"Aqui procês do PiG, ó!" |
Quando Dilma Rousseff se vestiu para ir à festa de aniversário de 90 anos da Folha de S.Paulo,
logo depois de assumir a Presidência, em 2011, eu fui um dos poucos a
reagir publicamente na imprensa. Mesmo entre os blogueiros
progressistas, lembro apenas de outra voz dissonante a reclamar da
atitude servil da presidenta, a da historiadora Conceição Oliveira, do
blog “Maria Frô”. De resto, o gesto foi forçosamente saudado como um ato
de estadista, de representação formal do governo e do Estado brasileiro
junto a uma “instituição” nacional, no caso, o conservador diário
instalado na rua Barão de Limeira, na capital paulista. O mesmo diário
que, meses antes, estampara uma ficha falsa de Dilma na primeira página,
com o objetivo de demonizá-la como guerrilheira e assassina e, assim,
eleger o candidato do jornal, José Serra, do PSDB.
Não é difícil compreender, contudo, o que pretendia Dilma ao aceitar
fazer parte da noite de gala da família Frias. Terminada a Era Lula, a
presidenta se viu na contingência de criar uma rede própria de relações
na mídia, com quem imaginou ser possível firmar um acordo de civilidade.
Lula, a seu tempo, também caiu nessa esparrela. Mas nem a experiência
do governo anterior, nem as baixarias encampadas pela mídia na campanha
de 2010, ao que parece, foram capazes de convencer Dilma da inutilidade
desse movimento.
A mídia que aí está, protegida pelas cidadelas dos oligopólios e por
uma adestrada bancada parlamentar de vários níveis, nunca irá se
conciliar com um governo de cores populares, de ligações esquerdistas,
mesmo esse esquerdismo envergonhado do PT. Essa mídia tem como única
agenda a defesa do grande capital, do latifúndio e do liberalismo
econômico predatório regulado pelas forças do mercado. É uma mídia
constrangedoramente provinciana, mas absolutamente descolada da
realidade brasileira, ignorante da força dos movimentos sociais e
nutrida, cada vez mais, por jornalistas pinçados da mesma classe média
que acostumou a paralisar pelo medo. E, em muitos casos, por experientes
jornalistas cooptados pela perspectiva de visibilidade e uma
aposentadoria tranquila, às favas com os escrúpulos, pois.
Dilma, por sua vez, protege-se dessa discussão por trás do escudo da
“gerentona”, da presidenta voltada para a administração da
infraestrutura e da saúde econômica do país. Pouca ou nenhuma atenção dá
ao alvoroço golpista diuturnamente organizado, ainda que no modelo
cucaracha mais do que manjado aqui consolidado no esqueminha Veja-Jornal
Nacional-Folha-Estadão-Globo, com o suporte diário dos suspeitos de
sempre plantados nas trocentas colunas de opinião a serviço do
pensamento único ditado pela direita brasileira.
Foi preciso um tapa na cara dado, vejam vocês, pelo gentil Fernando
Henrique Cardoso para Dilma Rousseff, enfim, esboçar uma reação – e,
possivelmente, entender o que está se passando no país que existe além
da calçada do Palácio do Planalto e das planilhas sobre evolução da base
monetária. Resgatado temporariamente do esquecimento, FHC foi alçado ao
patamar de boneco de ventríloquo para falar o que nem mesmo a mídia, em
toda sua fúria conservadora, tinha tido coragem até então de por em
palavras: Dilma seria vítima de uma “herança pesada” de Lula.
Isso vindo de um presidente que quebrou o país três vezes, submeteu a
nação ao FMI, permitiu um apagão energético, foi reeleito graças à
compra de votos no Congresso e deixou o cargo com a popularidade no
rodapé.
Expor FHC ao ridículo e, ao mesmo tempo, incensá-lo com longos textos
laudatórios faz parte de um paradoxo recorrente na imprensa brasileira,
também descolada cada vez mais de um artigo de luxo: o jornalismo. A
capa da Veja com Marcos Valério de Souza, vermelho como um pobre diabo, a
acusar Lula é mais um movimento desesperado para interditar o
ex-presidente, justamente quando ele trabalha para eleger candidatos do
PT Brasil afora. O texto, baseado em frases atribuídas a Valério, ainda
que viesse mesmo da boca do publicitário mineiro, é parte de mais um
rito dessa polca golpista entoada por uma estrutura de comunicação
viciada e moribunda.
O mais curioso, no entanto, é a revelação feita pela Folha de S.Paulo
sobre os gastos oficiais de publicidade federal com essa mídia tão
liberal e amante da livre iniciativa: as Organizações Globo ficam com um
terço de todo o dinheiro do tesouro nacional disponível para
propaganda; as dez maiores empresas do ramo, com 70%. Ou seja, são
financiados para fazer panfletagem política de quinta categoria.
Sem essas tetas generosas do governo ao qual achincalham por
encomenda, todas essas portentosas instituições da imprensa nacional e
seus zelosos colunistas, estes, lacrimosos paladinos da liberdade da
expressão e do livre mercado, iriam à bancarrota. Todas, sem exceção.
Na semana passada, Dilma cancelou de última hora a presença em um
evento da revista Exame, a quinzenal de economia da Editora Abril, em
São Paulo. Alegou “motivos familiares”, mas já havia sido avisada da
patranha da Veja. Mandou o ministro Guido Mantega, da Fazenda, em seu
lugar. No meio do evento, Mantega se levantou e foi embora. No mesmo
dia, instigada pelos donos, a cachorrada hidrofóbica instalada no esgoto
da blogosfera se autoflagelou, histérica.
Já é um começo.
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