O ensino público exige mais recursos, melhor gestão e controle social para corrigir a defasagem com qualidade. União e estados têm de ser cobrados. Sua cidade também |
Logo que souberam que o
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de Aquidabã
(SE) colocava a cidade na quarta pior colocação em todo o país, as
equipes escolares e gestores se mobilizaram. “Entre as medidas, o
acompanhamento individual dos alunos em sala de aula, a valorização
do papel do professor e o convite à participação da comunidade”,
lembra Maria de Salete Silva, coordenadora de programas de educação
do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Isso foi em
2006, quando o Ministério da Educação (MEC) divulgou as médias da
avaliação realizada um ano antes. A cidade obteve 1,0. Em 2007, o
rendimento das escolas mantidas pela prefeitura da cidadezinha
localizada a 98 quilômetros de Aracaju subiu para 3,0 e em 2009,
para 3,3. A nota 3,5 obtida em 2011, divulgada agora em agosto,
estava prevista para ser alcançada em 2019.
O professor Joselito
Alves dos Santos, secretário de Educação de Aquidabã, entende que
a melhora dos índices a cada ano aponta o acerto nas medidas
tomadas. “Com o resultado da avaliação percebemos também que
havia grande distância entre professores, pais e técnicos da rede.
Estabelecemos calendário de reuniões, inclusive com os pais, nas
quais pudemos ouvir reclamações, sugestões e discutir ações”,
conta.
Para melhorar o trabalho pedagógico, técnicos e professores
priorizaram os programas da secretaria estadual e do MEC de formação
continuada para professores, a serem implementados, e intensificaram
aulas de reforço também para reduzir a defasagem dos alunos em
relação à idade e série. “O trabalho, que não é fácil,
continua sendo feito e a perspectiva é sua ampliação, para
continuarmos melhorando”, diz o gestor.
Maria de Salete, do
Unicef, conhece de perto a realidade da educação brasileira. Entre
2006 e 2008, a pedagoga percorreu todo o país para ouvir a opinião
das comunidades sobre o que pode ser feito para assegurar a toda
criança o direito de aprender. Os relatos foram compilados em
livros. Caminhos do Direito de Aprender, o mais recente, publicado em
2010, reúne boas práticas de 26 municípios que vêm aos poucos
melhorando a qualidade do serviço que oferecem. De suas andanças,
ela guarda lembranças de muitas outras cidades que se empenharam
nesse objetivo.
Entre elas Sobral, no
Ceará. O município obteve média 7,3 no Ideb 2011, bem acima da
média nacional de 5,0, e deixou para trás cidades ricas como São
Paulo, que obteve 4,8; Barueri (SP), com 5,9; e São Caetano, no ABC
Paulista, com 6,4. Da lista das 100 melhores escolas entre as mais de
4 mil que fizeram o último Ideb, 34 são de lá. O destaque vem
desde 2005, quando a cidade obteve 4,0, e se supera a cada prova. Os
resultados, porém, nem sempre foram positivos.
O secretário municipal
de ensino, professor Júlio César da Costa Alexandre, conta que em
2000 um diagnóstico mostrou que 48% das crianças da antiga 4ª
série não sabiam ler. “Era preciso urgência na reformulação da
rede. Aqui não concordamos com o discurso de que criança pobre ou
filho de trabalhador não consegue aprender”, diz. Os professores
passaram a ser capacitados de forma contínua, não faltaram substitutos e
a gestão escolar foi fortalecida. Diretores e supervisores começaram a
ser contratados em processos criteriosos, e não mais por meio de
indicações políticas.
Hoje 30% das crianças frequentam escolas com jornada ampliada e, entre
todas aquelas com 7 anos, 97% estão alfabetizadas. Como garante o
gestor, a cidade continua aplicando os mesmos 26% da arrecadação que
sempre investiu.
Tirar o atraso
Histórias como essas,
na avaliação de Maria de Salete, são exemplos de avanços na
educação brasileira. Mas o país não melhora com a velocidade que
deveria. “Do jeito que vai, não vamos conseguir resolver o
problema de quem está em desvantagem, que está ficando para trás”,
diz. “Pouco adianta discutirmos ensino médio quando 40% dos jovens
de 15 a 17 anos – e estou falando de 1,5 milhão de estudantes –
estão retidos no ensino fundamental, sérios candidatos à evasão”,
alerta a especialista do Unicef.
Para acelerar, ela
acredita que é preciso começar pela solução de problemas básicos
que impedem o exercício do direito de aprender: colocar na escola
todas as crianças e adolescentes, sem deixar nenhuma de fora, e
oferecer condições dignas para a aprendizagem. Como ela conta,
existem 15 mil escolas sem água nem banheiro no semiárido, região
que inclui todos os estados nordestinos mais o norte de Minas Gerais
e do Espírito Santo. “Como a sexta economia do mundo ainda permite
que os alunos passem quatro horas sem ter água para beber ou lugar
para fazer xixi?”, questiona. Em julho, o governo federal assinou
termo de compromisso para levar abastecimento a esses
estabelecimentos.
