quarta-feira, 23 de maio de 2012

Ilegal é descumprir o piso salarial dos professores!

Vi, alguns dias atrás, em um site de grande acesso um comentário de um autointitulado “Pai de aluno Consciente” aconselhando a saída das e dos professores da paralisação de atividades porque a nossa greve foi considerada “ilegal” e, segundo o mesmo, caberia apenas voltarmos à normalidade das aulas e discutirmos o aumento na “justiça”. Afinal, ainda segundo o mui “consciente” comentador, “decisão judicial se cumpre, pra discutir só na própria justiça”. 
 
Passado mais de um mês de tal proibição “legal” do nosso direito de reivindicação, o fato não mereceria atenção se não fosse utilizado pelo governo do senhor Jaques Wagner, sistematicamente, como peça de propaganda (enganosa) e se não mais penetrasse na “consciência” de alguns pais e mães “desavisados”. Realmente, a greve do professorado da rede estadual foi considerada “ilegal” no dia 13 de abril, mas e daí? Sinceramente, não creio que o parâmetro de um juiz seja o único metro para medir o que pode ou não ser feito para alcançar uma reivindicação legítima.
 
O argumento para decisão sobre a suposta ilegalidade, como de praxe, foi que a greve “acarreta danos ao serviço público e à coletividade”. O mais evidente é que a dita “coletividade” é tudo menos a ampla maioria da sociedade prejudicada no médio e longo prazo pela ausência de educação escolar de qualidade. E aqui, não devemos esquecer que a qualidade da escola em qualquer lugar do mundo está diretamente relacionada às condições de trabalho e remuneração do professorado. Dessa forma, a liminar do juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública de Salvador, Ricardo D’ Ávila, não correspondeu à salvaguarda dos interesses da “coletividade”, mas sim à clara tentativa de supressão judicial de um conflito socialmente instaurado. A questão já seria preocupante se fosse apenas um casuísmo relativo à greve dos professores da rede estadual, mas se trata de prática recorrente nos últimos tempos: quantas greves foram consideradas “ilegais” recentemente? Comumente, a mídia e boa parte da população se referem à corrupção dos poderes Executivo e Legislativo, mas esquecem de apontar o quão problemático também é o nosso Judiciário. Faceta essa que se mostra evidente na maioria absoluta dos processos de greve, mesclando reacionarismo, solidariedade gratuita aos dominantes, conveniência com os governantes de sempre e subserviência ao patronato.

Nesse caso, vemos mais uma vez o mundo de cabeça para baixo: é o Direito que tenta moldar compulsoriamente a realidade e não a realidade que define a legitimidade dele. Convenientemente, essa preocupação com o aspecto “legal” das reivindicações deixa de lado o fundamental do conflito instaurado: o flagrante descumprimento por parte do governo estadual da Lei do piso salarial nacional dos professores (Lei 11.738/2008) não seria a primeira e mais grave ilegalidade? Até a presente data da greve, não vi nenhum pronunciamento judicial que determinasse por parte do executivo estadual o óbvio cumprimento da Lei do Piso. Mais uma vez, ao reproduzir a lógica de “dois pesos, duas medidas”, a realidade brasileira dá uma demonstração cabal que direito e justiça estão longe de serem sinônimos. Como bem lembrou a “multidão” no belíssimo prefácio de José Saramago para o álbum Terra, do fotógrafo Sebastião Salgado, “Direito, já nós o temos, e não nos conhece”, por isso “o que queremos é uma Justiça que se cumpra e um Direito que nos respeite”.

Portanto, a questão mais geral que se coloca é se vivemos em um Estado judicial, ou seja, aceitaremos a supressão “legal” dos conflitos sociais em substituição à indagação ou resolução da raiz dos vários problemas de nossa sociedade? De cá, enquanto professor em greve e historiador, além da plena legalidade constitucional do nosso direito de greve, creio que a razão histórica está do nosso lado: o descaso com a educação, ainda que não existissem leis que fundamentassem a nossa luta (e elas existem!), ensejaria a mobilização pela criação de novos direitos. Não à toa, durante os séculos em que a escravidão foi legalmente aceita neste país, a maioria dos nossos antepassados não esperou a boa vontade dos governantes ou a autorização legal dos juízes da ordem escravocrata para lutar legitimamente pela sua liberdade.

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