Risolia não sabe nada de educação!
Em
entrevista ao Globo News, o Secretário de Educação do Estado do Rio de
Janeiro, Wilson Risolia, na sexta-feira, dia 07.01.2011, anunciou as
cinco frentes de trabalho para a educação pública ao longo dos próximos
quatro anos. Em extensa matéria, sob o título Choque na Educação, o
jornal O Globo (08.10.2011, p. 14) detalha estas medidas.
Confessamos que ficamos estarrecidos pelo caráter economicista e tecnocrático, e pela superficialidade das medidas propostas.
As cinco frentes de trabalho apresentadas teriam como objetivo atacar
as questões pedagógicas, o remanejamento de gastos, a rede física, o
diagnóstico de problemas e os cuidados com os alunos. As medidas mais
destacadas, porém, foram a implantação de um regime meritocrático para a
seleção de gestores; a realização de avaliações periódicas; o
estabelecimento de metas de desempenho para balizar a concessão
diferenciada de gratificações aos docentes; e a revisão das licenças dos
8 mil professores em tratamento de saúde. Ou seja, medidas que reforçam
a ideia de que, no fim das contas, os profissionais da educação são os
responsáveis pelos problemas educacionais, resumidos, por sua vez, aos
baixos índices obtidos pela rede estadual no Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica (IDEB). Um exemplo da lógica de suspeição aí
implicada é a contratação de uma empresa privada para passar um pente
fino nas licenças médicas, sinalizando um duplo pré-julgamento: aos
profissionais de saúde que concederam a licença e aos próprios
professores que buscaram atendimento. Por certo, há implícita uma meta
de quantos destes não podem passar no pente fino e deverão, agora
saudáveis e motivados, voltar às salas de aula.
Trata-se,
portanto, de uma proposta que não vai ao fundamental e pega o pior
atalho: premiar quem chega às metas, metas imediatistas, de lógica
produtivista, que não incorporam medidas efetivas voltadas para uma
educação pública de qualidade. A lógica subjacente à proposta, que já
está sendo chamada de choque de gestão de administração, apenas trabalha
com dois conceitos fundamentais: forçar o professorado a produzir um
IDEB elevado, sem efetivamente melhorar as suas condições de trabalho, e
baratear o custo da educação adotando, de imediato, a meta conservadora
de economizar R$ 111 milhões dos gastos. Uma lógica tecnocrata que
reconhece somente cálculos de custos e de benefícios, que vê as pessoas
apenas como dados, destituídos de vontade e voz, indo de encontro às
próprias bases ideológicas liberais e neoliberais que ainda consideravam
o homem dotado de livre iniciativa, mesmo em sua forma de indivíduo,
homo economicus.
O espantoso é que a Secretaria de Estado do
Rio, com essa proposta, caminha visceralmente na contramão dos
encaminhamentos concluídos nas reuniões da Conferência Nacional de
Educação de 2010, do que foi acordado no novo Plano Nacional de Educação
e do que vem sendo discutido no Fórum Estadual em Defesa da Escola
Pública, há poucos dias instalado por dezenas de entidades ligadas à
educação, à cultura, aos movimentos sociais e às instituições de ensino e
científicas do estado do Rio de Janeiro. Mais que isso, em total
dissonância com a indicação que a Presidente da República, Dilma
Rousseff, fez em seu discurso de posse, para enfrentar o problema da
educação: reconhecer o professor como a autoridade pedagógica de fato e
de direito.
Mas só existirá ensino de qualidade se o professor e
a professora forem tratados como as verdadeiras autoridades da
educação, com formação continuada, remuneração adequada e sólido
compromisso com a educação das crianças e jovens. (Dilma Rousseff,
Discurso de posse, 01.01.2011).
Os debates e proposições aí
implicados vêm afirmando insistentemente que não se fará educação de
qualidade sem restituir às instituições plenas condições de
funcionamento, tornando-as atrativas e adequadas ao bom aprendizado dos
alunos; sem garantir, aos profissionais da educação, as condições de
trabalho que favoreçam o efetivo exercício da autoria pedagógica e da
atuação coletiva na construção do processo educativo escolar; sem dar
sustentação a cada escola para que ela se torne o lugar de uma
experiência participativa efetivamente capaz de ampliar seus sentidos
como instituição pública.
Ignorando os acúmulos desse debate, a
Secretaria aposta exatamente no seu contrário, impulsionando a
estandardização da rede estadual, por meio da subordinação de sua
organização e gestão pedagógica a critérios mercantis, e da sujeição de
suas instituições e profissionais a relações de disputa e concorrência.
A estandardização da educação, dura e seriamente questionada hoje por
vários setores da sociedade, camufla-se, comumente, por meio do discurso
do mérito, do desempenho, da competência e da eficiência, omitindo a
grave responsabilidade das próprias elites e do Estado, no Brasil, na
longa história de produção reiterada de uma escola precária para a
grande maioria da população. Caracteriza-se principalmente, no entanto,
pelo estabelecimento de mecanismos padronizados capazes de operar o
posicionamento diferenciado dos profissionais e das instituições,
reiterando a produção desigual da escola por meio da sua suposta
“modernização”.
