O então deputado federal Celso Russomanno propôs, há quatro anos, uma
emenda constitucional para reduzir a idade mínima para o trabalho legal
no país quando fazia parte da base do governo na Câmara. A PEC 268/2008
alteraria o artigo 7º da Constituição, que proíbe o trabalho de menores
de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos. Diminuía
as idades para 14 e 12 anos respectivamente.
Segundo o autor do projeto, isso poderia mudar a vida das crianças e adolescentes que são pedintes nas ruas ou aliciadas para o tráfico. Além disso, afirmava o deputado na justificativa da proposta, a lei já não contempla a realidade do país e, por isso, precisa ser mudada. De acordo com ele, “o impedimento ao trabalho faz com que os jovens busquem a saída de seus problemas na droga, no furto, no trabalho informal, no subemprego, na mendicância e na prostituição”. Russomanno disse que “enquanto o jovem estiver ocupado, não terá tempo para se envolver em atividades ilícitas e nem de buscar no crime uma forma de sustento de suas necessidades básicas”. Em outras palavras, já que o Estado e a sociedade são incompetentes para impedir que seus filhos e filhas dediquem sua infância aos estudos e ao desenvolvimento pessoal, vamos aceitar isso e legalizar o trabalho infantil.
E qual seria o próximo passo quando o mercado e a competição global abocanharem trabalhadores cada vez mais jovens? Reduzir a idade para dez anos? Por que não adotar os padrões trabalhistas da 1ª Revolução Industrial, com crianças de oito anos encarando o serviço pesado?
O trabalho pode fazer parte da formação pessoal, desde que não afete o crescimento do indivíduo. Hoje, muitas empresas já utilizam jovens de 14 anos para fazer atividades de gente de 18. Usam como justificativa que treinam aprendizes, mas na verdade usam mão de obra barata. Imagine, então, com a anuência constitucional para baixar a idade.
Dessa forma, com menos tempo para se dedicarem a seu crescimento, as crianças tornam-se adultas que sabem o seu exato lugar na sociedade e trabalharão duro para o crescimento do país, mas sem refletirem sobre seus direitos, sem criticarem seus chefes e governantes por péssimas condições de vida.
Essa informação prejudica o candidato? Na minha opinião, não. Pelo contrário, dependendo do ponto de vista pode até ajudá-lo, atrair votos para ele. Pois é exatamente entre as pessoas que foram recentemente alçadas à linha de consumo, que erroneamente chamamos de “nova classe média”, que muitos de seus eleitores estão. Pessoas que suaram muito para chegar até ali, com pouca ajuda do Estado, abrindo mão de muita coisa. Acreditam que o modelo de self made man é o correto.
Parte dos trabalhadores que adentraram a linha do consumo adota com facilidade o discurso conservador. Conquistaram algo com muito suor e têm medo de perder o pouco que têm, o que é justo e compreensível. Mas isso tem consequências. Em pesquisas de opinião sobre políticas de habitação, por exemplo, quem tem pouco abraça por vezes um discurso violento, que seria esperado dos grandes especuladores urbanos e não de trabalhadores. Afirmam que, se eles trabalharam duro e chegaram onde chegaram sozinhos, é injusto sem-teto, sem-terra ou indígenas consigam algo de “mão-beijada” por parte do Estado. Ignoram que o que é defendido por esses excluídos é apenas a efetivação de seus direitos fundamentais: ou a terra que historicamente lhes pertenceu ou a garantia de que a qualidade de vida seja mais importante do que a especulação imobiliária rural ou urbana.
E que dignidade não é algo que tem que ser conquistado a duras penas através do esforço individual, mas faz parte do pacote de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais que você deveria ter acesso simplesmente por ter nascido. Ignoram porque aprenderam que as coisas são assim.
Isso é muito comum quando tratamos de trabalho infantil. Surgem leitores bradando: “eu trabalhei desde cedo e isso moldou meu caráter”; “aprendi a dar valor às coisas com meu suor desde pequeno”; “crianças ou está vagabundeando ou está trabalhando”. Exemplos de pessoas como o finado vice-presidente José Alencar são usadas para mostrar que, trabalhar desde pequeno, é o caminho.
Até entendo que muita gente sinta que sua experiência de superação é bonita o suficiente para ser copiada pelo filho ou filha. Mas será que não imaginam que o trabalho infantil, que atrapalha o desenvolvimento da criança, não precisa ser hereditário? E que a luta maior é por criarmos condições para que ela tenha educação de qualidade, possa brincar e preparar para o momento em que será realmente demandada pela sociedade?
Seria ótimo se o debate eleitoral pudesse trazer o tema à luz, analisando formas de garantir que o trabalho infantil não seja um caminho necessário para que as novas gerações encontrem sua dignidade.
Em tempo: a proposta de emenda constitucional 268/2008 foi considerada inconstitucional e rejeitada.
Segundo o autor do projeto, isso poderia mudar a vida das crianças e adolescentes que são pedintes nas ruas ou aliciadas para o tráfico. Além disso, afirmava o deputado na justificativa da proposta, a lei já não contempla a realidade do país e, por isso, precisa ser mudada. De acordo com ele, “o impedimento ao trabalho faz com que os jovens busquem a saída de seus problemas na droga, no furto, no trabalho informal, no subemprego, na mendicância e na prostituição”. Russomanno disse que “enquanto o jovem estiver ocupado, não terá tempo para se envolver em atividades ilícitas e nem de buscar no crime uma forma de sustento de suas necessidades básicas”. Em outras palavras, já que o Estado e a sociedade são incompetentes para impedir que seus filhos e filhas dediquem sua infância aos estudos e ao desenvolvimento pessoal, vamos aceitar isso e legalizar o trabalho infantil.
E qual seria o próximo passo quando o mercado e a competição global abocanharem trabalhadores cada vez mais jovens? Reduzir a idade para dez anos? Por que não adotar os padrões trabalhistas da 1ª Revolução Industrial, com crianças de oito anos encarando o serviço pesado?
O trabalho pode fazer parte da formação pessoal, desde que não afete o crescimento do indivíduo. Hoje, muitas empresas já utilizam jovens de 14 anos para fazer atividades de gente de 18. Usam como justificativa que treinam aprendizes, mas na verdade usam mão de obra barata. Imagine, então, com a anuência constitucional para baixar a idade.
Dessa forma, com menos tempo para se dedicarem a seu crescimento, as crianças tornam-se adultas que sabem o seu exato lugar na sociedade e trabalharão duro para o crescimento do país, mas sem refletirem sobre seus direitos, sem criticarem seus chefes e governantes por péssimas condições de vida.
Essa informação prejudica o candidato? Na minha opinião, não. Pelo contrário, dependendo do ponto de vista pode até ajudá-lo, atrair votos para ele. Pois é exatamente entre as pessoas que foram recentemente alçadas à linha de consumo, que erroneamente chamamos de “nova classe média”, que muitos de seus eleitores estão. Pessoas que suaram muito para chegar até ali, com pouca ajuda do Estado, abrindo mão de muita coisa. Acreditam que o modelo de self made man é o correto.
Parte dos trabalhadores que adentraram a linha do consumo adota com facilidade o discurso conservador. Conquistaram algo com muito suor e têm medo de perder o pouco que têm, o que é justo e compreensível. Mas isso tem consequências. Em pesquisas de opinião sobre políticas de habitação, por exemplo, quem tem pouco abraça por vezes um discurso violento, que seria esperado dos grandes especuladores urbanos e não de trabalhadores. Afirmam que, se eles trabalharam duro e chegaram onde chegaram sozinhos, é injusto sem-teto, sem-terra ou indígenas consigam algo de “mão-beijada” por parte do Estado. Ignoram que o que é defendido por esses excluídos é apenas a efetivação de seus direitos fundamentais: ou a terra que historicamente lhes pertenceu ou a garantia de que a qualidade de vida seja mais importante do que a especulação imobiliária rural ou urbana.
E que dignidade não é algo que tem que ser conquistado a duras penas através do esforço individual, mas faz parte do pacote de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais que você deveria ter acesso simplesmente por ter nascido. Ignoram porque aprenderam que as coisas são assim.
Isso é muito comum quando tratamos de trabalho infantil. Surgem leitores bradando: “eu trabalhei desde cedo e isso moldou meu caráter”; “aprendi a dar valor às coisas com meu suor desde pequeno”; “crianças ou está vagabundeando ou está trabalhando”. Exemplos de pessoas como o finado vice-presidente José Alencar são usadas para mostrar que, trabalhar desde pequeno, é o caminho.
Até entendo que muita gente sinta que sua experiência de superação é bonita o suficiente para ser copiada pelo filho ou filha. Mas será que não imaginam que o trabalho infantil, que atrapalha o desenvolvimento da criança, não precisa ser hereditário? E que a luta maior é por criarmos condições para que ela tenha educação de qualidade, possa brincar e preparar para o momento em que será realmente demandada pela sociedade?
Seria ótimo se o debate eleitoral pudesse trazer o tema à luz, analisando formas de garantir que o trabalho infantil não seja um caminho necessário para que as novas gerações encontrem sua dignidade.
Em tempo: a proposta de emenda constitucional 268/2008 foi considerada inconstitucional e rejeitada.
Blog do Miro
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