Arnault, o traidor da França |
A manchete do jornal francês Libération reverbera por toda a Europa. O
alvo foi o homem mais rico do país, Bernard Arnault, dono de um império
que inclui marcas como a Louis Vuitton.
A raiva do Libération, e de milhões de franceses que o chamaram de
parasita e outras coisas do gênero, derivou da informação de que Arnault
estava pedindo cidadania belga no exato instante em que o presidente
François Hollande fez o que tinha prometido fazer para reduzir a
iniquidade social no país e melhorar as contas públicas: aumentando
temporariamente os impostos de quem ganha acima de 1 milhāo de euros por
ano.
Arnault negou que estivesse tentando fugir do fisco, e anunciou que
vai processar o jornal. Mas, para usar a imortal expressão de
Wellington, quem acredita que foi apenas coincidência a elevação da taxa
e o pedido de cidadania belga, acredita em tudo.
INTERESSES PESSOAIS
Entendo o Libération. Você não constrói, ou reconstrói, um país com
pessoas que colocam seus interesses pessoais acima de tudo. Ao
contrário. Você descontrói. Os Estados Unidos são uma demonstração
pungente disso. A florescente Escandinávia, onde o interesse público vem
na frente do interesse privado, estaria em pedaços se seus empresários e
milionários tivessem a têmpera de Bernard Arnault. Não. Lá se criou um
consenso segundo o qual impostos elevados são a contribuição
indispensável de corporações e ricos para a manutenção de uma sociedade
avançadíssima.
Há, nos países economicamente mais encrencados do ocidente, uma
enorme confusão no quesito taxação. Pouco antes das eleições francesas, o
premiê britânico David Cameron disse, sorrindo, que estenderia um
tapete vermelho aos empreendedores locais que desejassem escapar de
Hollande.
Cameron mal pusera ponto final em sua frase quando seu governo
anunciou a intenção de combater severamente a chamada evasão legalizada –
e amoral – de impostos. Um comediante célebre foi exposto ao desprezo e
escárnio da opinião pública quando se soube que ele usara um truque
para pagar um imposto irrisório. O próprio Cameron o repreendeu.
DILMA E OS IMPOSTOS
Por tudo isso, não me caiu bem o pronunciamento do 7 de Setembro de
Dilma. Ela falou na diminuição da carga tributária em nome da
“competitividade”. Ora, um levantamento recente da TNJ, uma organização
com sede em Londres dedicada à justiça tributária, mostrou que o Brasil é
um dos campeões mundiais em multimilionários que colocam dinheiro em
paraísos fiscais.
Dilma precisa explicar direito o que quis dizer. Deve trazer
transparência à discussão de impostos no Brasil. Não há nada mais
importante, neste campo, do que construir um consenso como fez a
Escandinávia.
Durante muitos anos, o assim chamado Custo Brasil – tão propagado
pela mídia – não serviu senão para encobrir a inépcia administrativa de
empresas protegidas durante décadas por reserva de mercado e depois
expostas à competição. Quanto grandes empresas nacionais se adestraram
na arte do planejamento fiscal pode ser avaliado para informação
recentemente veiculada pela seção Radar da Veja segundo a qual a Receita
está cobrando na Justiça as Organizações Globo por uma dívida
multibilionária.
Dilma não tem o direito de ser ingênua aí. Que ela se inspire nos
escandinavos – e preste atenção também nos movimentos de Hollande. A
complacência fiscal — da qual se beneficiam os poderosos, porque os
assalariados não têm o que fazer — é a receita da iniquidade social e da
ruína econômica de um país.
Tribuna
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