Para especialistas,
entretanto, muitas outras ações são necessárias para que a escola
cumpra seu papel de ensinar e garantir que os alunos aprendam. Um
ponto de partida é a participação dos pais na vida escolar dos
filhos. “Toda criança, aos 8 anos de idade, deve saber ler e
escrever um bilhete e fazer contas de somar, subtrair, multiplicar e
dividir”, afirma Cleuza Repulho, presidenta da União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e secretária de
Educação em São Bernardo do Campo. “Se aos 10 anos não sabe
nada disso é porque a escola não cumpriu sua obrigação. Os pais
têm de ir lá reclamar, porque o Brasil tem de garantir que todas as
crianças aprendam, incluindo aquelas com dificuldade de
aprendizagem, que são minoria.” E a escola, na sua concepção,
precisa ser um espaço instigante para a criança, agradável, bem
equipada, segura para o trabalho de professores bem formados e
oferecer boa merenda.
5% é muito; 10% é pouco
Outra ação que deve
ser cobrada pela sociedade – e garantida por estados e municípios
– é a ampliação do acesso a todas as etapas. O Brasil se orgulha
de ter colocado 95% das crianças no ensino fundamental. Pelo tamanho
da população brasileira, porém, os 5% que faltam representam muita
gente. Grande parcela de excluídos é de negros e de comunidades
quilombolas, que nem sempre têm escola perto de casa ou transporte
escolar, uma obrigação das prefeituras, que contam com ajuda do MEC
para isso. Há ainda grande demanda reprimida por creches. Dever
exclusivo dos gestores municipais, a oferta é um dos grandes
desafios.
Segundo o Anuário das
Mulheres Brasileiras 2011, do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 2009 apenas 18%
das crianças até 3 anos tinham vagas em creches e 74,8% na
pré-escola. Uma das metas do último Plano Nacional de Educação é
a construção de mais de 6 mil creches até 2014, mas até agora nem
500 estão funcionando, de acordo com a organização Campanha
Nacional pelo Direito à Educação. A falta de oferta é explicada,
em parte, porque apenas em 1996, com a entrada em vigor da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), essa etapa foi
incluída no rol das políticas educacionais. Antes, era serviço
assistencial com o único objetivo de cuidar da criança enquanto a
mãe trabalhava fora.
Só que a LDB não
previa financiamento para o ensino infantil nem para a Educação de
Jovens e Adultos (EJA), ainda essencial. Segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tinha, em
2009, 58 milhões de pessoas com mais de 18 anos fora da escola e sem
o ensino fundamental completo. “Só com os debates para a criação
do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, que reúne
recursos municipais, estaduais e da União para financiar a educação
pública) é que se abriu a possibilidade de ampliar o atendimento
infantil, ainda insuficiente”, explica Denise Carreira,
coordenadora da ONG Ação Educativa. Segundo ela, só mais
recentemente, com o programa Proinfância, que entre outras ações
repassa recursos para a construção de creches, é que o governo
federal passou a dar atenção ao segmento. Além de vagas, faltam
estrutura adequada e professores preparados.
Embora muitas
prefeituras tenham encontrado caminhos para começar a revolucionar a
educação mesmo sem ampliar os recursos, militantes da área
entendem ser praticamente impossível melhorar a qualidade com o
atual padrão de financiamento. “Em muitas cidades pobres, com
pequena arrecadação, nem a complementação do Fundeb é suficiente
para igualar o investimento ao de localidades mais ricas. E o direito
das crianças brasileiras é igual, independentemente de estarem em
municípios pobres ou não”, aponta Cleuza Repulho.
Coordenador da Campanha
Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara defende o aumento da
fatia da União no financiamento para o setor. Segundo ele, 10% do
valor do Produto Interno Bruto (PIB) permitiria oferecer educação
digna, remunerar decentemente os professores e construir boas
escolas. “O percentual não é uma bandeira política, é fruto de
muitas contas”, afirma.
Em agosto, para decepção de gestores e
movimentos sociais, o governo federal entrou com recurso questionando
a decisão da comissão especial criada na Câmara para analisar o
ponto da proposta de Plano Nacional de Educação que fixa o
percentual de 10% do PIB. Com isso, a tramitação e a definição
das metas podem ser atrasadas.
A notícia é péssima
porque a proposta de plano reúne muitos pontos que, ao começarem a
ser implementados, podem trazer avanços à educação pública. Um
deles é prever a aprovação de lei de responsabilidade educacional
que pretende aumentar e aprimorar o controle social sobre o
financiamento. “A gestão dos recursos, fundamental para melhorar a
qualidade do ensino, é um dos gargalos nos municípios”, aponta
Cleuza Repulho, da Undime. “Nem todos os gestores dos recursos são
da área. Muitas vezes é o secretário de Finanças, que acaba
tirando do ensino e colocando em outros setores.”
Outro ponto positivo é
determinar a participação popular nas discussões para elaboração
dos planos municipais de educação, documentos importantes que
estabelecem metas de médio e longo prazo e garantem a continuidade
dos projetos e políticas independentemente do partido que venha a
ocupar a prefeitura. Além disso, orientam o planejamento das ações
que os cidadãos priorizam. Assim, esses planos devem contemplar os
desafios de determinados contextos, as desigualdades e as
potencialidades locais.
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