quinta-feira, 10 de maio de 2012

O professor vai para o circo?

“Dog’s Bônus” seria o nome correto. Trata-se da idéia de que você pode dar um petisco para o cão, toda vez que ele faz o que lhe foi ordenado, reforçando seu comportamento positivo.
 
Nenhuma pessoa que tem cachorro e convive mesmo com ele, usa esse método. Para circo, talvez esse procedimento tenha alguma utilidade. Mas, para quem quer o cão sabido, amigo e em casa, esse procedimento é inútil. Antes o amor e a atenção - que o treino via façanha-e-recompensa, condicionador - é o que sabemos que efetivamente funciona.

Em política educacional, alguns ainda não chegaram a essa conclusão. Estão pensando na base do “Dog’s Bônus”. Desacreditam completamente nas relações de “ombreamento horizontal e amoroso”, nas quais Paulo Freire apostava, e se agarram a procedimentos das Teorias de Administração de Empresas. Basicamente, duas: a de Taylor e a de Relações Humanas no Trabalho.

Friedrick Taylor, um engenheiro da Filadélfia, estudou tempos em relação a movimentos e encontrou pontos ditos ótimos sobre eventos. Montou o que denominou de “linha de produção”, ela própria com velocidade cada vez mais decidida por si mesmo e não por cada indivíduo a ela integrado na fábrica ou empresa. Com a entrada da máquina, ficou mais fácil fazer isso. Em empresas em que a máquina não entrou como o carro-chefe, então, a alternativa foi reforçar a disciplina: relógio e punição. Isso deu certo, a produção cresceu. Mas outros acharam que poderia crescer mais ainda.

Esses outros colocaram sobre o taylorismo uma idéia simples: ao invés da punição aos fracassados, que tal eliminá-los de vez e, paralelamente a isso, premiar com pequenas recompensas os que tiverem sucesso? Para fazer isso, é claro, tiveram de criar um ambiente de camaradagem maior na linha de produção. Nas empresas sem máquinas, onde o problema é sempre maior, introduziram então a eliminação dos “não adaptados” e o prêmio com estardalhaço para os “integrados”. Foi por aí que, no interior do taylorismo lambuzado pela Teoria das Relações Humanas no Trabalho, nasceu isso que chamo de “Dog’s Bônus”. Todo empregado de uma empresa sem máquinas – eis aí a escola – deve receber um brinde, caso consiga promover a camaradagem no ambiente de trabalho e, assim, fazer a si mesmo um cumpridor do taylorismo, agora camuflado, além de tornar outros também capazes da mesma coisa. Houve empresa que só se salvou de crises por conta dessa brilhante idéia.

Todavia, o que nunca vi, em nenhum país do mundo, foi esse procedimento dar certo para a instituição chamada escola. Nem para a escola pública, tratada como instituição, nem para a escola privada, tratada como empresa.

Posso ter, com tal procedimento, uma escola que consegue que todos os seus alunos se alfabetizem em um ano? Duvido. Ora, mas a minha geração (sou de 1957) ia para a escola e todos da classe se alfabetizavam completamente em um ano. A minha escola era administrada não por qualquer teoria especial, mas apenas com o bom senso de professores que, enfim, conseguiam fazer o que tinham de fazer. Eles mantinham uma rígida hierarquia vertical entre direção, eles mesmos, funcionários e alunos, quanto a aspectos organizacionais, mas no trabalho pedagógico sobre cada aluno eles utilizavam de um procedimento coletivo, bem semelhante ao que esperaríamos do “ombreamento horizontal amoroso”. Dois professores (ou mais) podiam se unir em função do aprendizado de um aluno, criando assim uma horizontalidade triangular, de modo que esse aluno, que estava ficando para trás no aprendizado, acompanhasse a turma.

Qual o incentivo desses professores para trabalhar assim? Incentivo “extra”? Nenhum! Ora, então o que estou advogando é a velha teoria do magistério por sacerdócio? De modo algum. Esses professores cumpriam seus trabalhos porque eles haviam aprendido, na Escola Normal em nível médio, a fazer direito o que tinham de fazer. Eles eram alfabetizados e alfabetizavam bem. Como eram gratificados? Como todos: tinham salários que os colocavam na classe média e, por isso mesmo, nenhum deles precisava ficar pulando cordinha e balançando rabinho para o “Dog”s Bônus”.

Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ, lança agora em junho As lições de Paulo Freire – filosofia, educação e política, editora Manole

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