Em virtude da decisão, os 170 indígenas poderão permanecer em uma área de dois hectares dentro da fazenda Cambará até que os trabalhos de identificação da terra indígena sejam concluídos |
A suspensão da liminar que determinava a retirada
dos índios Guarani-Kaiowá do acampamento Pyelito Kue, na Fazenda
Cambará, em Iguatemi (MS), determinada ontem (30) pelo Tribunal Regional
Federal da 3ª Região (São Paulo), foi comemorada pelo Ministério
Público Federal, Ministério da Justiça e pela Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República. A medida foi tomada em atenção a
pedido da Fundação Nacional do Índio
(Funai) e do MPF, após intensa mobilização na internet.
Em virtude da decisão,
os 170 indígenas poderão permanecer em uma área de dois hectares dentro
da fazenda Cambará até que os trabalhos de identificação da
terra indígena sejam concluídos. A desembargadora Cecilia Mello informou
em nota que a Funai "deve adotar todas as providências no
sentido de intensificar os trabalhos e concluir o mais rápido
possível o procedimento administrativo de delimitação e demarcação
das terras". A identificação vem se arrastando há cerca de três anos,
quando a Funai assinou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com
o MPF para examinar a questão territorial dos Guarani-Kaiowá.
Para o procurador da
República Marco Antonio Delfino de Almeida, a mobilização popular pela
internet foi fundamental para a causa. "A mobilização das redes provocou
uma reação raramente
vista por parte do governo quando se trata de direitos indígenas",
disse Almeida, em nota do MPF. Os Guarani-Kayowá tornaram-se assunto em
todo o
Brasil, quando divulgaram uma carta na qual declaravam que preferiam
morrer coletivamente a deixar suas terras.
A ministra da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria
do Rosário, recebeu com entusiamo a decisão, e ressaltou a
importância de o Estado brasileiro assegurar o direito à terra, das
comunidades tradicionais. “Esse é um importante passo, mas não o
definitivo. Para o governo federal, é uma prioridade a atenção às
comunidades indígenas e a solução dos conflitos que envolvem a
disputa por suas terras”, declarou Maria do Rosário em nota.
A ministra criticou a
demora no julgamento, pelo Supremo Tribunal de Justiça (STF), dos
processos de reconhecimento de terras. Para Maria do Rosário, essa
demora colabora para o agravamento dos conflitos entre indígenas e
fazendeiros. “Temos de trabalhar para agilizar o julgamento das
ações onde já houve demarcação antropológica que comprova que
as terras são indígenas. Quando esses processos ficam parados por
um longo prazo, isso acaba gerando mais tensões e ameaças”,
destacou a ministra.
Também em nota o ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo, anunciou a ampliação do efetivo da Força
Nacional na região. “Diante desse cenário de conflitos, ameaças
e delitos, determinamos um reforço no policiamento da Força
Nacional, que já está no local com homens e viaturas. O novo
efetivo já está em deslocamento. Estamos fazendo um deslocamento
por terra justamente por termos a necessidade de viaturas circulando,
já que é uma área muito grande. Dentro da análise técnica que
foi feita nós teremos um bom efetivo para buscar dar o máximo de
segurança e evitar os conflitos na região” explicou o ministro.
Segundo o ministro, por
determinação da presidenta Dilma Rousseff, a Funai deverá
concluir, em 30 dias, o estudo antropológico que comprova que as
terras reivindicadas pela comunidade Guarani-Kaiowá pertencem de
fato aos seus ancestrais. “Isso é um avanço muito importante.
Esta decisão expressa um posicionamento da presidenta Dilma, que tem
nos orientado a cumprir a Constituição, que é, na verdade, o papel
que temos de desempenhar”, concluiu Cardozo.
Ato em Brasília
Com rostos pintados, estudantes de escolas e
universidades de Brasília se reuniram com representantes de movimentos
sociais e indígenas de vários estados, como São Paulo e Mato Grosso,
para manifestar o apoio aos guarani kaiowá que lutam há décadas para
conseguir a posse da terra em que vivem em Mato Grosso do Sul.
Aluna de uma escola pública, Bianca Gomes de Souza,
16 anos, explicou o motivo da presença dos estudantes no manifesto:
“Esta semana, assistimos a um filme sobre a luta dos guarani. Não
sabíamos. Decidimos vir para ajudar no protesto. Queremos que a terra
seja dada aos índios já que a terra é deles”, disse.
Bisneta de um índio da etnia Guarani-Kaiowá do Rio
Grande do Sul, a nutricionista Denise Camargo da Silva disse que só
soube dos episódios em Mato Grosso do Sul pela rede social Facebook.
Emocionada, Denise criticou a falta de informações
sobre o que ocorre nas regiões onde vivem índios no país. “Trabalhei em
um projeto pela UnB [Universidade de Brasília] e visitei algumas etnias
em vários lugares do país. Independentemente do local, eles sofrem, são
segregados, discriminados e violentados. E a língua deles poucas pessoas
falam. Até isso estamos perdendo e são nossos ancestrais”, criticou a
nutricionista.
O manifesto também contou com o apoio de
representantes de outros grupos indígenas. É o caso de Manuel
Claudionor, índio da etnia Mutina, de Mato Grosso. Ele é estudante e
disse que soube do protesto pelas redes sociais. “Vim pelo que acontece
na terra dos guarani, que estão perdendo a terra, muitos estão sendo
assassinados ou estão se matando pela perda da sua terra, da sua
cultura. Somos índios e temos convicção de que todos temos os mesmos
direitos. Somos os primeiros habitantes do Brasil”, disse.
O ato que marcou a primeira manifestação pública a
favor do povo Guarani-Kaiowá nas ruas da capital federal, desde que os
conflitos entre índios e fazendeiros foram retomados, começou a ser
organizado por um grupo de estudantes da Universidade de Brasília.
“Começamos a divulgar nas redes sociais e rapidamente tivemos a adesão
de centenas de pessoas que começaram a mudar seus nomes no perfil do
Facebook [acrescentando o nome da etnia Guarani-Kaiowá aos sobrenomes] e
confirmaram a presença na passeata. Essas pessoas divulgaram várias
informações sobre a realidade desse povo”, explicou Luiza Oliveira,
estudante da UnB.
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