Instalação de bases militares no Chile e no Peru revelam a tentativa estadunidense de aumentar sua influencia na região |
As expectativas de novas relações entre Estados
Unidos e América Latina continuam cada vez mais distantes. Movimentações
recentes, com vistas à instalação de novas bases militares, revelam a
tentativa estadunidense de aumentar sua influencia na região.
Em
5 de abril, foram concluídas no Chile as obras do Centro de Treinamento
de Pessoal para Operações de Paz em Zonas Urbanas. Localizada em Forte
Aguayo, em Concón, na região de Valparaíso, a base foi construída em 60
dias, tempo considerado recorde para um projeto do tipo.
A
estrutura é composta por oito edifícios, que simulam uma pequena
cidade. O custo da base, financiado pelo Comando Sul das Forças Armadas
dos Estados Unidos, foi de quase 500 mil dólares. O centro será
destinado ao treinamento das chamadas Forças de Paz das nações latino-americanas que integram missões das Nações Unidas.
Já
no Peru, o Governo Regional do departamento de Piura (norte do país)
entregou a representantes do Comando Sul dos Estados Unidos um terreno
de dois hectares para que seja construído o novo Centro de Operações de
Emergência (Coer) para Piura, capital do departamento.
Segundo
informações da imprensa local, representantes do Comando Sul já
realizam estudos e estimam que, até julho, o projeto para o centro
estará pronto. A obra deverá ter um custo de 500 mil dólares.
Com
as duas novas unidades, chega-se à marca de 49 bases militares
estrangeiras na América Latina, segundo levantamento do Centro de
Estudos e Documentação sobre Militarização.
Outra
base estadunidense estava prevista para a Argentina, mas o plano não
foi em frente. O objetivo dos Estados Unidos era instalar um “centro de
emergência” em um edifício no perímetro do aeroporto da cidade de
Resistencia, capital da província de Chaco, no nordeste do país.
A
permissão para a instalação do centro já havia sido outorgada pelas
autoridades locais da província do Chaco. Entretanto, o plano foi
rechaçado pelo governo nacional, que, depois de vários protestos de
organizações sociais, mandou suspender as negociações.
Política continuada
A
instalação das novas bases é vista com preocupação pelo professor do
Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSC e membro do
Instituto de Estudos Latino Americanos (Iela), Nildo Ouriques. Para ele,
o fato mostra que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, mantém
uma política “imperialista” para a região.
“Ninguém amplia bases militares para fortalecer relações de solidariedade e amizade”, alerta.
A
opinião é compartilhada por Pablo Ruiz, que integra, no Chile, a Equipe
Latinoamericana do Observatório da Escola das Américas (Soaw).
“No
começo tivemos esperança em Obama, quando disse, especialmente, que
queria ter uma relação de respeito com nosso continente. Mas as
esperanças terminaram faz muito tempo“, diz.
Militarização
A
construção de bases militares estadunidenses na América Latina não é um
fenômeno novo, como lembra o professor de Jornalismo da Faculdade
Cásper Líbero, Igor Fuser. Durante as décadas de 1970 e 1980, porém, não
havia necessidade de uma presença militar mais efetiva, pois os próprios
governos nacionais, alçados ao poder por meio de golpes de Estado,
levavam adiante os interesses dos Estados Unidos na região. Sua força
continuou nos anos 1990, com a eleição de governos neoliberais
simpáticos ao país.
A comodidade estadunidense
começou a ruir com a ascensão de governos progressistas como o de Hugo
Chávez, em 1998, fenômeno que se estendeu a outros países a partir da
década de 2000. Junto veio o fracasso do projeto da Área de Livre
Comércio das Américas (Alca). Nesse momento, segundo o professor da
Cásper Líbero, as bases apresentaram-se como solução.
“Os
Estados Unidos perceberam a falta de um instrumento mais eficaz para
garantir seus interesses políticos e econômicos na região. A saída que
eles encontram foi intensificar a presença militar direta na América
Latina”, afirma Fuser.
Fato emblemático do
aumento da militarização, para ele, foi a reativação da Quarta Frota da
marinha estadunidense, em 2008. Criada em 1943, durante a II Guerra
Mundial, para conter os avanços nazistas, a unidade havia sido
desativada em 1950.
O Brasil e seus recursos
Dentre
os vários interesses estadunidenses na região, o controle dos recursos
naturais aparece como um dos mais importantes. Nesse sentido, para o
jornalista uruguaio Raúl Zibechi, o Brasil torna-se um grande alvo dessa
nova ofensiva.
Detentor das riquezas da
Amazônia, o Brasil tornou-se um país ainda mais atrativo devido à
descoberta da camada pré-sal. Com isso, segundo ele, a tendência é de
que o “traçado” das bases, daqui para frente, vise a “cercar” o Brasil.
“Com o pré-sal as coisas se complicam, e a Marinha começa a ter um papel mais importante do que antes”, diz.
Nesse
sentido, aponta Fuser, o Brasil deve adotar uma posição firme de
repúdio às bases, não só para proteger seus recursos naturais, mas
também de solidariedade em relação a seus vizinhos.
“A
perspectiva de uma América do Sul integrada, como o Brasil defende,
inclui como ponto essencial a afirmação plena da soberania. Um país não
pode ser plenamente soberano se ele tem uma base militar estrangeira
instalada no seu território”, diz.
Consequências
Os
países para onde estão previstas as novas bases já temem as
consequências da militarização. No Chile, a instalação da base tem
gerado protestos de diversas organizações. Em carta dirigida ao ministro
de Defesa, Andrés Allamand, comissões de direitos humanos, grupos de
familiares de executados políticos, intelectuais e movimentos sociais
afirmam que os Estados Unidos não têm “qualidade moral para ensinar
operações de paz”.
O principal receio é de que a
base sirva para conter manifestações sociais que vêm acontecendo nos
últimos anos em território chileno, organizadas por estudantes e
defensores de direitos humanos.
Já no Peru o
principal desdobramento da instalação da nova unidade militar deverá ser
a intensificação da chamada “guerra às drogas”. A base de Piura,
segundo o analista político peruano Guillermo Burneo, terá objetivo
semelhante à base área de Manta, no Equador. Desativada em 2008 por
determinação do presidente Rafael Correa, a estrutura tinha por objetivo
oficial combater o narcotráfico na região.
Com o
aumento da repressão ao narcotráfico, argumenta Burneo, os Estados
Unidos podem impulsionar seu mercado de equipamentos bélicos – algo que
se torna especialmente importante agora, diante da crise econômica pela
qual passam os estadunidenses.
“Dar treinamento a
nossos exércitos é uma maneira de nos submeter à sua logística e o que
isso implica, que é a compra de armamentos”, afirma Burneo.
Patrícia Benvenuti Brasil de Fato
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