sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Para a educação andar mais rápido

O ensino público exige mais recursos, melhor gestão e controle social para corrigir a defasagem com qualidade. União e estados têm de ser cobrados. Sua cidade também
Logo que souberam que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de Aquidabã (SE) colocava a cidade na quarta pior colocação em todo o país, as equipes escolares e gestores se mobilizaram. “Entre as medidas, o acompanhamento individual dos alunos em sala de aula, a valorização do papel do professor e o convite à participação da comunidade”, lembra Maria de Salete Silva, coordenadora de programas de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). 

Isso foi em 2006, quando o Ministério da Educação (MEC) divulgou as médias da avaliação realizada um ano antes. A cidade obteve 1,0. Em 2007, o rendimento das escolas mantidas pela prefeitura da cidadezinha localizada a 98 quilômetros de Aracaju subiu para 3,0 e em 2009, para 3,3. A nota 3,5 obtida em 2011, divulgada agora em agosto, estava prevista para ser alcançada em 2019.

O professor Joselito Alves dos Santos, secretário de Educação de Aquidabã, entende que a melhora dos índices a cada ano aponta o acerto nas medidas tomadas. “Com o resultado da avaliação percebemos também que havia grande distância entre professores, pais e técnicos da rede. Estabelecemos calendário de reuniões, inclusive com os pais, nas quais pudemos ouvir reclamações, sugestões e discutir ações”, conta. 

Para melhorar o trabalho pedagógico, técnicos e professores priorizaram os programas da secretaria estadual e do MEC de formação continuada para professores, a serem implementados, e intensificaram aulas de reforço também para reduzir a defasagem dos alunos em relação à idade e série. “O trabalho, que não é fácil, continua sendo feito e a perspectiva é sua ampliação, para continuarmos melhorando”, diz o gestor.

Maria de Salete, do Unicef, conhece de perto a realidade da educação brasileira. Entre 2006 e 2008, a pedagoga percorreu todo o país para ouvir a opinião das comunidades sobre o que pode ser feito para assegurar a toda criança o direito de aprender. Os relatos foram compilados em livros. Caminhos do Direito de Aprender, o mais recente, publicado em 2010, reúne boas práticas de 26 municípios que vêm aos poucos melhorando a qualidade do serviço que oferecem. De suas andanças, ela guarda lembranças de muitas outras cidades que se empenharam nesse objetivo.

Entre elas Sobral, no Ceará. O município obteve média 7,3 no Ideb 2011, bem acima da média nacional de 5,0, e deixou para trás cidades ricas como São Paulo, que obteve 4,8; Barueri (SP), com 5,9; e São Caetano, no ABC Paulista, com 6,4. Da lista das 100 melhores escolas entre as mais de 4 mil que fizeram o último Ideb, 34 são de lá. O destaque vem desde 2005, quando a cidade obteve 4,0, e se supera a cada prova. Os resultados, porém, nem sempre foram positivos.

O secretário municipal de ensino, professor Júlio César da Costa Alexandre, conta que em 2000 um diagnóstico mostrou que 48% das crianças da antiga 4ª série não sabiam ler. “Era preciso urgência na reformulação da rede. Aqui não concordamos com o discurso de que criança pobre ou filho de trabalhador não consegue aprender”, diz. Os professores passaram a ser capacitados de forma contínua, não faltaram substitutos e a gestão escolar foi fortalecida. Diretores e supervisores começaram a ser contratados em processos criteriosos, e não mais por meio de indicações políticas. 

Hoje 30% das crianças frequentam escolas com jornada ampliada e, entre todas aquelas com 7 anos, 97% estão alfabetizadas. Como garante o gestor, a cidade continua aplicando os mesmos 26% da arrecadação que sempre investiu.


Tirar o atraso

Histórias como essas, na avaliação de Maria de Salete, são exemplos de avanços na educação brasileira. Mas o país não melhora com a velocidade que deveria. “Do jeito que vai, não vamos conseguir resolver o problema de quem está em desvantagem, que está ficando para trás”, diz. “Pouco adianta discutirmos ensino médio quando 40% dos jovens de 15 a 17 anos – e estou falando de 1,5 milhão de estudantes – estão retidos no ensino fundamental, sérios candidatos à evasão”, alerta a especialista do Unicef.

Para acelerar, ela acredita que é preciso começar pela solução de problemas básicos que impedem o exercício do direito de aprender: colocar na escola todas as crianças e adolescentes, sem deixar nenhuma de fora, e oferecer condições dignas para a aprendizagem. Como ela conta, existem 15 mil escolas sem água nem banheiro no semiárido, região que inclui todos os estados nordestinos mais o norte de Minas Gerais e do Espírito Santo. “Como a sexta economia do mundo ainda permite que os alunos passem quatro horas sem ter água para beber ou lugar para fazer xixi?”, questiona. Em julho, o governo federal assinou termo de compromisso para levar abastecimento a esses estabelecimentos.

