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| Sem formação de professores, distribuição de tablets pelo MEC tende a tropeçar em erros antigos | 
É o objeto de desejo do momento e nem as escolas estão livres de 
modismos. Na onda dos lançamentos de inúmeros modelos de tablet, o 
ministro da Educação, Aloizio Mercadante, anunciou em junho que 
investirá 150 milhões de reais na compra de 600 mil aparelhos para uso 
de professores de Ensino Médio da rede pública de todo o País. Espécie 
de computador em formato de prancheta com tela sensível ao toque, o 
tablet tornou-se sensação entre usuários de tecnologia pela 
portabilidade e a possibilidade de acessar a internet ou ler livros 
digitais, por exemplo, com mais facilidade.
Receberão os materiais primeiramente as escolas urbanas, com banda 
larga, rede sem fio e laboratório do Programa Nacional de Tecnologia 
Educacional (ProInfo). A distribuição se dará no segundo semestre dentro
 do Educação Digital – Política para computadores interativos e tablets,
 que prevê a inclusão de tecnologias de informação e comunicação (TICs) 
no processo de ensino. Os tablets virão num pacote de computadores 
interativos com lousa, acesso à internet, DVD, microfone, computador e 
projetor. Os aparelhos terão telas com entre 7 e 10 polegadas, câmera, 
saída de vídeo e conteúdos pré-instalados.
A estratégia foi anunciada pelo ministro como forma de resolver o 
problema da evasão escolar no Ensino Médio. “A escola precisa se 
reinventar para atrair e dialogar com essa juventude”, afirmou na 
ocasião, ao dizer que o modelo de escola atual é do século XVIII e que é
 preciso renová-lo. Curiosamente, a imagem coincide com a descrita por 
Jens Bammel, secretário da International Publishers Association, ao 
falar sobre a febre mundial dos tablets na educação no 3º Congresso 
Internacional do Livro Digital, em São Paulo. “Em todo o mundo, surgem 
políticos dizendo que é preciso trazer a sala de aula para o século XXI 
enquanto tiram fotos com iPads ao lado de crianças sorridentes”, 
afirmou, ao descrever o que chama de “tecnofilia dos políticos”. “Na 
hora, discursam sobre como se isso somente fosse capaz de dar um salto 
nos indicadores de qualidade, porém, o que se forma é um ciclo de 
entusiasmo em que os governos repetem os mesmos erros: criam grande 
expectativa, as coisas se acalmam, as pesquisas mostram pouco ou nenhum 
resultado e o projeto é enterrado quietamente. Até que um outro político
 descobre um novo aparato tecnológico com que desfilar diante das 
câmeras.”
Favorável à chegada das TICs à sala de aula, Sergio Ferreira do 
Amaral, professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de 
Campinas (Unicamp) e pesquisador do Laboratório de Novas Tecnologias 
Aplicadas na Educação da instituição, vê com cautela o programa do 
ministério. “Não é preciso ser especialista para saber que é um fetiche 
comprar um aparelho sem planejamento pedagógico sério. O material não 
trará ganhos se só tiver animações. Boa parte do uso dos tablets é para 
leitura de arquivos de texto em formato PDF, quando ele tem um potencial
 para  muito mais que isso.”
O MEC afirma que o desenvolvimento do método pedagógico vai acontecer
 na prática, e eis que surge uma das primeiras críticas feitas ao 
programa: “A iniciativa de disponibilizar tecnologia é importante, 
necessária, mas não suficiente para melhorar a educação brasileira. O 
grande problema é a formação de professores, ela deve ser intensa e 
acompanhar qualquer inserção de TICs nas escolas”, afirma Klaus 
Schlünzen Junior, coordenador do Núcleo de Educação a Distância da 
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).
