Quando me convidam para falar em público, quase sempre plateias
universitárias, às vezes, se a situação recomenda, proponho: levante o
braço quem já leu um livro de Fernando Henrique Cardoso. Ao cabo de
décadas de palestras, vi ao todo três braços erguidos. O príncipe dos
sociólogos é lido por pouquíssimos.
Fama usurpada? Anos atrás, em
conversa com um caro amigo, ousei citar o líder comunista italiano
Massimo D’Alema, o qual, sem referir-se ao sociólogo, disse do
político: “Fernando Henrique é um presidente de exportação”. O caro
amigo me convidou com extrema firmeza a passar o resto dos meus dias na
Itália e nunca mais falou comigo. E nem sei se ele leu algum livro do
seu herói.
Avento a hipótese de que haja quem coloque FHC sobre
um pedestal inviável e lhe atribua um peso específico inexistente, a
configurar um mistério brasileiro digno da análise dos cultores do
absurdo. Entendo que a presidenta Dilma fique indignada com o artigo
que o presidente da reeleição comprada publicou no Estadão de
domingo 2 de setembro para denunciar no chamado “mensalão” a herança de
Lula. Mas vale a pena abrir portas abertas ou conversar com as paredes
para replicar a um texto ditado, antes de mais nada, pela inveja?
Há quem diga que
mesmo em Higienópolis, o bairro heráldico de São Paulo, o morador FHC
deixou de ser assunto há muito tempo. E quanto há de sofrer o
esquecido, devorado pela constatação de que Lula não foi presidente de
exportação para ser reconhecido internacionalmente como “o cara” sem
precisar atirar-se nos braços do presidente americano. À época da
Presidência tucana, Clinton, avalista do neoliberalismo mundial, ao
qual FHC aderiu sofregamente.
Estranho, de todo modo, que as
autoridades brasileiras atualmente no poder atribuam importância a uma
mídia disposta a desancá-las in limine e a priori para apoiar maciçamente o tucanato, com resultados tragicômicos, como se viu em 2002, 2006 e 2010. Nesta semana, a espantosa Veja
registra a mudança histórica representada pelas “condenações de
mensaleiros”. “O Brasil reencontra o rumo ético”, afirma, e nisto conta
com a imediata concordância de Época, a global.
Simples explicar tanto regozijo: Veja e Época
consideram-se pontas de lança da mídia enfim vencedora. Sem entrar no
mérito da palavra errada, mensaleiros, entregam-se ao estado de graça
os mesmos que silenciaram em relação ao “mensalão” tucano, das
privatizações em diante. Cabe perguntar por que o Brasil não começou a
mudar então?
Os políticos, em geral, ainda não
entenderam que esta mídia, pronta a antecipar os veredictos do Supremo,
serve exclusivamente à minoria privilegiada, a lhe repetir as frases
feitas, a lhe engolir as mentiras, a acreditar em suas invenções qual
fossem a própria verdade factual, sem dar-se conta, é óbvio, das
omissões. E para impedir a convocação de Policarpo Jr. diretor da
sucursal de Veja em Brasília, parceiro de Carlinhos Cachoeira
em algumas clamorosas contravenções, destinada à apuração da CPI, basta
e sobra que um representante da Abril baixe na capital federal e
converse com quem de direito, habilitado a dar um jeito. Ah, sim, o
famoso jeitinho brasileiro. Daí, a moral: o Brasil não é o Reino Unido,
que manda para casa o senhor Murdoch.
Veja e Época
celebram a mudança que lhes convém, expõem-se, contudo, a um risco. E
se o Supremo tomar gosto pela fidelidade à deusa vendada e depois do
processo em curso partir para outro, o julgamento das falcatruas
tucanas? Os dias não têm sido luminosos para o PSDB, à vista,
inclusive, da luta intestina a ser precipitada pela possível
(provável?) derrota de José Serra na iminente eleição paulistana. Quem
será o próximo candidato tucano à Presidência da República, o
anti-Dilma? Nuvens plúmbeas estacionam no horizonte.
Desde já, CartaCapital avisa. Tão logo termine o julgamento do chamado “mensalão petista”, nossa capa vai soletrar: E AGORA VAMOS AO MENSALÃO TUCANO. Temos um excelente enredo a desenrolar. Se mudança houve, que seja.
Mino Carta Carta Capital
Um comentário:
Olhar muito parcial ...
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