adolf Hitler. Tudo isso são claras manifestações da maneira messiânica como o primeiro-ministro vê o problema, dos lados iraniano e israelense”. – Avner Cohen, historiador.

Carta Capital

Nenhum comentário: