O PT vai despertando de um transe que fez com que acreditasse que
seria sustentável para a democracia brasileira conviver com monstrengos
como esses impérios de comunicação que cada vez mais vão se tornando uma
espécie de jabuticaba, porque, em breve, só existirão no Brasil. E há
quem acredite que esse despertar já chegou até à presidente da
República.
Ao Sul da América do Sul, porém, a semana começa com uma notícia que
exige muita reflexão: até dezembro, os oligopólios de mídia argentinos, a
começar pelo Grupo Clarín (a Globo argentina), terão que se desfazer de
considerável parte de seus impérios no âmbito da entrada em vigor de
uma lei da mídia idêntica à que existe em qualquer parte do mundo
desenvolvido.
É um avanço imenso, impensável no Brasil. Afinal, em nenhum país
civilizado existem grupos de comunicação que operam em todas as
plataformas de mídia (televisão aberta e a cabo, rádio, jornais,
revistas e portais de internet) como ainda ocorre em vários países
latino-americanos, ainda que boa parte deles já esteja impondo regras a
essa orgia comunicacional.
O resultado desse remanescente gigantismo e dessa voracidade por
verbas públicas dos grandes grupos empresariais de comunicação todos
estão vendo no Brasil. Cada vez mais, essas aberrações vão atuando como
um poder paralelo ao do Estado – e, muitas vezes, prevalente.
Há pouco, ocorreu um fenômeno que só é possível em uma nação em que a
comunicação não tenha regras e na qual um minúsculo grupo de grandes
empresas de mídia consiga sufocar a pluralidade exigível em setor tão
vital. Um veículo de imprensa escrita fez uma acusação grave a um
ex-presidente da República, não apresentou uma só prova e essa acusação
passou a ser vendida pelos outros três grandes impérios midiáticos e
seus tentáculos como se fosse fato inquestionável.
Reflitamos sobre quantos veículos há hoje no Brasil com poder de:
1 – Pautar a Suprema Corte de Justiça e o Ministério Público, fazendo
com que acusem e condenem sem provas seus adversários políticos.
2 – Fazer acusações gravíssimas aos adversários políticos sem
apresentar uma só prova e sem responder por calúnia e difamação, porque
qualquer reação é chamada de “censura”.
3 – Mandar repórter invadir até o quarto de dormir de adversários políticos.
4 – Manter fora do alcance de investigações funcionários envolvidos com o crime organizado.
A CPI do Cachoeira, por exemplo, irá investigar jornalistas
envolvidos no esquema. Contudo, serão só os de pequenos veículos de
Goiás. Ou seja: a licença para delinqüir em nome da “liberdade de
imprensa” não é para a imprensa, mas só para algumas empresas de
comunicação.
Essas empresas escolhidas (pelo tamanho e pelo poder econômico) põem
seus funcionários para agredir as mais altas autoridades da República
tecendo histórias que não provam e intimidando os agredidos com
acusações de “censura”. E ninguém faz nada.
Os juízes do Supremo José Antônio Dias Tóffoli e Ricardo Lewandoski
vêm sendo acusados, insultados, ridicularizados e até caluniados por
funcionários de Veja, Globo, Folha e Estadão em suas “colunas” impressas
e em “blogs” corporativos.
O ex-presidente Lula, que como todo ex-presidente deveria ser tratado
com um mínimo de respeito, ainda que não esteja acima de críticas, foi
insultado pesadamente por um colunista. Não houve uma acusação, houve
xingamento puro e simples. É tratado como um criminoso condenado assim,
abertamente.
Minha mulher pergunta “Como é que pode?”. Podendo, respondo. Ela quer
saber se ninguém pode fazer nada. Digo que só quem poderia fazer é Lula
e ele não processa ninguém. Não faz como Serra, que processou o autor
de Privataria Tucana. E se processasse não adiantaria nada porque Veja
tem muito dinheiro e, se condenada, paga a indenização e pronto.
Agora, se Lula entrasse na Justiça contra o tal colunista que só
faltou xingar sua mãe, o processo demoraria anos e anos e, ao fim, a
empresa que o emprega, paga. Garantir proteção aos seus pistoleiros é
vital para que ataquem sem medo.