A instituição de premiações, a contratação de
empresas gestoras de processos, o estabelecimento de mecanismos de
avaliação orientados para a produção de rankings, a instauração de
regimes de trabalho que associam a concessão de gratificações
diferenciadas à atuação de profissionais e instituições em processos
concorrenciais semelhantes a gincanas são exemplos dos mecanismos que
operam essa crescente diferenciação. Seus resultados são já bem
conhecidos: a intensificação do estabelecimento de regimes e estatutos
profissionais diferenciados; a desagregação do professorado em
decorrência da instauração de relações concorrenciais entre professores e
entre escolas; o não reconhecimento do professor como profissional
capaz de dispor sobre o próprio trabalho; a subordinação da gestão
educacional e da ação escolar a agentes externos não coadunados com os
fins e a função pública da educação; a consolidação de padrões desiguais
de formação escolar.
Sem situar o professorado no coração do
processo de resgate da qualidade da educação fluminense, melhorando
significativamente o seu salário, carreira docente e condições objetivas
de trabalho, não há perspectiva real de alterar de fato o atual quadro
da educação básica, como sublinhou, também, o ex-Ministro de Assuntos
Estratégico, Samuel Pinheiro Guimarães, no Seminário organizado pelo
Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da
UERJ – Qual desenvolvimento e Educação e para que Sociedade? – e do qual
o atual Secretário de Educação do Estado participou na abertura.
Recentemente, os Senadores Pedro Simon e Cristovam Buarque apresentaram
Projeto de Lei pelo qual se estenderia o mesmo reajuste salarial
aprovado para os Senadores, de 61,78%, para os professores da educação
básica das escolas públicas. Os Senadores tomaram como referência a
menor base do piso (não reconhecida pelas entidades que representam os
professores, que era de R$1.024,00). Esse percentual de aumento
representa, de fato, uma novidade, se considerarmos que os reajustes dos
profissionais do campo das políticas públicas raramente se aproximaram
das nababescas auto-concessões do legislativo e do judiciário. Deve-se,
porém, observar que, aplicando aquele reajuste, o piso seria de R$
1.656,62, 16,13 vezes menor que o salário pago aos parlamentares a cada
mês: R$ 26.723,13; o equivalente a 3 salários mínimos. Cabe lembrar aqui
que os professores não tem o acréscimo de verba de representação para a
compra de roupa, livros, correio, transporte, vale alimentação, etc. E,
com certeza, o nível de escolaridade médio dos deputados e senadores
não é diferente, talvez menor do que dos professores.
Perguntas
de quem não quer calar-se perante o cinismo: Por que não colocar o
mesmo piso de 1.656,62 aos ministros, governadores, deputados,
senadores, prefeitos, vereadores, judiciário, professores
universitários, juízes, desembargadores, delegados, generais, etc. e
estabelecer uma espécie de IDEB de cada função, com metas quantitativas,
oferecendo ao final de cada ano mais três destes salários-base por
produtividade? Quem se candidataria a tão nobres funções por essa
mixaria e com tal pressão e controle? Por que não, também, estipular
este valor como margem máxima de lucro para os banqueiros e empresários?
Já imaginaram? Pois, senhores, estão oferecendo esta mixaria aos que
cuidam da educação básica da maioria do povo brasileiro (a escola
pública no segmento da educação básica – do ensino fundamental ao médio –
atende mais de 80%dos estudantes), menos, certamente, dos filhos das
profissões ou atividades, entre outras, listadas acima.
Os
milhares de professores que atuam na educação pública brasileira podem
ser tudo, menos idiotas. O que se está propondo no Estado do Rio de
Janeiro e em muitos outros estados e municípios (entre os quais do Rio
de Janeiro que se antecipou ao estado) resulta de opções tecnocratas,
apoiadas na ideia de que a educação não é um direito social e subjetivo,
mas um serviço, uma mercadoria e, por isso, como a define o Secretário,
um “negócio falido” como qualquer outro. Nesse quadro, os docentes são
tidos como meros entregadores dos pacotes de conteúdos previamente
preparados por economistas, administradores, empresários... que se
assumem como “autoridades em educação”.
Professores, pais,
responsáveis, jovens e estudantes, unamo-nos às dezenas de entidades que
instalaram em dezembro de 2010 o Fórum Estadual em Defesa da Educação
Pública no estado do Rio de Janeiro, no dia 23 de fevereiro próximo, na
UERJ, para dizer alto e em bom som: não queremos ser idiotizados. Não
reconhecemos essas medidas como legítimas, porque ignoram a história de
luta da sociedade brasileira de quase um século pelo direito efetivo à
educação pública de qualidade.
Gaudêncio Frigotto, Vânia da Motta, Zacarias Gama e Eveline Algebaile
Professores
do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Vânia da Motta é professora
da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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