Bonecas que cantam e dançam sozinhas e vivem em um mundo colorido, cheio de
efeitos especiais; jogos que são capazes de reunir amiguinhos e pais para uma
partida cheia de sorrisos e diversão; tênis ou sandálias da moda que garantem a
quem os usa sucesso instantâneo, atraindo olhares e interesse por onde passam. Para os adultos é fácil perceber que esses exemplos de peças publicitárias
servem para convencer o público a comprar os produtos apresentados. Para as
crianças, no entanto, o cenário e os resultados produzidos são facilmente
confundidos com a realidade, garante a especialista em comunicação Luciene
Ricciotti.
Segundo ela, que também é membro da Rede de Trabalho do Instituto Alana,
organização sem fins lucrativos voltada para a defesa de crianças e
adolescentes, o público infantil não conta com desenvolvimento psicológico
suficiente para fazer essa diferenciação e identificar os apelos do
marketing.
“Quando a criança vê a propaganda, ela vê o cenário, o conjunto e diz que
quer. Mas muitas vezes ela não quer o brinquedo, ela quer a mãe brincando com
ela no tapete como aparece na televisão. Aí a gente compra, e o brinquedo acaba
no fundo do armário”, disse a especialista, que é autora do livro A Criança
e o Marketing, escrito em parceria com a psicóloga Ana Maria Dias da
Silva.
A especialista defende que pais e professores discutam os objetivos da
propaganda com filhos e alunos e os orientem a perceber que nem sempre
precisamos dos objetos e serviços que nos são apresentados. O esforço, acredita,
ajuda essas crianças a serem, no futuro, consumidores conscientes. Luciene
Ricciotti acrescenta que a tarefa dos pais é ainda mais difícil porque a
criança, em geral, não percebe o fim do desenho e o início da propaganda. “Para
ela, os dois têm a mesma credibilidade”, explica.
“A ideia é orientar as crianças, contar o que é o marketing e dizer
que a função dele é atender necessidades de consumidores. É importante preparar
a criança para o mundo em que a gente vive. Mais cedo ou mais tarde ela vai ter
acesso às marcas, ao assédio das empresas e precisamos orientá-las a não
consumirem tanto por impulso. Comprar não é errado, o errado é comprar, comprar,
comprar e guardar, guardar, guardar, o que caracteriza o consumismo”,
alertou.
Para Ana Cláudia Bessa, uma das fundadoras do movimento Infância Livre de
Consumismo, coletivo formado por pais e mães inconformados com os estímulos da
publicidade infantil ao consumo excessivo, a família não pode ser totalmente
responsabilizada pela formação do consumo consciente em crianças e adolescentes.
Segundo ela, trata-se de uma disputa “cruel e desigual”. A ativista defende a
proibição de propagandas voltadas para esse público.
“Não temos como competir com as mensagens criadas por adultos, que estudaram
para isso, voltadas às crianças, que não têm condição de discernir o que é
verdade, manipulação ou mentira. Além disso, crianças não podem decidir o que
vão consumir, afinal elas não geram renda”, ressaltou, acrescentando que essa
realidade é responsável por conflitos familiares e constantes frustrações, já
que “é impossível para a maioria das pessoas comprar sempre todos os lançamentos
apresentados nas propagandas”.
“Essa necessidade produzida, além de tudo, compromete a sustentabilidade do
planeta porque, baseados no consumismo, em pouco tempo, estaremos lotados de
lixo, com o ambiente totalmente degradado e sem água para beber”, completou.
EBC
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