A classe política, o Judiciário, o Legislativo, o Executivo, todos se
borram de medo de uma máquina que conta com uma horda de arapongas
pronta a devassar a vida de qualquer um usando escutas ilegais, invasão
de domicílio, chantagem e o que mais se puder imaginar.
E se a mídia não acha nada, inventa. E se não conseguir inventar,
apela à ridicularização e à injúria, gerando desgaste emocional e
destruindo o ambiente social de seus alvos. Imagine o sujeito que sai na
capa da Veja ou da Folha, como lida com vizinhos, amigos, parentes,
colegas de trabalho etc. É uma condenação. O sujeito paga a pena sem
jamais ter sido condenado.
O julgamento do mensalão, pois, pretende plantar, já neste ano, a
base de uma pretensa morte política do PT e do ex-presidente Lula. Mas o
objetivo não são as eleições municipais de 2012 e o julgamento em tela
não terminará após expedir suas sentenças. Está sendo plantada a base
para que tenha um desenrolar.
O ministro do Supremo Joaquim Barbosa citou a presidente da República
ao ler seu voto sobre uma das celeradas “fatias” que inventou para
facilitar o curso desse que já é reconhecido por inúmeros juristas como
um “tribunal de exceção”, ou seja, onde os critérios de julgamento fogem
aos ditames do Direito e da jurisprudência.
Aqui e ali, nesse conclave entre o oligopólio midiático e os partidos
de oposição ao governo federal, já se diz que o mensalão que está sendo
julgado é parte de coisa ainda maior. Ou seja: estão ensaiando o
discurso com o qual pretendem chegar a 2014.
Se a dobradinha entre Supremo e Procuradoria Geral da República de um
lado e grande mídia de outro funcionar bem, lá pelo início de 2013 Lula
será arrolado em alguma investigação sobre a acusação sem áudio, sem
vídeo e sem confirmação alguma que a Veja lhe fez.
As certezas que os tais “colunistas” manifestam em que a Justiça será
favorável ao plano, obviamente que derivam de conhecimento de
bastidores por parte do patronato midiático em relação aos órgãos que
dão curso à campanha de criminalização do PT e dos seus políticos mais
eminentes.
Como não se fazem necessárias provas de nada para que o chefe do
Ministério Público teça considerações sobre a hipótese de processar
Lula, o mesmo valerá para qualquer outro cidadão brasileiro. Bastará uma
reportagem que diga que ouviu dizer uma acusação pelo amigo, pelo
parente ou pelo associado de alguém para que o Estado aceite a premissa.
Acabou a democracia no Brasil. Não é preciso mais provar nada para
acusar alguém. E o que é pior: tal prerrogativa só vale para alguns, ou
seja, para determinado grupo político.
O enfraquecimento do PT que está sendo plantado hoje com tanto
afinco, com tanta sofreguidão, a um custo de milhões e milhões de
dólares de campanhas publicitárias desencadeadas para difamar e
caluniar, obviamente que não visa a eleição de prefeitos e vereadores.
Anote aí, leitor: está sendo plantada a semente do envolvimento da
presidente Dilma Rousseff no mensalão 2, sobre o qual os mercenários
empregados na grande mídia já falam abertamente.
Antes, porém, será preciso anular o padrinho político dela, de forma
que não concorra em seu lugar se conseguirem envolvê-la em alguma coisa
que a impeça de disputar a própria sucessão, contando, para isso, com o
beneplácito da Procuradoria Geral da República e com a obediência do
Supremo Tribunal Federal.
Os cínicos, os ingênuos e os mal-informados farão a mesma pergunta:
ora, mas por que a mídia quereria tanto destruir um partido se o
capitalismo vem ganhando tantos presentes dos últimos dois presidentes
da República (Lula e Dilma)?
Sim, o governo Lula e o governo Dilma cederam muito ao capitalismo
selvagem que vige no Brasil. Contudo, como se viu no caso dos bancos, os
governos do PT cederam e cederão só enquanto não tiverem condições para
deixar de ceder. Além disso, o gasto social de governos petistas e as
políticas para redistribuir renda e oportunidades estão tornando o rico
menos rico e o pobre menos pobre.
