O título do texto não é só uma provocação e um exagero completo.
Agora mesmo surgiu indício científico de que o dinheiro, ao invés de
tornar a pessoa melhor, freqüentemente pode torná-la bem pior – ao menos
do ponto de vista intelectual.
Muitos ficarão surpresos. Ora, como o dinheiro pode tornar alguém
mais burro se permite ao endinheirado pagar por educação de melhor
qualidade?
Burrice e inteligência são conceitos vagos. Quem já não julgou
“burro” alguém com enorme bagagem de diplomas acadêmicos? Quem já não se
espantou com a sagacidade e com a clarividência de alguém sem instrução
formal e de origem pobre?
Em termos de inteligência política, ao menos, ter dinheiro parece
danoso. É o que mostra pesquisa Datafolha recém divulgada pelo jornal
Folha de São Paulo. A sondagem quis saber a opinião do eleitor sobre o
horário eleitoral na TV e no rádio.
Apesar de o Datafolha mostrar que 64% dos paulistanos apóiam a
propaganda eleitoral “gratuita” nos meios eletrônicos e que apenas 32%
querem que seja extinta, entre os que têm renda acima de dez salários
mínimos o percentual contrário à propaganda chega a 43%.
Ao ler sobre essa pesquisa me veio à mente um amigo que tem instrução
formal e muita grana no banco, sem falar do vasto patrimônio. Para ele,
política é uma brincadeira, um fla-flu. Discute o assunto seríssimo
sem qualquer compromisso com a seriedade.
Como quase todo paulistano de classe média alta, esse amigo é
antipetista até a raiz dos cabelos – meu filho é mesário há várias
eleições em um bairro desse estrato social e relata que, ali, a direita
costuma ganhar com até 90% dos votos. Serra, em 2010, teve 93%.
Até aí, tudo bem. Por óbvio, não se sugere, aqui, que só quem tem
inteligência política são os simpatizantes do PT. O problema do sujeito é
outro, é o seu descompromisso com fatos e com a seriedade que o assunto
requer.
Anda sempre com um jornal da direita midiática a tiracolo (Estadão ou
Jornal da Tarde ou Folha de São Paulo), quando não carrega a Veja. Sai
por aí vomitando acusações contra o PT e, quando perguntado se não vê
corrupção nos partidos que apóia, muda de assunto.
Liguei para o amigo após ler a tal pesquisa Datafolha. Perguntei, sem
falar da pesquisa, sua opinião sobre o horário eleitoral. A resposta
era previsível: quer acabar com ele, pois decide seu voto pela
orientação que recebe da “imprensa”.
Perguntei se não era melhor, então, acabar com as eleições e delegar à
imprensa a prerrogativa de escolher parlamentares e chefes do poder
Executivo (prefeitos, governadores e presidentes). A resposta foi a de
que “Até que não seria má idéia”.
Poucos dias antes, o amigo foi me visitar em meu escritório. Já
entrou cantarolando o jingle de José Serra. Fitei-o demoradamente
enquanto refletia sobre sua postura. Decidi ir mais fundo em seu ideário
político.
Quis saber se estava satisfeito com São Paulo. Respondeu que adora a
cidade. Expliquei que não me referia a isso, que o que perguntara fora
se estava satisfeito com a administração da cidade. Resposta: “No meu
bairro, sim”.
Então lhe perguntei se achava que os outros bairros estão bons.
Respondeu-me que os da periferia continuam uma porcaria, mas que, para
ele, o que interessa é onde vive.
Decidi, então, aferir seus conhecimentos sobre seu próprio bairro – de fato, um bairro dito nobre.
Quis saber sobre a limpeza. Começou dizendo que era boa. Como meu
escritório fica no bairro em que mora, pedi que viesse à janela e lhe
mostrei a rua emporcalhada. A resposta foi a esperada: a sujeira em seu
bairro “maravilhoso” é culpa da “baianada”.
Então perguntei sobre a educação pública. Respondeu que nunca
precisou da educação pública para os seus filhos, apesar de ter estudado
em escola pública. Mas como tem mais de sessenta anos, cursou-a à época
em que servia a poucos, mas tinha qualidade.
Agora, pergunto sobre a saúde pública. A resposta é a de que nunca
precisou de saúde pública e que seu plano de saúde familiar é “top de
linha” – paga inacreditáveis 3,7 mil reais por um plano de saúde para
si, a mulher e duas filhas.
E a segurança pública em São Paulo, é boa? Claro que sim. Só não é melhor por culpa de quem mesmo? Adivinhe, leitor, se puder…
Pergunto como a segurança pode ser boa se a sua casa parece um campo
de concentração – fica em uma vila particular em que um portão enorme
fecha o espaço público, além de grades, fios elétricos e câmeras por
toda parte. Mais uma vez, a “baianada” levou a culpa.
Burrice, preconceito, irresponsabilidade… Tudo isso na boca de um
ex-juiz do Trabalho, contador formado e que tem conta bancária com quase
sete dígitos. Que desculpa tem esse homem para suas opiniões cretinas?
É tudo bem simples: vivemos em um país que está entre os 12 mais
socialmente desiguais em um planeta que tem cerca de duas centenas de
países. Essa minúscula elite que concentra renda, como ficou demonstrado
acima, não precisa do Estado.
Criou-se, entre esse segmento microscópico – e influente – da
sociedade, uma fé fervorosa no mais legítimo fascismo. Quer, no mínimo,
deportar os nordestinos excedentes aos que necessita como empregados
domésticos, garçons, manobristas, porteiros etc.
Alguns devem ter visto, aliás, entrevista que uma socialite chamada
Anna Maria Corsi deu à mesma Folha de São Paulo, entre outras congêneres
que também se manifestaram. A mulher disse, com todas as letras, o que
afirmo no parágrafo anterior.
A mesma coisa é o meu amigo supracitado – que é infinitamente menos
rico, mas igualmente preconceituoso. Aliás, mais radical, pois prega que
coloquem todos os nordestinos “no paredão” e “passem fogo”.
“Horário eleitoral pra quê?”, diz o amigo reacionário. Segundo ele,
os jornais já dizem quem é o candidato que “vai defender a gente dos
comunistas que querem dar aos baianos indolentes o que conseguimos com
nosso suor”.
Quis perguntar como ele pode ter “suado” para conseguir seu
patrimônio se herdou tudo do pai, mas desisti. Vivo em um bairro de
classe média alta – apesar de não ser dessa classe – e não posso brigar
com a vizinhança toda.
Eduardo Guimarães
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