Sem formação específica para o trabalho, a tendência é que todas as 
potencialidades exaltadas pelo ministro não se concretizem em melhoras 
no aprendizado ou em benefícios efetivos para os alunos. “São 
importantes as políticas direcionadas a investimento em tecnologia nas 
escolas, é uma questão de inclusão social. O problema é como isso é 
colocado. Hoje, a maioria das escolas tem laboratórios de informática 
subutilizados. Não há projetos pedagógicos, os computadores são usados 
para fazer pesquisas, baixar coisas da internet, o que é muito pouco 
para o que a infraestrutura permite. Há o risco de o mesmo acontecer com
 o tablet”, questiona o professor Sergio Ferreira. E completa: “Não é só
 levar o equipamento até a criança. É preciso saber quem está dando 
suporte pedagógico. O tablet representa um campo novo, não pode ser só a
 versão eletrônica do papel”.
De acordo com o MEC, a Secretaria de Educação Básica já iniciou a 
tratativa junto às universidades federais que darão o apoio à elaboração
 de conteúdos. Estão sendo elaborados conteúdos modulares para serem 
colocados na plataforma de educação a distância do MEC para início 
imediato.
Num País em que é comum o relato de laboratórios de informática e 
mesmo bibliotecas que acabam trancados por medo de que os estudantes 
estraguem o que eles guardam, cabe refletir sobre como o educador vê a 
tecnologia. Segundo uma pesquisa do Comitê Gestor da Internet, a 
principal limitação para seu maior uso na escola está relacionada ao 
nível de conhecimento dos professores acerca dessas tecnologias. Para 
75%, a principal fonte de apoio para o desenvolvimento dessas 
habilidades são os contatos informais com colegas.
O MEC quer mudar essa realidade preparando os educadores através do 
ProInfo – cerca de 300 mil já participaram do treinamento. Porém, Sérgio
 questiona o formato desses cursos. “É previsto um treinamento de 360 
horas. Não há necessidade, é tempo demais e desestimula o professor. É 
preciso focar a metodologia”, afirma. Um problema que volta também com os 
recém-formados que estão deixando as universidades pouco familiarizados 
com as possibilidades pedagógicas oferecidas pelas TICs.
Faltam resultados concretos
A primeira comparação feita, ao se pensar no novo programa, é com o 
Um Computador por Aluno (UCA), aplicado em vários países, e que já 
distribuiu mais de 2,4 milhões de equipamentos pelo mundo. Porém, são 
poucos os estudos conclusivos a respeito de sua efetividade. Apenas a 
título de ilustração, uma pesquisa feita pelo Inter-American Development
 Bank no Peru não encontrou evidências de melhoras em matemática ou 
linguagem após a aplicação do programa. Foram encontrados, contudo, 
resultados positivos referentes a habilidades cognitivas.
O próprio ministro admitiu, no lançamento da iniciativa, que há um 
certo risco no projeto: “Não há uma literatura conclusiva sobre isso. Há
 estudos na União Europeia dizendo que não está assegurado que houve 
salto sistêmico e relevante no processo de aprendizado, mas houve 
melhoras na criatividade, interesse pela língua, pela ciência. Ou seja, 
há ganhos positivos”.
Para Klaus, tais ganhos tropeçariam, justamente, na desenvoltura dos 
professores em incorporar as possibilidades que a ferramenta oferece. “A
 tecnologia por si só não melhora a educação. Isso é algo óbvio e 
evidente. Educação é um processo humano que depende de bons professores.
 Ela precisa ser vista como um novo instrumento pedagógico como qualquer
 outro. Apenas aliada a um professor com boa formação inicial e 
continuada é que ela poderá trazer efetivos avanços.”
“Poucas experiências no mundo apontam algum sucesso, até porque 
trata-se de algo novo, que ainda se está começando a estudar. Mas, se 
pensarmos em Piaget, na desenvoltura que as crianças têm com esses 
aparelhos e no fato de que é preciso que a sala de aula esteja em 
consonância com o mundo exterior, isso tudo já estabelece que podemos 
relacionar sim a inclusão digital com melhoras no ensino. Mas isso, mais
 uma vez, volta à necessidade de um educador preparado para guiar esse 
processo”, pondera Sérgio. 

 
 
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