Quase posso ouvir a ultra-esquerda e a direita rindo juntas da
afirmação que encerra o parágrafo anterior. Todavia, só se não tiver
alguém para esfregar na cara delas o índice de Gini, que, aliás, melhora
tanto no Brasil que pistoleiros do Partido da Imprensa Golpista já até
tentaram desqualificar a mais reconhecida fórmula de mensuração da
desigualdade.
Nos próximos anos, os índices oficiais mostrarão a continuidade de
uma distribuição de renda que a partir do governo Lula ganhou um impulso
visível a olho nu, sem nem necessidade de recorrer a estatísticas. E
esse é o xis da questão.
Distribuição de renda no país virtualmente mais desigual do mundo
obviamente que mobiliza contra si os poderes que produziram essa
situação. Alguém já se perguntou por que o Brasil é tão mais desigual
que qualquer outro país em estágio similar de desenvolvimento?
A concentração de renda brasileira é digna de qualquer republiqueta
bananeira. Aliás, os países que se ombreiam conosco em injustiça social
são só os países mais miseráveis e sem importância política da África e
da América Latina. Ou seja: nenhum país com tanta riqueza e tecnologia
quanto o nosso tem desigualdade sequer parecida.
A equação que construiu esse fenômeno desde a Proclamação da
República se sustenta no uso de meios de comunicação de massa para
produzir realidades virtuais e para calar quem disser o que não
interessa aos beneficiários da injustiça social, aqueles que a mídia diz
que não existem, que são invenção dos que querem “luta de classes”.
Eis porque o PT se tornou “inviável” para a elite que concentra renda
e que é dona das maiores fortunas e dos mais importantes grupos de
mídia.
Distribuição de renda? Ora, para dar a alguém há que tirar de alguém,
por isso se diz distribuição, ou redistribuição. Desenhando: a
quantidade de dinheiro que existe no país é uma só. Não dá para criar
riqueza e dar só para quem tem pouco, tem que tirar de quem tem muito ou
de quem tem mais ou menos e dar a quem não tem. É assim que funciona.
O mais engraçado de tudo isso é que os que têm muito sempre acabam
empurrando uma conta desse tipo para quem tem mais ou menos, ou seja,
para a classe média, que, no entanto, adota o discurso daquele que lhe
empurra a conta. E achando-se muito inteligente por isso…
Enfim, digressões à parte, é assim que a banda toca. Se não houver uma reação já, o script é esse.
O tom arrogante dos mercenários da grande mídia se deve à certeza de
que está tudo dominado: seus patrões, além de dinheiro, têm como
chantagear qualquer poder da República com campanhas de difamação como
as que se abateram sobre Tóffoli, Lewandowski, Lula etc.
É nesse contexto que se olha para a única pessoa que tem hoje poder
para enfrentar tudo isso: Dilma Vana Rousseff. Porque mídia e oposição
demo-tucana detêm o poder máximo do Judiciário graças a Lula e ela terem
nomeado procuradores-gerais e ministros do Supremo de olhos fechados,
acolhendo indicações da Justiça e do Ministério Público.
Lula chegou ao poder crente em que teria que agir de forma
“republicana” na indicação daqueles que são os únicos que podem
inclusive processar presidentes, condená-los e até destituí-los do
cargo. Deu nisso aí.
O homem que agora está nas mãos de um procurador-geral da República
que já se mostrou seu adversário político nomeou sempre aquele novo
procurador-geral que o Ministério Público Federal indicava enquanto que
os presidentes e governadores tucanos nomeavam e nomeiam
procuradores-gerais afinados consigo politicamente.
Inocência? Sim, com absolta certeza. Lula foi inocente. Mas Dilma
está sendo ainda mais. Começou seu governo achando que poderia se
entender com a mídia sem entender que ela não passa de braço político de
um setor da sociedade, o setor mais rico. Ponto.
Dilma também despertou? Alguns dirão que suas respostas aos insultos
de Fernando Henrique Cardoso e de Joaquim Barbosa e a nomeação rápida do
novo ministro do STF constituem sinais de que já entendeu o que está
acontecendo. A preocupação, porém, é a seguinte: quem caiu naquele conto
talvez ainda não tenha percebido que é o alvo final disso tudo.
Eduardo Guimarães
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