Vi, alguns dias atrás, em
um site de grande acesso um comentário de um autointitulado “Pai de
aluno Consciente” aconselhando a saída das e dos professores da
paralisação de atividades porque a nossa greve foi considerada “ilegal”
e, segundo o mesmo, caberia apenas voltarmos à normalidade das aulas e
discutirmos o aumento na “justiça”. Afinal, ainda segundo o mui
“consciente” comentador, “decisão judicial se cumpre, pra discutir só na
própria justiça”.
Passado mais de um mês de tal proibição “legal” do
nosso direito de reivindicação, o fato não mereceria atenção se não
fosse utilizado pelo governo do senhor Jaques Wagner, sistematicamente,
como peça de propaganda (enganosa) e se não mais penetrasse na
“consciência” de alguns pais e mães “desavisados”. Realmente, a greve do
professorado da rede estadual foi considerada “ilegal” no dia 13 de
abril, mas e daí? Sinceramente, não creio que o parâmetro de um juiz
seja o único metro para medir o que pode ou não ser feito para alcançar
uma reivindicação legítima.
O argumento para decisão sobre a suposta ilegalidade, como de praxe,
foi que a greve “acarreta danos ao serviço público e à coletividade”. O
mais evidente é que a dita “coletividade” é tudo menos a ampla maioria
da sociedade prejudicada no médio e longo prazo pela ausência de
educação escolar de qualidade. E aqui, não devemos esquecer que a
qualidade da escola em qualquer lugar do mundo está diretamente
relacionada às condições de trabalho e remuneração do professorado.
Dessa forma, a liminar do juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública de
Salvador, Ricardo D’ Ávila, não correspondeu à salvaguarda dos
interesses da “coletividade”, mas sim à clara tentativa de supressão
judicial de um conflito socialmente instaurado. A questão já seria
preocupante se fosse apenas um casuísmo relativo à greve dos professores
da rede estadual, mas se trata de prática recorrente nos últimos
tempos: quantas greves foram consideradas “ilegais” recentemente?
Comumente, a mídia e boa parte da população se referem à corrupção dos
poderes Executivo e Legislativo, mas esquecem de apontar o quão
problemático também é o nosso Judiciário. Faceta essa que se mostra
evidente na maioria absoluta dos processos de greve, mesclando
reacionarismo, solidariedade gratuita aos dominantes, conveniência com
os governantes de sempre e subserviência ao patronato.
Nesse caso, vemos mais uma vez o mundo de cabeça para baixo: é o
Direito que tenta moldar compulsoriamente a realidade e não a realidade
que define a legitimidade dele. Convenientemente, essa preocupação com o
aspecto “legal” das reivindicações deixa de lado o fundamental do
conflito instaurado: o flagrante descumprimento por parte do governo
estadual da Lei do piso salarial nacional dos professores (Lei
11.738/2008) não seria a primeira e mais grave ilegalidade? Até a
presente data da greve, não vi nenhum pronunciamento judicial que
determinasse por parte do executivo estadual o óbvio cumprimento da Lei
do Piso. Mais uma vez, ao reproduzir a lógica de “dois pesos, duas
medidas”, a realidade brasileira dá uma demonstração cabal que direito e
justiça estão longe de serem sinônimos. Como bem lembrou a “multidão”
no belíssimo prefácio de José Saramago para o álbum Terra, do fotógrafo
Sebastião Salgado, “Direito, já nós o temos, e não nos conhece”, por
isso “o que queremos é uma Justiça que se cumpra e um Direito que nos
respeite”.
Portanto, a questão mais geral que se coloca é se vivemos em um
Estado judicial, ou seja, aceitaremos a supressão “legal” dos conflitos
sociais em substituição à indagação ou resolução da raiz dos vários
problemas de nossa sociedade? De cá, enquanto professor em greve e
historiador, além da plena legalidade constitucional do nosso direito de
greve, creio que a razão histórica está do nosso lado: o descaso com a
educação, ainda que não existissem leis que fundamentassem a nossa luta
(e elas existem!), ensejaria a mobilização pela criação de novos
direitos. Não à toa, durante os séculos em que a escravidão foi
legalmente aceita neste país, a maioria dos nossos antepassados não
esperou a boa vontade dos governantes ou a autorização legal dos juízes
da ordem escravocrata para lutar legitimamente pela sua liberdade.
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