Para especialistas, entretanto, muitas outras ações são necessárias para que a escola cumpra seu papel de ensinar e garantir que os alunos aprendam. Um ponto de partida é a participação dos pais na vida escolar dos filhos. “Toda criança, aos 8 anos de idade, deve saber ler e escrever um bilhete e fazer contas de somar, subtrair, multiplicar e dividir”, afirma Cleuza Repulho, presidenta da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e secretária de Educação em São Bernardo do Campo. “Se aos 10 anos não sabe nada disso é porque a escola não cumpriu sua obrigação. Os pais têm de ir lá reclamar, porque o Brasil tem de garantir que todas as crianças aprendam, incluindo aquelas com dificuldade de aprendizagem, que são minoria.” E a escola, na sua concepção, precisa ser um espaço instigante para a criança, agradável, bem equipada, segura para o trabalho de professores bem formados e oferecer boa merenda.

5% é muito; 10% é pouco

Outra ação que deve ser cobrada pela sociedade – e garantida por estados e municípios – é a ampliação do acesso a todas as etapas. O Brasil se orgulha de ter colocado 95% das crianças no ensino fundamental. Pelo tamanho da população brasileira, porém, os 5% que faltam representam muita gente. Grande parcela de excluídos é de negros e de comunidades quilombolas, que nem sempre têm escola perto de casa ou transporte escolar, uma obrigação das prefeituras, que contam com ajuda do MEC para isso. Há ainda grande demanda reprimida por creches. Dever exclusivo dos gestores municipais, a oferta é um dos grandes desafios.

Segundo o Anuário das Mulheres Brasileiras 2011, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 2009 apenas 18% das crianças até 3 anos tinham vagas em creches e 74,8% na pré-escola. Uma das metas do último Plano Nacional de Educação é a construção de mais de 6 mil creches até 2014, mas até agora nem 500 estão funcionando, de acordo com a organização Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A falta de oferta é explicada, em parte, porque apenas em 1996, com a entrada em vigor da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), essa etapa foi incluída no rol das políticas educacionais. Antes, era serviço assistencial com o único objetivo de cuidar da criança enquanto a mãe trabalhava fora.

Só que a LDB não previa financiamento para o ensino infantil nem para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), ainda essencial. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tinha, em 2009, 58 milhões de pessoas com mais de 18 anos fora da escola e sem o ensino fundamental completo. “Só com os debates para a criação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, que reúne recursos municipais, estaduais e da União para financiar a educação pública) é que se abriu a possibilidade de ampliar o atendimento infantil, ainda insuficiente”, explica Denise Carreira, coordenadora da ONG Ação Educativa. Segundo ela, só mais recentemente, com o programa Proinfância, que entre outras ações repassa recursos para a construção de creches, é que o governo federal passou a dar atenção ao segmento. Além de vagas, faltam estrutura adequada e professores preparados.

Embora muitas prefeituras tenham encontrado caminhos para começar a revolucionar a educação mesmo sem ampliar os recursos, militantes da área entendem ser praticamente impossível melhorar a qualidade com o atual padrão de financiamento. “Em muitas cidades pobres, com pequena arrecadação, nem a complementação do Fundeb é suficiente para igualar o investimento ao de localidades mais ricas. E o direito das crianças brasileiras é igual, independentemente de estarem em municípios pobres ou não”, aponta Cleuza Repulho.

Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara defende o aumento da fatia da União no financiamento para o setor. Segundo ele, 10% do valor do Produto Interno Bruto (PIB) permitiria oferecer educação digna, remunerar decentemente os professores e construir boas escolas. “O percentual não é uma bandeira política, é fruto de muitas contas”, afirma. 

Em agosto, para decepção de gestores e movimentos sociais, o governo federal entrou com recurso questionando a decisão da comissão especial criada na Câmara para analisar o ponto da proposta de Plano Nacional de Educação que fixa o percentual de 10% do PIB. Com isso, a tramitação e a definição das metas podem ser atrasadas.

A notícia é péssima porque a proposta de plano reúne muitos pontos que, ao começarem a ser implementados, podem trazer avanços à educação pública. Um deles é prever a aprovação de lei de responsabilidade educacional que pretende aumentar e aprimorar o controle social sobre o financiamento. “A gestão dos recursos, fundamental para melhorar a qualidade do ensino, é um dos gargalos nos municípios”, aponta Cleuza Repulho, da Undime. “Nem todos os gestores dos recursos são da área. Muitas vezes é o secretário de Finanças, que acaba tirando do ensino e colocando em outros setores.”

Outro ponto positivo é determinar a participação popular nas discussões para elaboração dos planos municipais de educação, documentos importantes que estabelecem metas de médio e longo prazo e garantem a continuidade dos projetos e políticas independentemente do partido que venha a ocupar a prefeitura. Além disso, orientam o planejamento das ações que os cidadãos priorizam. Assim, esses planos devem contemplar os desafios de determinados contextos, as desigualdades e as potencialidades locais.

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